Na parte III da série de textos mais cabeluda do Portal Deviante vimos por que existem tantos tipos diferentes de cabelos. Hoje vamos ver mais a fundo o que muda no fio quando são feitas modificações estéticas nos cabelos. Sim! Vamos ver como funcionam as escovas, os permanentes, os alisamentos e etc!

Vimos que, com algumas exceções – uso de certos medicamentos e mudanças hormonais -, não há como mudarmos a forma do cabelo que irá nascer, ou seja, se você tem cabelo liso, seu cabelo irá continuar nascendo liso, valendo o mesmo para todos os tipos de cabelo. Desta forma, as modificações estéticas são feitas no cabelo que já está fora do nosso escalpo.

Existem diferentes formas de modificar o cabelo, no texto irei chamar de métodos permanentes, métodos semi-permanentes e métodos temporários para facilitar o entendimento, porém esses não são os “nomes de mercado”, já que uma “escova temporária” feita em cabeleireiro entraria como um método permanente ou semi-permanente aqui.

Então vamos lá.

Métodos permanentes e semi-permanentes

Para que o cabelo seja permanentemente modificado, devemos modificar a estrutura química interna dos fios. A mudança química não é reversível, então o cabelo deve ir crescendo e sendo cortado para ser retirado.

Se quiser relembrar a estrutura química interna dos fios, ela foi totalmente desenrolada na parte II. No caso de métodos permanentes de modificações capilares precisamos mexer em ligações covalentes presentes na estrutura, mais especificamente as ligações dissulfeto. Ligações covalentes são ligações fortes formadas quando dois átomos compartilham elétrons. A quebra ou formação desses tipos de ligações é o ponto principal dos métodos permanentes nos cabelos.

Formação de ligação covalente na molécula de H2.

Para que cabelos naturalmente lisos fiquem cacheados ou ondulados, geralmente se utiliza a técnica do permanente. Nesta técnica, a loção aplicada no cabelo faz com que as escamas da cutícula se abram, permitindo que o agente ativo entre no fio.

Geralmente utiliza-se o tioglicolato de amônio que é um sal que tem a tendência de fornecer átomos de hidrogênio. Compostos que fazem isso são chamados de agentes redutores. São esses átomos de hidrogênio disponibilizados pelo produto aplicado que influenciam a química capilar.

Quando o tioglicolato de amônio é colocado no cabelo, ocorre uma reação de redução, em que a ligação dissulfeto se quebra e os átomos de hidrogênio vindos da loção se ligam àquelas posições. Quando os átomos de hidrogênio são introduzidos nas moléculas, o resultado é uma flexibilidade maior do cabelo por causa de novas moléculas de cisteína em algumas posições que eram anteriormente cistina.

As ligações dissulfeto presentes na estrutura do fio de cabelo vêm da oxidação entre dois resíduos do aminoácido cisteína. Quando o tioglicolato é aplicado no cabelo, ocorre a reação de redução e a cistina (formada pela ligação dissulfeto) se quebra formando os dois resíduos de cisteína.

Nesse momento, quando algumas ligações dissulfeto estão quebradas e o cabelo está flexível, os fios podem ser enrolados cuidadosamente em um rolo de forma a começar a modelar o cabelo.

A velocidade que esse tipo de loção funciona para quebrar as ligações dissulfeto depende da temperatura ambiente e da temperatura do escalpo, bem como a concentração da loção e a porosidade do cabelo. Se as coisas derem errado e a pessoa ficar muito tempo com a loção na cabeça, muitas ligações são quebradas e o cabelo quebra. Essa é a ação de loções depilatórias, por exemplo, mas elas agem mais rapidamente porque usam condições de pH muito mais alcalinos (pH > 9,5). Portanto, momento moral da história: deve-se tomar muito cuidado com como e onde estas mudanças capilares são feitas!

 

Voltando… Agora deve-se fixar o cabelo na forma desejada, podendo ser cacheado ou ondulado. Isso é feito refazendo ligações dissulfeto (não são as mesmas do cabelo original) pela remoção dos átomos de hidrogênio aplicados anteriormente pela loção e deixando os átomos de enxofre se ligarem novamente.

