As eleições presidenciais de 2018 estão chegando e com elas vários eventos, como a sabatinada científica promovida pelo ScienceVlogs Brasil. O Portal Deviante e o Scicast foram convidados para acompanhar in loco as discussões e propostas dos candidatos à presidência e os escalados para encarar essa maratona de sabatinadas foram o Armando e a Thais. Vale lembrar que essa é a primeira vez que os pré-candidatos são chamados para um debate sobre o futuro da ciência no Brasil, principalmente com a participação de cientistas e dos nossos colegas de divulgação científica.

E aqui vai a primeira crítica aos presidenciáveis: dos 14 candidatos apenas 2 participaram pessoalmente, enquanto outros 6 partidos mandaram representantes. Os candidatos presentes foram: Ciro Gomes do PDT e Paulo Rabello do PSC. Vale destacar as ausências de Jair Bolsonaro (PSL), um dos líderes de pesquisa de intenções de voto; do governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que além de ser “de casa”, tem um cuidado digamos peculiar com a educação estadual (de todos os níveis, seja infantil, fundamental, médio e superior); e também da candidata Manuela d’Ávila (PCdoB). Isso dá uma boa medida do quão prioritária é a agenda da ciência e tecnologia para os nossos governantes. Quando questionados via Twitter, alguns representantes responderam, como o astronauta Marcos Pontes, nome cotado para ministro da ciência e tecnologia de Bolsonaro, que disse não saber sobre o evento. Já Manuela justificou a ausência com conflitos de agenda.

Ficou claro que vários deles não têm muito a acrescentar às discussões, uma vez que não têm a menor ideia de como funciona a ciência no Brasil. Aliás, isso foi assustador no evento, já que a maioria dos participantes eram representantes dos candidatos, esperava-se que teriam algum conhecimento de causa, nomes que supostamente seriam o que os partidos têm de melhor para debater ciência. Fica a cargo do leitor julgar o que é pior, o partido não se importar com qual pessoa enviar, ou essa pessoa preparada para falar de ciência não existir em seus gabinetes.

Como é comum acontecer em debates de internet, ficou bastante clara a dicotomia entre propostas liberais que visam o corte de gastos do orçamento da união e o incentivo à iniciativa privada para resgatar os investimentos à ciência e tecnologia, e ideias mais à esquerda que propõem uma reforma fiscal e estrutural nos campos da educação e da pesquisa.

Um ponto positivo para os organizadores foi a escolha dos sabatinadores, a mesa foi equilibrada com quase sempre dois representantes da comunidade científica e dois divulgadores, majoritariamente personalidades do YouTube. De forma geral os debates foram bem conduzidos de maneira que os principais tópicos foram sempre abordados, entretanto isso não quer dizer que todos os participantes tenham sido claros e concisos em seus argumentos.

Um dos principais focos de discussão foi de onde no orçamento virá a verba para ciência, tecnologia e inovação (CTI), e o quão prioritário é esse assunto. Nenhum candidato apresentou algo além de intenções em construir mecanismos para instrumentalizar o cientista, como diminuir a burocracia e aumentar verbas para pesquisas (tudo o que a plateia gostaria de ouvir). Além disso, nenhum deles apresentou um plano de governo que de fato tenha a CTI como um dos pilares para o desenvolvimento do país e consequentemente uma via para saída da crise.

Dentre os discursos dos candidatos houve declarações polêmicas, como um cientista ser contrário à profissionalização da carreira acadêmica, focando na contribuição para aposentadoria, dizendo que o cientista só deve contribuir quando tiver “um emprego de verdade”. Dando nome aos bois, esta pérola foi dita pelo cientista Walter Neves, antropólogo e professor da USP, convidado para a sabatina pela sua carreira como cientista e candidatura a deputado federal pelo partido PPL. Houve comoção geral, pois a plateia era formada majoritariamente por alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, assim como pós-doutorandos, professores e pesquisadores.

