Pinóquio, o personagem clássico criado por Carlo Collodi e originalmente publicado em forma de folhetins entre 1881 e 1883, antes de ser compilado em um único volume, “As Aventuras de Pinóquio”, em 1883, tem um papel significativo na cultura popular. Sua história foi adaptada em diversas formas de mídia. A versão animada da Disney, “Pinóquio” (1940), é uma das adaptações mais conhecidas e populares. O filme da Disney ajudou a solidificar o personagem na cultura popular, introduzindo músicas icônicas como “When You Wish Upon a Star“. 

O personagem também apareceu em outras adaptações cinematográficas e animações ao longo dos anos, tanto em filmes tradicionais quanto em produções mais modernas, no caso, o game Lies of P é uma delas.

Nessa adaptação, um novo tipo de mineral foi descoberto na cidade de Krat, mineral esse que foi usado para dar “vida” aos títeres que movimentam toda a cidade, fazendo todos os trabalhos braçais possíveis. Mas que mineral é esse? Existe algo no nosso mundo parecido com isso? Então tenha cuidado para seu nariz não crescer, pois hoje exploraremos o mundo de Lies of P e aprenderemos mais sobre radioatividade.  

Ah, vale lembrar que precisaremos explorar a lore do game, então pode ter certeza de que nesse texto teremos muitos spoilers. Continuando…

Lançado em setembro de 2023 e desenvolvido pela Round8 Studio, o game apresenta a envolvente narrativa do títere Pinóquio, despertando em uma estação de trem deserta na caótica cidade de Krat.

Imerso no turbilhão de loucura que assola o local, Pinóquio embarca em uma jornada épica para localizar seu criador, o mestre Geppetto. Nesse cenário de calamidade urbana, ele enfrenta desafios e adversidades, buscando não apenas encontrar Geppetto, mas também descobrir a verdade sobre sua própria existência e aspirações.

Imagem 1: Até parece o Timothée Chalamet, mas na verdade é o Pinóquio do game. A imagem mostra uma rapaz de cabelos compridos segurando, com sua mão mecânica, um cristal azulado.

Na história do game, alquimistas se estabeleceram em Krat e descobriam uma rica mina de Ergo. Um alquimista e inventor de destaque, Giuseppe Geppetto, engenhosamente concebeu um coração especializado para atuar como fonte de energia para os títeres. Essa notável inovação por si só catapultou Krat de uma modesta e empobrecida cidade litorânea para uma metrópole pulsante de maravilhas. 

Os títeres começaram a assumir as tarefas braçais, emergindo como ajudantes indispensáveis. A importância do Ergo alcançou patamares tão elevados que se tornou a própria moeda da cidade, simbolizando não apenas riqueza material, mas também o motor propulsor da transformação que elevou Krat a um status de grandeza.

Porém, passadas algumas décadas, de um dia para o outro os títeres se revoltaram e começaram a destruir a cidade e a matar seus habitantes. Em paralelo a isso, muitos habitantes começaram a sofrer mutações e acabaram desenvolvendo uma enfermidade chamada Doença da Petrificação. É nesse cenário de caos e destruição que o jogador começa o game.

Imagem 2: Um cristal de Ergo encontrado no game. A imagem mostras um cristal azul, parcialmente translucido.

Ao longo do game descobrimos que a Doença da Petrificação é causada pela exposição prolongada ao Ergo, o qual além de gerar energia para os títeres, também cria ondas que podem ser usadas na comunicação com os mesmos. Ondas estas que afetam a estrutura molecular dos humanos (além de outros mamíferos que enfrentamos no game). 

Mas que propriedade o Ergo precisaria ter para ser capaz de gerar grande energia e ainda causar mutações em seres vivos? Provavelmente a primeira resposta que vem a sua cabeça é: radioatividade. E você está certo. Então vamos explorar melhor esse assunto.  

A radioatividade é um fenômeno físico natural no qual certos átomos instáveis sofrem desintegração espontânea, emitindo partículas subatômicas e radiações eletromagnéticas. Essa desintegração é acompanhada por uma transformação dos elementos originais em outros, geralmente resultando na liberação de energia. 

Os átomos instáveis, conhecidos como átomos radioativos, têm um excesso de energia em seus núcleos. Para alcançar uma configuração mais estável, eles liberam essa energia na forma de partículas alfa, partículas beta, raios gama ou outros tipos de radiação.

Imagem 3: Certas partículas têm mais penetração do que outras. Na imagem podemos ver raios alpha sendo parados por uma parede de papel, raios beta passando pelo papel e parando em uma parede de alumínio e raios gama passando pelo papel e pelo alumínio mas parando em uma parede de chumbo.

Elementos que emitem radiação podem causar mutações genéticas ao interagir com o material genético (DNA) nas células. Quando a radiação ionizante atinge o DNA dentro de uma célula, ela pode quebrar as ligações químicas na molécula de DNA. Se essas quebras ocorrerem em locais específicos, como os genes, elas podem levar à mutações. As mutações são alterações na sequência de DNA, e dependendo da natureza e da extensão dessas alterações, podem ter efeitos variados. Os elementos radioativos podem ser encontrados naturalmente na crosta terrestre, mas também podem ser produzidos artificialmente em laboratórios. 

Todas essas propriedades vistas podem ser perfeitamente aplicadas ao Ergo. Então podemos supor que ele geraria uma certa dose de radiação. Inclusive outro grande paralelo com os elementos radioativos do nosso mundo, foi sua aplicação inicial. 

