Para entendermos os mecanismos de resistência das bactérias, primeiro precisamos entender o que são, o que fazem e onde vivem esses microrganismos microscópicos.

Figura 1 – desenho esquemático de uma bactéria no qual é possível visualizar as estruturas e organelas que compõe esse microrganismo. Fonte

Bactérias são procariotos unicelulares, enquanto células de animais, fungos e vegetais são eucarióticas e a principal diferença entre elas é que naquelas o núcleo não é organizado. Ainda, as bactérias possuem uma fita única circular de cadeia dupla, diferentemente do que temos nas nossas células, em que o material genético está condensado em cromossomos. Podem existir também nas bactérias fragmentos de DNA que carregam material genético, que pode ser utilizado como carreador de genes de resistência. Esse material, o plasmídeo, pode ser passado para outras bactérias, inclusive de espécies diferentes, disseminando a resistência a determinado antibiótico como veremos num próximo texto.

Outra diferença é que os ribossomos das bactérias são de tamanhos diferentes das células eucarióticas. Pensando que temos antibióticos que agem nos ribossomos, aqui já conseguimos identificar uma vantagem: o antibiótico age no ribossomo da bactéria, mas não nas células humanas. Isso confere menor toxicidade ao medicamento, pois se agisse também nos ribossomos eucarióticos, provavelmente inviabilizaria o uso da droga. Lembrando que os ribossomos são responsáveis pela síntese de proteínas nas células de modo geral.

Uma terceira estrutura que é alvo dos antibióticos é a parede celular. Presente em praticamente todas as bactérias, a parede celular é quem confere forma a elas e resistência para sobreviver aos diferentes meios.

Esses microrganismos possuem outros elementos que são responsáveis pela virulência, ou seja, determinam a capacidade de causar doença e sua gravidade. Essas partes não serão tratadas neste texto, pois o objetivo é explicar os mecanismos de atuação dos antibióticos e eles não agem nessas estruturas.

As bactérias podem ser classificadas de diversas formas. Taxonomicamente (ramo da Biologia responsável pela classificação das espécies) elas são parte do Domínio Bacteria, filo Schizophyta e são subdivididas em classes, ordens, famílias, gêneros e espécies. Dessa forma damos “nomes” a elas: Staphylococcus aureus, Escherichia coli e assim por diante. Para facilitar o entendimento, farei uma comparação com os felídeos. Estes são parte do Domínio Eukarya, filo Chordata, do qual também fazemos parte. Eles também são subdivididos até espécies, quando denominamos gatos dométicos (Felis silvestres cattus), tigres (Panthera trigis), leões (Panthera leo) e gato-do-mato (Leopardus trigrinus).

Outra classificação que podemos fazer é levando em conta características comuns. Bactérias que possuem uma membrana externa à parede celular são denominadas Gram negativas, enquanto as que não possuem essa membrana, apenas a parede espessa, são Gram positivas. Essa classificação decorre do resultado ao usarmos corantes para identificá-las, neste caso a coloração de Gram. No exemplo, seria como dividir os felídeos em grande e pequeno porte.

Outra forma seria avaliar o comportamento do microrganismo num meio rico em oxigênio. Algumas não conseguem se desenvolver nesse ambiente e são ditas anaeróbias. Outras que dependem desse gás para sobreviver são denominadas aeróbias. Nos felídeos poderíamos dividir dois grupos: selvagens e domésticos.

Percebam que um mesmo animal pode fazer parte de grupos distintos. Por exemplo: ao mesmo tempo que um leão é selvagem e de grande porte, o gato-do-mato também é selvagem, porém de pequeno porte. Essa classificação mais abrangente, capaz de incluir num mesmo grupo diversas espécies de bactérias que possuem características em comum, é de extrema importância, pois veremos que determinados antibióticos têm ação apenas contra bactérias Gram positivas, apenas Gram negativas ou ambas. E dentro do grupo de bactérias Gram positivas ou negativas temos espécies aeróbias e anaeróbias.

Os antibióticos agem basicamente por quatro vias: inibindo a construção da parede celular; impedindo a produção de proteínas; interferindo no DNA bacteriano ou atuando em alguma via metabólica.

A maioria dos antibióticos agem na parede celular. Neste grupo temos diversas famílias de drogas que de alguma forma interferem nessa estrutura fundamental. Por isso, dizemos que esses antibióticos são bactericidas, ou seja, eles matam as bactérias. As diferentes classes que atuam na parede celular podem ter alvos distintos. Os β-lactâmicos, principal classe de antibiótico, se ligam a enzimas responsáveis por construir a parede celular e impedem seu funcionamento. Ao deixar a parede incompleta, o antibiótico permite a ação de outras enzimas que acabam por matar a célula. Uma classe de antibiótico que não atua diretamente na parede celular, mas é comumente utilizada com outros que agem nela, é a polimixina. Os antibióticos desta classe atuam como detergente da membrana externa. Por isso, são eficazes apenas com bactérias Gram negativas.

Outra forma de atuação é interferindo na produção de proteínas. Os aminoglicosídeos, por exemplo, impedem a produção completa de uma cadeia de peptídeos pelo ribossomo. Seria como se ao fazer uma corrente de crochê os pedaços fossem sem soltando após alguns pontos, sem arremate. Já a clindamicina, membro da família das lincosamidas, age através da ligação a uma parte do ribossomo, impedindo a produção da proteína. Esta droga é ativa contras várias bactérias anaeróbias, sejam Gram positivas ou negativas, entretanto não possuem ação contra bactérias aeróbias Gram negativas, apenas positivas. A clindamicina também é um exemplo de droga bacteriostática. Diferentemente dos β-lactâmicos, a clindamicina não age diretamente na morte da célula, mas atua inibindo também seu crescimento, o que permite que o próprio sistema imune aja contra o agente agressor.

O terceiro mecanismo de ação dos antibióticos é atuando no cerne do microrganismo: o DNA. A principal representante desse grupo é a classe das quinolonas. Elas agem inibindo enzimas necessárias à replicação do DNA. Quando o objetivo é combater bactérias Gram positivas, as quinolonas agem sobre a topoisomerase IV. Se o alvo é uma bactéria Gram negativa, a atuação é na DNA girasse. Ambas têm a função de aliviar a tensão gerada pelo superenovelamento decorrente do processo de replicação.

Por fim, há os antibióticos que agem em vias metabólicas, como a produção de ácido fólico. A principal representante é a classe das sulfonamidas.

Agora que a gente entendeu um pouco sobre o nosso agente agressor e do medicamento utilizado para combatê-lo, podemos discutir as formas de resistência que as bactérias desenvolvem e, na sequência, como contribuímos para esse desenvolvimento e suas consequências. Mas isso fica para um próximo texto. Até lá!

*Agradecimento especial para Thais Boccia.


Karin R. Kolbe. Médica infectologista, fã de Assassin’s Creed, rock, gatos e quebra-cabeça. Não necessariamente nessa ordem.