A remoção do hidrogênio ocorre por meio de uma reação de oxidação, necessitando, portanto, que um agente oxidante seja aplicado no cabelo. Um exemplo bem conhecido é o peróxido de hidrogênio ou a famosa água oxigenada. Esse reagente libera um átomo de oxigênio que irá se ligar aos átomos de hidrogênio formando uma molécula de água. Os átomos de enxofre podem agora se juntar e formar a ligação dissulfeto.

Em resumo, o cabelo, após ser modelado na forma que se deseja, deve ser tratado com o agente oxidante para que o cabelo permaneça com os cachos.

1. Cabelo inicialmente com as ligações dissulfeto originais; 2. Ligações dissulfeto quebradas após aplicação do agente redutor; 3. Modelagem dos fios na forma desejada; 4. Aplicação do agente oxidante para formação de novas ligações dissulfeto.

O alisamento e também o relaxamento de cabelos naturalmente cacheados/crespos são praticamente o inverso do procedimento do permanente. Também é usada uma loção que contenha um agente redutor para quebrar as ligações dissulfeto originais. Após o tempo necessário de espera com o produto no cabelo, os fios são lavados e tratados com um agente oxidante. Os agentes redutor e oxidante podem, inclusive, ser os mesmos que são usados para o método do permanente. A grande diferença aqui é na etapa da modelagem dos fios, sendo que em alguns métodos de alisamento, o cabelo é modelado fazendo-se escova e chapinha com a loção aplicada nos fios e então depois é realizado o tratamento com o agente oxidante.

Sim, como você deve estar pensando este processo todo é bastante demorado.

Existem diversos tipos de produtos que podem ser utilizados nesses métodos de modificação e a escolha depende do tipo dos fios (mais grossos ou mais finos, por exemplo), se já existem outros produtos químicos aplicados nos fios (como tinturas), além também do resultado desejado. O tempo de aplicação e o tipo do produto também dão à técnica a característica de permanente ou semi-permanente. Porém, mesmo com o semi-permanente, o cabelo não volta exatamente ao que era originalmente.

Métodos temporários ou penteados

Quando somente a estrutura interna física do cabelo é modificada falamos de modificação temporária. Estes métodos são aqueles em que a modificação sai com a lavagem, ou seja, chapinha, escova e babyliss. Mas como eles funcionam?

 

Já sabemos que o principal constituinte do fio é uma proteína chamada de queratina e que tal proteína pode apresentar duas estruturas secundárias diferentes, a alfa-hélice e a beta-pregueada, sendo que a primeira conformação é a encontrada no nosso cabelo. As proteínas que apresentam a estrutura de alfa-hélice, assim o fazem devido à ligações de hidrogênio formadas entre os grupos N-H e C=O pertencentes à aminoácidos diferentes da cadeia (três a quatro aminoácidos de distância entre eles).

Estrutura secundária de proteínas determinada por ligações de hidrogênio entre as ligações amida.

Além da estrutura secundária, para entendermos os métodos temporários de modificação capilar precisamos saber uma característica dos fios de cabelo: a higroscopicidade. Ou seja, nosso cabelo absorve água, podendo chegar a absorver até 30% de seu peso.

Agora, juntando as duas coisas, se o cabelo molhado é colocado numa forma específica e depois é secado para remover a água, os fios irão se manter naquela forma… Pelo menos até ele ser molhado de novo. Sendo assim, a principal vantagem dessa forma de modificação capilar é que é reversível, já que a estrutura química do cabelo não é modificada, mas sim, só a estrutura física.  

Para entender melhor como essa modificação ocorre, vamos relembrar que algumas moléculas que apresentam ligações covalentes, não têm os elétrons distribuídos igualmente entre os átomos, levando à formação de regiões parcialmente positivas e regiões parcialmente negativas na molécula. A água é um exemplo de molécula em que ocorre essa distribuição de carga. Sendo assim, os átomos de hidrogênio da água apresentam carga parcial positiva. O oxigênio, por outro lado, apresenta carga parcial negativa.

