Como é bem conhecido, o chocolate é derivado de uma fruta chamada cacau. Mas como que essa fruta pode se transformar em um produto tão diferente? O caminho do cacaueiro até a barra é longo, então me acompanhe nesse processo para não perder nenhum detalhe, e certamente você se lembrará desta jornada ao comer seu próximo chocolate.

Por milênios, o chocolate foi consumido nas regiões do México e América Central como uma bebida revigorante, estimulante, afrodisíaca e até mesmo cerimonial. Existem evidências de que seu consumo remonta pelo menos 3.900 anos atrás nessa região.

A partir do século XVI, o chocolate passou a ser consumido também na Europa, após os espanhóis o terem levado como uma bebida exótica. Esta palavra que conhecemos hoje é a adaptação espanhola para a palavra xocolatl, como era chamado pelo povo náuatle, com os quais os espanhóis tiveram contato. Na língua náuatle, xocolatl era a combinação de xocolli (“amarga”) e atl (“água”).

Recipientes de cerâmica pertencentes à cultura Maia, datados entre os séculos VI e IX da Era Comum, da região da atual Guatemala. Na peça da esquerda, está representada a árvore de cacau (link para mais detalhes sobre esta peça), e na da direita, está representado um indivíduo, de posto nobre ou religioso, perante um recipiente de chocolate (link para mais detalhes sobre esta peça).

No milenar processo original, o cacau é fermentado por dias, seco, torrado, moído e aquecido. O resultado desta longa série de técnicas é o líquido oleoso e amargo que era chamado de “chocolate”. O seu consumo como um alimento sólido em forma de barra teve início somente a partir de 1847, quando o chocolate em barra foi inventado pela indústria J. S. Fry & Sons, na Inglaterra.

Vamos agora entender o processo atual de produção do chocolate que, como era de se esperar, se inicia com o cacau.

Ainda na fazenda, a polpa e as sementes dos cacaus são retiradas e submetidas a um processo biológico de fermentação, realizada por microrganismos do ambiente em contato com a polpa exposta. A fermentação dura até sete dias e é importante para a transformação de substâncias do cacau que vão determinar o sabor e aroma do chocolate e transformar a semente do cacau em amêndoa.

Na sequência, as amêndoas são secas ao sol por vários dias a fim de remover as umidades provenientes principalmente da fermentação, para então serem transportadas aos fabricantes.

Na indústria, as amêndoas são limpas, torradas e descascadas. A torrefação é outro processo crítico para o desenvolvimento do sabor e aroma do chocolate. As amêndoas torradas e descascadas recebem o nome de nibs, que são crocantes e muito amargos.

Os nibs são moídos e, como 46% a 57% da sua composição é gordura, o resultado dessa moagem é uma pasta grossa chamada massa de cacau, que ainda precisa passar por um processo de refino por uma série de rolos compressores com temperatura e espaçamento bem definidos.

O objetivo é reduzir o tamanho das partículas sólidas do cacau para aproximadamente 20 a 30 mícrons (lembrando que 1 mícron é 1 metro dividido por um milhão, ou seja, 1 milímetro dividido por mil). Se essas partículas sólidas ficarem maiores, o chocolate resultante terá uma sensação grossa e arenosa na boca, e se ficarem menores, o chocolate ficará pegajoso.

Amêndoas de cacau fermentadas, secas e torradas, antes de passarem pela moagem (fonte).

Parte dessa massa de cacau produzida passa por um processo de separação por prensagem. Obtém-se então duas partes distintas: a manteiga de cacau (que compõe a porção gordurosa da massa) e os sólidos de cacau.

Os sólidos do cacau retém as substâncias que conferem à massa de cacau e ao chocolate a cor e sabor característicos, bem como as substâncias responsáveis pelas suas propriedades estimulantes. A mais conhecida delas é a teobromina, alcaloide presente no cacau e no guaraná da mesma família da cafeína, porém mais amena em relação aos efeitos no sistema nervoso.

Então, os sólidos do cacau são moídos e assim se tornam o cacau em pó, com aplicações diversas na culinária (podendo ser adicionado açúcar para ser transformado no famoso “chocolate em pó”).

O fato de esses sólidos conterem boa parte das substâncias que dão as propriedades ao chocolate, mas não possuírem alto teor de gordura (que ficou na manteiga de cacau) explica por que o cacau em pó tem a cor e o sabor do chocolate, mas não a sua consistência.

