Um dos sinais claros de uma grande cidade é sua rede de metrô. Grandes metrópoles possuem uma ampla rede de metrô em todos os cantos do mundo, como Nova York, Chicago, Cidade do México, São Paulo, Londres, Paris, Beijing e Tokyo. Para todas essas cidades você pode consultar o mapa da área metropolitana com o desenho das linhas. Por que as linhas são exatamente deste jeito? Por que elas foram construídas exatamente nessa ordem? Como tomar decisões melhores no futuro?

A construção de uma linha de metrô é um empreendimento gigantesco e longo. Por exemplo, a linha 4 do metrô de São Paulo foi pensada ainda na década de 40. Sua primeira licitação foi no início da década passada (2001) e sua finalização está prevista para o ano de 2020. Só a primeira etapa, com valores da época, estava orçada em mais de R$ 3 bilhões de reais.

Por ser um grande empreendimento, sua construção não é trivial e há uma série de interesses envolvidos que não é fácil de conciliar. A discussão mais básica é que, considerando a demanda atual, uma linha específica de metrô não vai beneficiar a todos na mesma medida; certamente quem mora e trabalha na vizinhança de uma nova linha será mais beneficiado que aquele que dificilmente utilizará aquele meio. Claro que, para os “não beneficiados”, há potenciais benefícios indiretos: menos carros nas ruas, menos poluição e etc. Este motivo por si só já é alvo de grande debate na negociação de uma nova linha. Mas vou discutir aqui dois outros elementos que são mais difíceis de serem observados.

Valorização Imobiliária

Ainda que haja a hipótese de que casas valorizam após a implantação de uma linha de metrô, não é trivial de ser confirmada. Como é comum em ciências sociais, não podemos realizar testes controlados para responder diretamente essa pergunta (isto é, criarmos N bairros isolados com condições diversas e selecionar aleatoriamente metade dos bairros para ter metrô e a outra metade não e depois compararmos o preço relativo dos imóveis). No caso do valor dos imóveis, uma ferramenta possível é analisar a série histórica do valor de imóveis e tentar relacionar se há um acréscimo no valor após implantação da linha.

Diversos estudos tentaram relacionar esse padrão em diferentes cidades. Um estudo bem recente na Índia, por exemplo, chegou a seguintes conclusões. Há um acréscimo de preço nas áreas próximas ao metrô chegando a 25% entre 0,5km à 1km da estação (onde o aumento é maior) e 8% para distâncias entre 1km e 2km. O estudo também concluiu que há um acréscimo de 4,5% do valor dos imóveis na cidade como um todo. Ou seja, há valorização não apenas nas áreas próximas a uma nova linha. O padrão é como a figura abaixo, a medida que afastamos da linha do metrô, menor será a valorização.

Imóveis valorizam próximos a uma nova estação e valorização diminui quanto mais afastado da estação.

Este texto comenta sobre metrô, mas coisas tão triviais como a oferta de rotas de fretado de grandes empresas (como Google e Facebook) leva ao aumento do preço dos imóveis por onde o fretado trafega. Isto foi discutido no Spin de notícias 510.

Dinâmica entre local de emprego e local de moradia

Esse é outro assunto que a intuição é simples, mas é difícil comprovar na prática. Procuramos emprego em lugares próximos da nossa moradia. Isto faz sentido. Ninguém gosta de se locomover por horas até o local do emprego. No entanto, o contrário também pode ser verdadeiro. Por muitas vezes decidimos nos mudar para morar em um local mais conveniente para se locomover ao trabalho.

Uma pesquisa relativamente recente mostrou mais ou menos como isto funciona. O estudo utilizou dados do “cartão/passe” do transporte público na cidade de Beijing por um período de 7 anos. Esse tipo de dado é interessante porque, olhando os dados de uma mesma pessoa por um longo tempo, é possível identificar quando a pessoa mudou de emprego (pelo local de destino na primeira viagem do dia) ou se ela mudou de endereço (a pessoa continua indo ao mesmo destino pela manhã, porém partindo de um local diferente – o seu novo endereço).

 

Quando moramos longe do local de trabalho, podemos trocar de endereço de forma a diminuir o tempo de viagem.

Os dados mostraram um padrão interessante. Existe um “tempo de inflexão” que mais ou menos baliza a dinâmica entre busca de emprego ou de mudança de endereço. No caso desta pesquisa específica era em torno de 45 minutos. Uma pessoa que leva menos que 45 minutos para ir ao trabalho, considera buscar empregos em locais que está a menos de 45 minutos de viagem de sua residência atual. Por outro lado, se as pessoas atualmente viajam por mais de 45 minutos do local de trabalho, elas consideram mudar de endereço ou de emprego de forma a diminuir seu tempo de viagem ao trabalho.

E o metrô na história?

A pergunta inicial deste texto agora está fácil de responder. Aparentemente ambos são dependentes entre si. Infelizmente, na maioria dos casos as linhas são planejadas de acordo com uma demanda atual, porém essa demanda pode mudar em função das próprias expansões da rede metropolitana. Agora vem uma outra pergunta indecente: e daí?

Não há respostas definitivas, mas o conhecimento desta relaçao mútua pode mudar possíveis decisões de expansão de linhas e políticas de financiamento. Das quais podemos citar duas:

1 – Talvez seja possível financiar parte da obra com a valorização imobiliária

Ao que tudo indica, e como vemos nos noticiários, moradores próximos ao metrô se beneficiam – seja porque podem utilizar mais ou pelos seus imóveis valorizarem. Uma proposta que está em discussão seria a seguinte: que tal “cobrarmos” parte desta valorizaćão dos moradores? Por exemplo, se um cidadão tem um imóvel que custa R$100.000,00 e a previsão é que ele atinja R$120.000,00 após a construção. Será que poderíamos cobrar uma parte destes R$20.000,00? Não é tarefa fácil até pela dificuldade de prever perfeitamente o percentual de valorização do imóvel. Mas tem outras abordagens que talvez sejam menos agressivas. Se o valor do IPTU seja atualizado com o valor real do imóvel, essa valorização se refletirá na arrecadação de impostos.

2 – O plano de zoneamento tem que estar em equilíbrio com o planejamento urbano

Veja que a implantação de uma linha de metrô pode levar a pessoas a mudar de emprego e mudar de endereço, portanto o projeto de implantação de uma linha é algo muito complexo e vai muito além de um projeto e execução de engenharia civil. Um exemplo que tem se utilizado mais recentemente é a mudar a política de zoneamento na cidade em função da rede de metrô atual e futura de forma que o resultado combinado da política de zoneamento e rede metropolitana seja a melhor possível.

A forma como pensamos o transporte público hoje afeta como será a nossa cidade amanhã!

Referências

Folha de São Paulo sobre a linha 4

Folha de São Paulo sobre o total investido

Recente artigo discutindo a valorização imobiliária no entorno de novas instalações

Spin de notícias de 510 sobre valorização imobiliária

Estudo recente com dados do transporte público de Beijing