Em Krat, quando os alquimistas descobriram o Ergo, imediatamente começaram a estudar suas propriedades para que fossem utilizadas para fins medicinais, inclusive prometendo a tão sonhada vida eterna. O objetivo dos alquimistas era produzir um elixir, a partir do Ergo, que prolongasse a vida humana e até mesmo levassem os humanos a um novo patamar na evolução das espécies. Porém o resultado foi apenas a morte lenda e dolorosa dos habitantes de Krat.

Imagem 4: Em seu estágio final, a Doença da Petrificação transforma os humanos em cristais de Ergo. A imagem mostra um corpo humano petrificado junto a uma parede e com cristais azuis como ramificações do corpo.

Nosso mundo, depois da descoberta da radioatividade no final do século XIX pelos excelentes trabalhos do físico francês Henri Becquerel e dos cientistas, também franceses, Marie Curie e Pierre Curie, a radiação foi erroneamente considerada, no início do século XX, como tendo propriedades curativas e rejuvenescedoras, o que levou ao uso irresponsável de substâncias radioativas em produtos de beleza e saúde.

Alguns produtos de beleza e cuidados pessoais que continham substâncias radioativas incluíam cremes faciais, pós-loções, sabonetes e até mesmo escovas de dentes. O rádio e o tório eram os elementos radioativos mais comuns usados nesses produtos. Acreditava-se, de maneira incorreta, que a radiação emitida por esses elementos poderia melhorar a textura da pele, reduzir rugas e promover uma aparência mais jovem. 

Esse contato direto com substâncias radioativas levou a sérios problemas de saúde, incluindo doenças como anemia aplástica, câncer ósseo e outros distúrbios relacionados à exposição à radiação. 

Imagem 5: Anúncios de produtos de beleza que continuam elementos radioativos, eram bem comuns no início do século XX. A imagem mostra um cartaz antigo de propaganda de um creme a base de produtos radioativos.

Felizmente, à medida em que a compreensão dos riscos associados à exposição à radiação cresceu, regulamentações mais rigorosas foram implementadas, levando à proibição gradual do uso de substâncias radioativas em produtos de beleza. A conscientização sobre os perigos da radiação aumentou, e a prática de usar radioatividade em produtos de beleza foi abandonada devido aos riscos à saúde associados a essa exposição.

Imagem 6: Apesar de já bem conhecidos os efeitos da radiação, ela ainda foi tratada como “mágica” por muito tempo é só ver o grande numero de super heróis que ganharam seus poderes através da radiação. Na imagem vemos as etapas da transformação do humano Bruce Banner no mostro verde Hulk.

Voltando ao game, se radioatividade explica as mutações causadas pelo Ergo, a radioatividade também pode explicar a energia gerada através dele. 

Giuseppe, sendo um engenheiro notável, concebeu um coração mecânico que canalizava a potência de Ergo, erguendo-se assim como o progenitor dos títeres. Esta notável criação de Geppetto desencadeou uma reviravolta transformadora, marcando o início de uma era dourada para a cidade de Krat.  

Imagem 7: O “coração” criado por Geppetto. A imagem mostra com coração mecânico com composto por engrenagens de metal e tubos.

Com o conhecimento que temos hoje, conseguimos transformar radiação em energia elétrica através de uma usina nuclear, que, de maneira simplificada, usa o combustível radioativo, ao passar por uma reação nuclear, para liberar uma considerável quantidade de energia (uma reação exotérmica).

Essa energia é transferida, na forma de calor, para uma massa de água, que ao ser aquecida, evapora e se transforma em vapor. Esse vapor é então encaminhado para uma turbina, onde sua energia mecânica resultante é aproveitada para acionar um gerador, que converte eficientemente a energia mecânica em eletricidade. O problema é todo esse processo, para que seja viável, precisa de estruturas gigantescas.

Imagem 8: O funcionamento de uma usina nuclear. Na imagem podemos ver, de maneira simplificada, o funcionamento de uma usina nuclear como mencionado no paragrafo anterior a esta imagem.

Podemos supor então que Geppetto tenha sido tão genial que o coração mecânico criado por ele, na verdade, seja um mini reator nuclear que utiliza o Ergo para gerar energia elétrica através do aquecimento de água, isso até explicaria os jatos de vapores que alguns títeres soltam. E se pensarmos que Pinóquio está andando o game inteiro com um reator nuclear instalado no peito e destruindo inimigos para recolher mais Ergo para usar como fonte de energia, com certeza isso deixa o game ainda mais macabro.

Gif 1: Sabe quem mais tem um reator nuclear no peito? Ele mesmo, Gipsy Danger. O gif mostra o robô gigante Gipsy Danger, do filme Pacific Rim, debaixo de uma forte tempestade levando uma das mãos ao encontro do punho, mostrando que está pronto para o combate.

Ou talvez Geppetto tenha encontrado outra maneira mais eficiente de transformar radiação em energia elétrica. No nosso mundo o que não faltam são estudos nessa linha, desde nanomateriais até mesmo o uso de bactérias, mas nada até agora se provou concreto ou viável. De qualquer modo, muitas coisas que no passado eram ficção científica, hoje são “apenas” ciência. Fica o desafio para os nossos futuros cientistas.

E chegamos ao fim de mais um texto. Lies of P é bem mais que um game parecido com Bloodborne, é um souslike que possui alma própria e consegue se destacar dos concorrentes fazendo uma releitura do clássico de Carlo Collodi juntando um pouco de ficção científica no meio. Apesar de não ser uma game fácil, deixo a recomendação para que experimentem, a ambientação e a história são cativantes. 

E você, já jogou Lies of P? Curte um soulslike? Também deixe aí nos comentários críticas ou sugestões. Até a próxima.  

Fontes: Wikipédia, Wiki Lies of P, The Gamer, Brasil Escola, Defesa Cível CESTGEN, Jornal da USP e Tilt UOL