Diagrama da molécula de água. A esfera vermelha representa o átomo de oxigênio e as esferas brancas representam os átomos de hidrogênio. A nuvem ao redor da molécula representa a probabilidade de se encontrar os elétrons naquela região. Quanto mais vermelho, maior a probabilidade. Enquanto a probabilidade é menor na região azul.

Além dessa carga parcial negativa, o átomo de oxigênio da molécula de água apresenta um par de elétrons disponível, ou seja, que não participa das ligações covalentes para a formação da molécula. A interação (eletrostática) entre o hidrogênio (devido à sua carga parcial positiva) de uma molécula de água com os elétrons disponíveis do átomo de oxigênio de outra molécula de água é a chamada ligação de hidrogênio (antigamente era chamada também de ponte de hidrogênio). Esse tipo de ligação pode ocorrer em outras moléculas que também apresentem essas características.

Formação de ligações de hidrogênio entre moléculas de água.

O que isso tem a ver com o cabelo?

Essas ligações ocorrem no interior do fio de cabelo, como podemos ver na figura abaixo, na qual temos as ligações de hidrogênio na estrutura alfa da queratina apresentadas no cabelo seco (lembrando que esta forma da proteína é sempre assim enroladinha, independente se os fios são lisos ou cacheados).

As ligações de hidrogênio são fracas, por isso, quando o cabelo está molhado e, portanto, com água absorvida no córtex do fio, as ligações de hidrogênio que eram feitas originalmente entre as espirais de queratina são quebradas pela água presente ali, formando outras ligações de hidrogênio temporárias na queratina. É como se a queratina fosse uma mola e a água mantivesse os anéis da mola mais abertos. É devido à essa maior distância entre as diferentes partes da molécula de queratina que percebemos um comprimento maior dos fios, quando o cabelo está molhado.

Se o cabelo é modelado enquanto passa pelo processo de secagem, as ligações de hidrogênio que se formarão na molécula de queratina serão diferentes das anteriores quando o cabelo é secado naturalmente mantendo a forma original do cabelo. Se é feita uma escova, por exemplo, as cadeias proteicas serão esticadas enquanto secam, levando a “mola” de queratina ficar aberta mesmo depois que a água foi retirada pela secagem, devido às novas posições das ligações de hidrogênio formadas.

1. Ligação de hidrogênio formada no cabelo seco naturalmente; 2. Ligação de hidrogênio quebrada pela água (e formação de novas ligações fracas); 3. Novas ligações de hidrogênio formadas após secagem e modelagem.

 

Tais modificações são somente físicas e, se água é adicionada, a nova ligação de hidrogênio será destruída, retornando as moléculas para sua conformação original e, consequentemente, o cabelo como um todo. Essa volta acontece devido aos outros tipos de ligações (ligações salinas e ligações dissulfeto) que existem nas cadeias de queratina que se mantêm mesmo com essa modelagem e “forçam” o cabelo a voltar para sua forma original quando as moléculas de água que mantinham a mola mais aberta vão saindo aos poucos (o cabelo secando naturalmente).

Até mesmo a umidade do ar pode fazer com que o cabelo volte ao normal, por isso é que para o cabelo se manter por mais tempo com a escova, chapinha ou babyliss feitos, usam-se produtos específicos que formam uma película protetora nos fios, evitando que o cabelo absorva água.

É a umidade!

Independentemente do tipo de modificação que é feita nos fios, é importante relembrar que até mesmo um cabelo que só sofre a ação da luz do sol vai sendo degradado ao longo do tempo (se não se lembra veja as micrografias aqui). Agora imaginem como fica o estado dos fios ao passar por todos os métodos… Cuidem de seus cabelinhos!

Até a próxima!

 

Referências:

LEE, C. M.; INGLIS, J. K. Science for hairdressing students. Pergamon Press, 1983.

The Chemistry behind the permanent wave.

Technical facts.