Quando pensamos em brigas diplomáticas, conspirações, emboscadas, guerras civis e revoluções armadas, o primeiro lugar em mente não é o Brasil, não é mesmo? Mas se você achou que o Brasil iria ficar de fora deste jogo de War da vida real está muito enganado.

Esta é a história da Revolução Acreana, um conflito marcado por muita confusão, invasões, facões, lodo, sangue, uma frase de efeito no leito de morte… enfim, um roteiro digno de uma novela, o que aliás foi.

Antecedentes

Se a gente observar ao longo da história, o Brasil não é muito bom em obedecer fronteiras, sempre que aparece um limite, lá está um brasileiro querendo ultrapassar. Foi assim que essa confusão se iniciou.

Todo mundo já ouviu falar do Tratado de Tordesilhas, aquele assinado entre Portugal e Espanha para dividir a América (quem não se lembra pode olhar o mapa abaixo):

Basta uma rápida observação no mapa brasileiro atual e nos limites estabelecidos pelo tratado para perceber que nosso país foi um pouquinho mais longe do que deveria. Pensando nisso, Portugal e Espanha assinaram em 1750 o Tratado de Madri, que delimitava novamente as fronteiras das colônias dos dois países na nossa querida América. Dessa vez, o tratado considerava principalmente as regiões povoadas pela população de cada um e assim o mapa começou a ficar parecido com o que é hoje.

Ninguém estava se preocupando muito em definir com exatidão até onde iria o território de cada um, principalmente nas florestas da região norte, isso até 1867, quando as colônias já tinham se tornado países independentes e estava acontecendo a Guerra do Paraguai. O imperador brasileiro Pedro II (vulgo Pedrinho), querendo estreitar laços com a Bolívia (na verdade era mais medo do Paraguai ganhar um aliado do que afetuosidade) propôs o Tratado de Navegação, Amizade, Limites, Fronteiras e Extradição entre Brasil e Bolívia, ou, se você preferir um nome mais curto: Tratado de Ayacucho. Esse acordo delimitou como seria a fronteira entre os dois países e ficou estabelecido, entre outras coisas, que o lugar onde hoje é o Acre pertenceria ao país vizinho.

A Revolução

Sabe quando falam que no Acre só tem mato e dinossauro? Até a segunda metade do século XIX era mais ou menos assim mesmo (com exceção dos dinossauros), mas aí, tudo isso mudou, quando a nação do fogo atacou, ou melhor, quando os seringueiros invadiram… mas vamos com calma.

Ninguém ligava muito para essa região e, mesmo após a assinatura do decreto reconhecendo o lugar como território boliviano, nunca foi feito um grande esforço para coloniza-la de fato. Graças a isso, à ascensão da venda da borracha, e à grande paixão dos brasileiros por ultrapassar limites, a partir de meados de 1880, muita gente começou a sair do Brasil, principalmente do nordeste brasileiro, para ir ao Acre boliviano, todos atraídos pela extração do ouro branco (não é ouro de verdade, é látex!).

Tanta gente foi para lá que, no final do século XIX, a população brasileira na região era de aproximadamente 50 mil pessoas, maioria em relação a população boliviana. O governo boliviano, ao ver a grande quantidade de brasileiros chegando, resolver agir, ou melhor, mandar para alguém agir. Eles então, cederam a região para uma empresa americana explorar e assim assumir o controle do lugar.

Os brasileiros, que viviam da atividade seringueira (extração e distribuição do látex), obviamente não gostaram muito de como estavam sendo tratados pelo governo boliviano e começaram a se revoltar. Liderados por Luís Galvez Rodriguez de Arias, conhecido como “imperador”, em 1899 o povo proclamou a poderosa República Independente do Acre. O “imperador” governou a nova república por cerca de 100 dias, até ser destituído, junto com a nação acreana, pelo próprio exército brasileiro, que não estava muito interessado em criar confusão com a Bolívia.

Após essa revolta o movimento se abrandou, até que os seringalistas (comerciantes de látex) enxergaram em Plácido de Castro (um soldado gaúcho que havia lutado na Revolução Federalista do Rio Grande do Sul) a possibilidade de um novo líder. Com o financiamento dos seringalistas, Plácido treinou um exército de aproximadamente 2 mil homens, a maioria armados com facões, e em 6 de agosto de 1902 (dia da independência boliviana), invadiu a casa do intendente boliviano da região (maior autoridade do local), que estava em comemoração pelo feriado, e declarou guerra à Bolívia, com direito até a uma frase de efeito pra Dom Pedro nenhum botar defeito: “Isto não é festa, senhor intendente. É revolução!”.

Com ataques estratégicos e rápidos, a revolução foi um sucesso. Após menos de seis meses e com cerca de 500 mortos, o território foi conquistado, o que representou a volta da gloriosa República Independente Acreana, desta vez mais organizada, inclusive com a publicação de um decreto que definiu o idioma oficial, a moeda e a legislação (que seria a mesma brasileira até a elaboração de uma própria).

O Resultado

Apesar de obter sucesso nas batalhas, Plácido enfrentou dificuldades na administração da nova república, as divergências entre os principais líderes da revolução enfraqueceram o grupo e fizeram com alguns pedissem a intervenção do governo brasileiro, o que de fato ocorreu.

Com medo de mais conflitos, já que a independência da região não era reconhecida nem pelo Brasil, nem pela Bolívia, o Ministro do Exterior brasileiro, Barão do Rio Branco, negociou com o governo boliviano o Tratado de Petrópolis, que anexava o Acre ao território brasileiro em troca de 2 milhões de libras esterlinas, um pequeno pedaço do Mato Grosso (como era despovoado na época, ninguém ligou muito pra isso), e a construção de uma estrada de ferro para ligar a Bolívia ao Rio Amazonas.

No início de 1904, com o acordo assinado, o Acre se tornou um território brasileiro e passou a ser governado por líderes escolhidos pelo presidente. Já na Bolívia, o povo não curtiu muito a decisão do presidente de vender um território tão grande por uma quantia considerada por eles pequena, e até hoje existe a lenda (ou não) de que o presidente vendeu o Acre porque havia recebido dois cavalos brancos de presente.

Apesar de não ser mais o líder da região, Plácido de Castro continuou tendo um grande apoio popular e alguns anos depois começou a criar movimentos para a retomada da República Independente do Acre, o que não agradou muito o militar escolhido como governante da região do Alto Acre, Coronel Gabino Besouro.

Quando voltava para casa com um grupo de pessoas, Plácido foi vítima de uma emboscada, em que foi baleado duas vezes. Mesmo com os ferimentos ele conseguiu fugir a cavalo e morreu nos braços de seu irmão, mas não sem antes soltar mais uma frase de efeito. Já prestes a morrer disse:

“Direi como aquele general africano: ‘Esta terra que tão mal pagou a liberdade que lhe dei é indigna de possuir meus ossos’. Ah, meus amigos, estão manchadas de lodo e sangue as páginas da história do Acre.”

Assim terminou a história de Plácido de Castro e da Revolução Acreana, um conflito com muitos facões, invasões, lodo, sangue e frases de efeito, tudo com um roteiro digno de novela, o que aliás foi.


Jovito Alonso Estudante, mineiro e atleticano. Faço de tudo um pouco, gosto de dormir, comer e o meu meio de transporte favorito é o podcast!