Já o representante do PT, Fernando Haddad se mostrou mais por dentro de como funciona uma universidade, na nossa opinião, porque ele é professor da USP, e teve um discurso mais conciliador quando questionado sobre burocracia na aquisição de insumos para a pesquisa, e também como a falta de investimentos pode afetar o impacto das nossas publicações. Por impacto, Haddad ainda teve duas colocações: uma sobre quão importantes são nossas pesquisas, em termos de fator de impacto que os acadêmicos mais usam, que é em relação à citações e revistas; e também no alcance que a nossa pesquisa tem, se é lida por pessoas no mundo todo. Quando questionado sobre a educação básica, o representante de Lula falou que tem como proposta fazer uma nova reforma no ensino médio, que torne mais atraente o ensino para o adolescente e jovem adulto.

O representante de José Amoedo, do partido NOVO, Diogo Costa, arrancou comentários maldosos da plateia, mas sinceramente, não havia como não se surpreender com a variedade de termos em inglês relacionados à economia e educação, como “wellfare state”, “case de sucesso”, e “flip the classroom”, que conseguiram separar um pouco o candidato da plateia. Ainda, uma das propostas de angariar fundos para o ensino básico seria a filantropia, que automaticamente arrancou risos dos espectadores. Outras pérolas como a criação de uma Lei Rouanet para educação, e também da USP Nordeste e USP Amazonas, o voucher mensalidade (para que a família que comprove baixa renda consiga escolher a escola particular que achar mais adequada para matricular seus filhos), e a declaração de que o que é público não precisa ser estatal (ele se referiu ao ensino), foram suficientes para concluir que o representante não tem muita experiência em ensino público, nem de como fazer a gestão que ele tanto preza.

Mas o show de horrores ainda estava por vir, o representante e coordenador econômico do plano de governo do MDB, José Márcio Camargo, mostrou a total falta de comprometimento com a comunidade científica do seu partido, vide a nota do conselho superior das CAPES que saiu essa semana. O participante usou do discurso de falta de verba para justificar o sucateamento da pesquisa científica no país e que precisamos priorizar outras áreas, dando a entender que crianças vão ficar sem escola se o Brasil resolver investir em ciências. Chama atenção também o apelo que fez para os cientistas apoiarem as privatizações, citou o caso da Embraer, que supostamente dá prejuizos aos cofres públicos.

Já o representante e candidato a senador por São Paulo pelo PSOL, Daniel Cara, mostrou uma maior lucidez, talvez por ser o único participante que ainda faz parte do meio acadêmico (aluno de doutorado em educação pela USP). Com um pensamento progressista, afirmou que, para termos um desenvolvimento maior no país, precisamos formar cerca de 50 mil doutores nos próximos anos e que a verba para a ciência deve girar em torno de 2% do PIB, o que é o sonho molhado de todo pesquisador, porém isso pode ser tido como algo muito fora da realidade para a crise financeira que vivemos.

Para finalizar o dia, Ciro Gomes, candidato pelo PDT, apresentou um discurso forte para recuperar a economia e mostrou conhecimento do cenário que vai encontrar em sua eventual eleição. O principal ponto positivo do candidato foi se mostrar aberto ao diálogo com a academia a ponto de, em tom de brincadeira, oferecer o ministério da ciência e tecnologia para Helena Nader, uma de suas sabatinadoras. Porém, sua pisada de bola foi em relação às preocupações ambientais, colocando o desenvolvimento na frente da agenda ambiental, como visto quando ele defende que não houve grandes impactos ambientais na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.

Esse evento foi de extrema importância, uma vez que a agenda CTI dificilmente é lembrada de ser discutida em debates e nos horários eleitorais. Se essa sabatinada não serviu para apontar qual candidato fará melhor à ciência brasileira, certamente nos mostrou que devemos Temer pelo nosso futuro caso algumas ideias forem implementadas.