Olá ouvintes! Bom dia e bem vindos e bem vindas ao milésimo trecentésimo octogésimo oitavo episódio, em outras palavras o episódio de número 1388, do Spin de Notícias, o seu giro diário de informações científicas… em escala subatômica.

Aqui é o Marcel Ribeiro-Dantas, falando de Paris, mas natural de Natal, e hoje falaremos sobre COVID-19, causalidade e paradoxos!

Nessa altura do campeonato, você já deve ter topado com alguma publicação nas redes sociais questionando a eficácia das vacinas com base nos números de hospitalizações em Israel, um dos países com uma das maiores taxas de vacinação no mundo no período em que gravei esse material (Agosto/2021). Se ainda não topou, esse spin de hoje vai te imunizar, digamos assim, para, quando você tiver contato com essa notícia, não cair na desinformação. Estaria a variante Delta “escapando” do nosso sistema imunológico com base nesses números de Israel?!

Se considerarmos residentes em Israel com mais de 12 anos, a cobertura vacinal já está na casa dos 70%. Se olharmos apenas para residentes mais velhos, com mais de 50 anos, esse número já ultrapassa os 90%. Diante desse panorama, não é por menos que a gente se surpreenda ao ler que cerca de 60% de todos os pacientes hospitalizados por COVID-19 em Israel (dados de 15 de Agosto de 2021) estavam completamente imunizados, tendo tomado duas doses da vacina Pfizer. Ué, mas se mais da metade dos hospitalizados são vacinados, e menos da metade não se vacinaram… Vacinas não funcionam, certo? Esperaríamos que AO MENOS a maior parte dos hospitalizados não tivesse sido vacinada. Caramba, não funciona?!?!?!? Marcel, tô entrando em pânico! E agora! Calma lá, gente! Segura até o fim do Spin que a notícia é boa.

Esses números estão corretos, mas estão sendo “lidos”, digamos assim, de forma equivocada. De posse desses dados, que são públicos, vamos dar uma olhadinha neles. Esse link entra em mais detalhes (inclusive de forma visual, com tabelas) sobre os números que vou falar aqui, e se você quiser algo mais detalhado, em inglês, corre lá depois :-).

Ainda que os números absolutos mostrem um número maior de hospitalizados vacinados (301 contra 214), se olharmos para esses números com relação à população que eles pertencem (vacinados e não vacinados), na verdade iremos encontrar que a taxa de hospitalizações é cerca de 3 vezes maior no grupo de não vacinados. Ainda assim, a eficácia da vacina seria de 67.5%, abaixo dos números que conhecemos. Seria isso efeito da delta? Calma lá, tem mais coisa.

Analisando os dados, algo que já de início se torna evidente é que cerca de 80% dos hospitalizados tem mais de 50 anos e cerca de 20% dos hospitalizados tem menos de 50 anos. Isso não deveria nos surpreender, pois sabemos que idosos tem maiores chances de desenvolver sintomas e a doença em forma severa, o que leva à hospitalização. Quanto aos números de cobertura vacinal que falei há pouco, também não deveriam nos surpreender, já que a vacinação começou pelos mais idosos, e de fato a cobertura vacinal é maior nesse grupo etário.

Se refizermos nossas estimativas do efeito de vacinação em hospitalização, ajustando por faixa etária, iremos identificar taxas de eficácia bem maiores na casa de 80 e 90%. Mas e aí, ajustamos ou não? Falei recentemente sobre como ajustes bem-intencionados podem nos levar a estimativas erradas. Nesse caso, devemos ajustar? Esse é um exemplo do Paradoxo de Simpson, algo que por muito tempo confundiu a cabeça de muitas pessoas, e hoje, através de uma perspectiva causal, é um problema bem mais simples de resolver.

Se fôssemos desenhar um diagrama causal (que quem acompanha meus textos e spins sobre causalidade já está habituado) veremos um nó chamado IDADE que tem um efeito causal sobre vacinação (quem vai tomar a vacina primeiro) e também um efeito causal sobre hospitalização (idosos tendem a se hospitalizar mais que jovens).

Essa estrutura implica idade em ser uma variável de confusão, que confunde nossas estimativas entre eficácia da vacinação e seus efeitos causais em hospitalização. Esse tipo de configuração nos diz que o modo sem viés de estimar o efeito de vacinação em hospitalização, portanto, é ajustando por idade. Caso tivéssemos idade como mediadora ou colisora (duas setas ou ao menos uma apontando para idade), por exemplo, a mensagem seria contrária: que NÃO podemos ajustar por idade, pois desse modo iríamos estar enviesando nossa análise. Eu já abordei a questão do viés de colisão outras vezes como aqui nesse spin e nesse texto,

Ou seja, nesse caso nós TEMOS que ajustar por idade e ao fazer isso iremos encontrar as taxas de eficácia próximas das do estudo de fase III da Pfizer, mostrando que a variante Delta em Israel, aparentemente, não tem sido capaz de escapar da imunização gerada pela vacina.

O pulo do gato para entender isso é perceber a falta de balanço nos nossos dados. Um exemplo absurdo seria imaginar que 100% das pessoas estivessem vacinadas. 100% dos hospitalizados seriam vacinados, não porque a vacina não funciona, mas porque não existem não vacinados. Se uma grande parte de quem costuma se hospitalizar está imunizado, mesmo que apenas uma pequena porcentagem desenvolva a doença em estado grave (o que é esperado), esse número ainda vai ser maior do que grupos sem vacina que tem menor chance de desenvolver a forma severa da doença. 1% de 1.000 é 10. 50% de 10 é 5. 1% é menor que 50%, mas se olharmos os números absolutos, 10 é maior que 5. Percebe?

Resumo da ópera: Vacinas funcionam, e a imunização tem protegido os israelenses inclusive da variante Delta. Por hoje é só, pessoal! Lembro ainda que esse podcast só é possível acontecer por conta de seu apoio no patronato do SciCast, tanto no Patreon quanto no Padrim e também no Pic Pay.