Se você já jogou um pouquinho que seja de RPG, sabe que um paladino é o cara do grupo fortão (dá pra imaginá-lo até com aquela camisetinha de “Monstro”), que come muito frango e batata doce para aguentar o tranco das batalhas. Sendo assim, nada mais coerente (na minha cabeça, é claro) que dizer que o triângulo é o paladino no mundo da geometria.

Isto porque, por mais que você tente forçá-lo a se mover, ele vai ficar ali paradão, de boa e estável. O mesmo não acontece com um quadrado, pois se você pressioná-lo (fisicamente, não psicologicamente) em qualquer ponto, seja nas arestas ou vértices, ele vai ceder e ficar parecido com um losango. Se não botar fé na minha pessoa, pode testar isso fazendo essas duas geometrias com tiras de papelão e bailarina, aí depois me conta!

Os egípcios foram um dos primeiros povos a perceber o poder estrutural do triângulo, tanto que as mastabas foram aos poucos sendo substituídas por pirâmides de degraus até chegar naquele formato conhecido no estilo das pirâmides de Gizé (Figura 1). E não, não foram os alienígenas que deram uma de arquitos naquela época, ok?

Figura 1: Da esquerda para direita, mastaba, pirâmide de degraus e o formato clássico (Fonte).

Outro povo muito matreiro, os engenheiros e engenheiras, que de bobos não têm nada, mais uma vez se aproveitou de algo da matemática para transformar em uma aplicação no seu dia a dia. Como dizia Jaiminho, “é para evitar a fadiga” (amigos da engenharia com mais de 30 anos, mil perdões pelo trocadilho infame). Graças a isso conseguimos desenvolver uma série de estruturas, equipamentos e outros tantos objetos que apresentem uma certa rigidez e não colapsem como cadeiras, tripés para câmeras, telhados e guindastes.

Meme do personagem Jaiminho do programa Chaves, escrito “Prefiro evitar a fadiga”

Neste caso especial, os triângulos, pela união de seus poderes, formam uma coisa chamada treliça, e não o capitão Planeta (no momento o único capitão que tá dando para suportar). As treliças são uma espécie de armação composta por elementos esbeltos e retos (Ex: barras, perfis) dispostos em um painel triangular, cujas extremidades são interconectadas por elementos de ligação, que funcionam como uma espécie de articulação. Estes, por sua vez, podem ser parafusos, pinos, rebites (não é esse rebite que você tá pensando) e soldas.

Normalmente são constituídas de algum tipo de material resistente como madeira, aço e até mesmo alumínio, capazes de suportar solicitações de tração, que puxam as barras, e as de compressão, que vão tentar fazer uma sanfona com elas. As aplicações são as mais variadas, desde reforço para pontes até lanças de guindastes (Figura 2).

Figura 2: Treliças também são vistas em equipamentos como guindastes (Fonte).

Na construção civil, por exemplo, treliças de aço para concreto armado (CA-60) são empregadas em lajes pré-moldadas (Figura 3) para garantir segurança, rigidez e inclusive agilidade na montagem, enquanto o espaçador treliçado atua como apoio, além de permitir o correto posicionamento das ferragens que auxiliarão durante a concretagem de pisos e lajes. E falando em civil, essa galera estuda com tanto afinco as treliças que até colocaram nomes nelas, como se fossem íntimas ou da família: é Howe, Pratt, Fink… (Figura 4)

Figura 3: Treliças feitas de aço também são usadas em lajes pré-moldadas (Fonte)

Figura 4: Treliças amigas do pessoal de civil (Fonte).

Podemos classificar as treliças também em dois grupos disintos, as planas e as tridimensionais e o próprio nome é intuitivo. No primeiro caso, podem ser arranjadas paralelamente umas às outras e você podem observá-las em alguns telhados de garagem ou galpões (Figura 5), enquanto que as tridimensionais podem ser vistas em torres de alta tensão (Figura 6). Por serem compostas de perfis, há algumas vantagens como a boa relação entre o peso próprio da estrutura e sua capacidade de fornecer resistência mecânica, somando-se também a questão de fabricação e montagem rápidas – o que é útil em construções temporárias – e um visual esteticamente mais “clean”.

Figura 5: Treliças planas podem ser montadas paralelamente (Fonte).

