Vamos começar do começo!

O começo poderia ser o nascimento… Ou melhor, poderia ser a gestação. Ou até antes. Mas na verdade, começa nos pais. Não só na genética (que é um ponto importantíssimo). Começa de verdade no conhecimento desses dois adultos sobre comida e nutrição. E vai além do conhecimento técnico (que normalmente é bem distorcido, então também merece atenção).

Começa para valer mesmo na relação que esses futuros pais tiveram com a comida desde a infância.  Eu sei que parece exagero. Mas vocês vão entender.

Quem lembra daquela colherada caprichada fantasiada de avião que chegava uma atrás da outra na frente da gente?  Então. Começa aqui a reflexão que quero trazer para vocês hoje.

Quando enfiamos goela abaixo colheres e mais colheres de comida, em especial quando há fatores emocionais por trás disso, como: “come para deixar a mamãe feliz”, “Só vai comer sobremesa se papar tudo”, “Se não raspar o prato não pode brincar”, ou pior, quando colocamos a responsabilidade da fome do mundo em pequenas boquinhas sentadas à nossa frente, que nem de longe conseguem ter dimensão do que estão tentando ficticiosamente salvar. Quando fazemos isso não estamos respeitando em nada aquele INDIVÍDUO em suas particularidades. Não estamos permitindo que ele coma no tempo dele (sim, é bem mais lento que o nosso, afinal, ele não precisa correr para pagar um boleto no horário bancário, e que sorte a dele). Não damos a oportunidade dele criar vínculo com aquele alimento, com suas cores, cheiro, sabores e consistência (etapa indispensável para descobrir se gostam ou não de algo).

Quando agimos dessa forma deixamos de lado o que na minha opinião é o mais importante: a percepção de saciedade.

O bebê já nasce com os sensores de fome e saciedade a todo vapor. Eles sabem exatamente quando querem mamar, e sabem quando não querem mais. Quando eles começam a comer alimentos sólidos, isso não muda. Eles continuam sabendo reconhecer a fome e saciedade. No começo eles precisam de um tempo para aprender que comida alimenta também. Afinal, comida até ali era apenas leite. Aprendido isso (com toda calma do mundo), o certo seria que os pais ficassem responsáveis pela QUALIDADE do que eles irão comer, enquanto eles ditam a QUANTIDADE.

Mas normalmente não é bem isso que acontece. Queremos que eles comam mais. No fundo, ficamos realizados ao vê-los comer muito (não é culpa nossa, também fomos criados dessa forma). Inclusive, achamos lindo bebês gordinhos. Claro, é lindo. Só não deve ser um padrão. Criança (assim como nós, adultos) precisam estar em equilíbrio com o seu corpo, e o peso muitas vezes reflete esse equilíbrio.

E entre garfadas forçadas, ameaças e chantagens, vamos desfazendo o conceito de fome e saciedade desses pequenos seres humanos. Que se tornam adultos que não conseguem mais entender a comida apenas como fonte energética.

A comida é o centro das atenções de uma comemoração. Então se temos qualquer situação muito feliz, por exemplo, comemoramos com comida (não que seja um problema). Ela também é equivocadamente utilizada como antidepressivo, pois se estamos muito tristes, comemos. Se trabalhamos demais, comemos, afinal, foi um dia difícil, nós merecemos. Se estamos entediados, comemos. Se estamos ansiosos, comemos. E por aí vai.

Onde está o perigo? São tantos os motivos que criamos para comer, que nos distanciamos do ato de comer verdadeiramente. Já não sabemos mais quando nosso corpo realmente precisa de alimento. Não vejo problema em comermos por inúmeros outros motivos que vão além da fome. Não é isso. O problema é quando o que era para ser uma necessidade fisiológica (como fazer xixi, cocô, dormir) praticamente abandona esse posto, e passar a ocupar muito mais o lugar de várias outras coisas.

Além disso, com o excesso de informação e marketing, nos confundimos quanto a quais alimentos são os bons de verdade. E com isso me deparo muito com gente morrendo de medo quando crianças comem ovo no lanche da escola (passei por situações constrangedoras em relação a isso) ao invés de se assustarem com os biscoitos que parecem isopor amarelo ricos em gorduras hidrogenadas, aditivos químicos, corantes e etc. A falta de informação de qualidade nos trouxe uma inversão de valores gigantesca diante da alimentação. Pessoas ignoram estudos científicos, e até mesmo o que preconiza a própria Organização Mundial de Saúde, com relação à alimentação infantil. Por exemplo, não se indica sal para crianças menores de 12 meses. Mas se vemos uma mãe ou um pai que recebeu essa instrução do pediatra do seu filho dando uma comida sem sal, apenas com temperos naturais, podemos ter certeza, que eles estão cansados de ouvir comentários como: “Ah, mas ele vai comer sem sal? Coitadinho”.

Ham? Coitadinho por quê? Ele nem mesmo conhece o gosto do sal, para sentir falta dele.

Em contrapartida ao ver uma criança de 10 meses comendo coxinha, ninguém (ouso arriscar que ninguém mesmo) chega para chamar esse bebê de coitado para os pais.

Preciso dizer que não sou a favor de pessoas que se metem na vida das outras, em especial se tratando do quesito maternidade e paternidade, ok? Apenas usei essas situações como exemplos.

Gostaria de falar mais sobre alimentação infantil aqui (deixem nos comentários se vocês também querem). Mas esse texto não é exatamente para isso. É para nos chamar a atenção para o básico. Para o nosso comportamento diante do alimento. Precisamos nos libertar dos conceitos de que é preciso comer até raspar o prato, por exemplo. Nosso corpo não é uma lixeira. Se estamos satisfeitos, e ainda tem comida no nosso prato, podemos sim parar e guardar o restante. E se você está preocupado com a fome do mundo, preciso te contar uma coisa: comer ou não aquele resto de comida, não vai resolver essa questão. Procure outra forma de ajudar (tenho certeza que existem várias mais eficientes). Mas não jogue essa responsabilidade no seu corpo. Não coma a mais por isso. Coma para matar sua fome, ou porque quer, ou porque está muito gostoso, mas não por uma obrigatoriedade abstrata de raspar aquele prato. Dessa vez, ninguém vai ficar triste. Não vai ter castigo. E a sobremesa são está mais em jogo.

Reconecte-se com o ato de se alimentar. Faça dele um momento de prazer, de saúde e de consciência. E acredite: um corpo saudável sinaliza  hora de comer e a hora de parar de comer. Ouça o seu corpo um pouquinho… Você não perde por tentar.