Parte da manteiga de cacau extraída pode ser utilizada como matéria prima de produtos cosméticos (tais como protetores labiais e cremes hidratantes) e também pode ser a base para a fabricação de chocolate branco, feito com a manteiga de cacau, leite, açúcar e emulsificantes.

Devido ao fato de o chocolate branco ser feito com a manteiga de cacau, sem os sólidos do cacau, ele não tem a cor nem o sabor do chocolate tradicional, mas é similar em consistência, totalmente ao contrário do que foi dito em relação ao cacau em pó.

Separada parte da manteiga de cacau para essas utilizações citadas, a maior parte dela acaba voltando para o processo de fabricação do chocolate, sendo misturada à parte da massa de cacau que não foi prensada, contribuindo para a consistência do chocolate a ser produzido.

É comum que a massa de cacau, ao invés de receber manteiga de cacau, receba gordura vegetal hidrogenada, o que barateia o seu custo (eu expliquei o que é gordura vegetal hidrogenada, que também é base para as margarinas, neste texto aqui). Essa substituição deprecia a qualidade e o sabor do produto final, no entanto, a maioria dos chocolates em barra comercializados no Brasil pelas principais marcas e franquias possui algum teor de gordura hidrogenada em substituição parcial à manteiga de cacau.

Não é a toa que linhas de chocolates mais nobres (e mais caros), em que a manteiga de cacau não é substituída pela gordura hidrogenada, têm sabor e textura superiores. Bombons e trufas, em que o chocolate não é mais do que a casquinha, geralmente possuem teor de gordura hidrogenada ainda maiores, uma vez que o sabor desses produtos são definidos principalmente pelo recheio, com pouca contribuição da casquinha de chocolate para o paladar.

A mistura de massa de cacau com a manteiga de cacau e/ou gordura vegetal hidrogenada recebe ainda aditivos como açúcar e emulsificantes. Na maioria dos casos adiciona-se também leite em pó para a produção do chamado “chocolate ao leite”, um produto com uma textura mais macia.

O leite pode não ser adicionado para se obter uma textura mais firme e aspecto brilhoso, típico dos chocolates amargos. Já os populares “chocolates meio amargos” também recebem leite em pó em sua composição, porém em quantidade menor para se obter as características intermediárias.

Por fim, essa mistura de ingredientes passa pelos processos de conchagem e temperagem, que são extremamente importantes para atribuir ao chocolate final as suas características tais como aspecto visual, textura e ponto de fusão (a temperatura em que o chocolate vai derreter).

Fluxograma do processo de produção do chocolate em barra, desde o cacau colhido na fazenda, passando por cada etapa descrita no texto.

No próximo texto vamos detalhar um pouco mais estes processos finais e entender como que o arranjo molecular da gordura do cacau, que se cristaliza durante a temperagem, faz a experiência de comer um chocolate tão prazerosa!

 

Referências

Miodownik, Mark. De Que São Feitas as Coisas – 10 Materias que Constroem o Nosso Mundo. Tradução Marcelo Barbão. Editora Blucher, São Paulo, 2015.

Wolke, Robert L. O que Einstein disse a seu cozinheiro: A ciência na cozinha. Tradução Helena Londres. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2003.

Levy, Charlotte. An overview of the crystallinity of cocoa butter. New Food Magazine, 2016. Disponível em < https://www.newfoodmagazine.com/article/74041/an-overview-of-the-crystallinity-of-cocoa-butter/ >

Terry G. Powis, W. Jeffrey Hurst, María del Carmen Rodríguez, Ponciano Ortíz C., Michael Blake, David Cheetham, Michael D. Coe & John G. Hodgson. 2007. Oldest chocolate in the New World. Antiquity Project Gallery 81(314): https://www.antiquity.ac.uk/projgall/powis314/

O’Neill, Megan E. Chocolate, Food of the Gods, in Maya Art. Disponível em < https://unframed.lacma.org/2016/10/27/chocolate-food-gods-maya-art >

Porro, Antonio. Cacau e chocolate: dos hieroglifos maias à cozinha ocidental. Anais do Museu Paulista São Paulo. N. Sér. v.5. p. 279-28-1 – jan/dez 1997. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v5n1/10.pdf >

Wikipédia – Chocolate < https://pt.wikipedia.org/wiki/Chocolate >

Wikipédia – Grão de cacau < https://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A3o_de_cacau >

Wikipedia – Cocoa solids < https://en.wikipedia.org/wiki/Cocoa_solids >