Figura 6: Torres de alta tensão também fazem uso de treliças tridimensionais para compôr sua estrutura (Fonte: zardeto, CC BY 3, via Wikimedia Commons).

Aposto que você agora deve estar se perguntando como faz pra dimensionar e projetar um monstrão desses, com um monte de treliça pra considerar na análise, né! Então, a gente tem dois amigos sensacionais para dar aquela moral, que são o computador e um método matemático (mais uma vez a gente se apropriando do esforço dos coleguinhas) chamado de elementos finitos, que agilizam bastante a nossa análise. Num futuro não muito distante, espero conseguir destrinchar isso legal para explicar a vocês, porque é um rolê no estilo Ronaldinho Gaúcho, com uns conceitos complexos como equações diferenciais, condições de contorno e procedimentos numéricos.

Entretanto, muitas vezes antes de usarmos uma ferramenta computacional, já temos um sentimento do comportamento da estrutura. E esse sentimento provém de uma análise até bastante simples, que faz uso de um conceito trivial visto na física do Ensino Médio: o diagrama de corpo livre (DCL). O diagrama é um esboço “rudimentar” do objeto de estudo isolado, com a identificação das forças que agem sobre o mesmo e suas reações. Todo bom engenheiro estrutural é bom porque já praticou muito DCL na vida.

No caso das treliças, as forças que atuam nas suas extremidades podem ter a ação representada ao longo do seu eixo e como já falei, são de dois tipos apenas: tração ou compressão. Munidos do DCL, podemos usar dois métodos diferentes para entender o comportamento destas forças nas estruturas.

  1. Método dos Nós: supomos a treliça em equilíbrio, significando que as forças externas e reações não causam nenhum efeito nela. E se o somatório de forças na estrutura como um todo é nulo, o mesmo se aplica a cada um dos seus nós (Figura 7). Desta forma, obtemos as forças em cada uma das barras. O único porém é que dá um pouco de trabalheira, ainda que seja simplificada pela identificação dos membros que não suportam nenhum carregamento, os membros de força zero (Figura 8), e somente estão ali para conferir maior estabilidade.

Figura 7: Exemplo do método dos nós para avaliar as forças em cada membro. À direita um estudo das forças e reações no nó B (Fonte: Hibbeler, 2011).

Figura 8: Membros de força zero identificados pelos círculos em vermelho, que podem ser removidos da análise (Fonte: Curotto, C.L., 2014 – Adaptado de Hibbeler, 2011).

  1. Método das Seções: é o método da preguicinha e o foco aqui é diferente. Não quero saber como cada barra se comporta, meu interesse é em alguns membros apenas. Por isso eu secciono um pedaço da estrutura (Figura 9) e além das equações de forças usadas acima, vou precisar realizar o somatório dos momentos. E o momento, para quem não lembra, é a tendência que um corpo tem em girar mediante a aplicação de uma força.

Figura 9: Método das seções, aplicado quando o interesse é em amenas algumas barras da treliça (Fonte: Hibbeler, 2011).

É óbvio que não vou ficar dando uma de palestrinha pra vocês, afinal ninguém vai sair daqui ao ler este artigo projetando um telhado, ponte ou o que for. O foco não é esse, mas sim fazer com que percebam que, algo que pode ter sido o horror de muitos nas aulas de geometria e trigonometria da escola tem uma importância vital. Tal importância, inclusive, foi reconhecida pelos nossos amigos egípcios, que embora tenham atribuído também um valor religioso, souberam reconhecer sua função do ponto de vista estrutural. Como a evolução do conhecimento é decorrente do acúmulo de saberes e experiências provenientes das lições extraídas de sucessos e fracassos, um simples triângulo (pra quê vou usar isso na minha vida, não é mesmo?) permitiu que construíssemos desde pirâmides até a sustentação dos tetos sobre as nossas cabeças.

 

Referências Bibliográficas:

HIBBELER, R. C. Estática – Mecânica para Engenharia. 12. ed. [s.l.]: Pearson Prentice Hall, 2011.

FACULDADE DE ENGENHARIA CIVIL ARQUITETURA E URBANISMO – FEC – UNICAMP. Sistemas estruturais de edificações e exemplos. Campinas: [s.n.], 2008. Disponível aqui. Acesso em: 26  dez.  2020.