Depois de um longo hiato sem publicar um texto aqui no Deviante, finalmente encontrei a inspiração necessária para escrever algo que está cada vez fazendo mais sentido em nossas vidas. E essa inspiração de observar meus filhos brincando. Uma menina de 11 e um menino de 5 anos criando seu próprio mundo: uma cidade onde tudo é possível e o único limitante é o alcance da imaginação. Então resolvi me juntar a eles, entrar na onda, e criamos uma história incrível. Mais tarde, já entre meus pensamentos, cheguei à conclusão do quanto daquilo tudo era possível e então quero dividir um pouco da minha viagem mental.

Imagine uma cidade onde os carros são todos autônomos e se comunicam entre si através de uma rede, disponibilizando, em tempo real, a velocidade, a localização, se a documentação está em dia, se existe algum alerta de roubo ou sequestro em curso. Uma cidade onde os semáforos também fazem parte dessa rede, todos conectados transitando informações a respeito do que acontece em cada ponto, coletando informações desses carros para gerenciar o tempo de abertura e fechamento das vias com o fluxo de veículos que estão transitando.

Nesta cidade, também temos os transportes públicos igualmente conectados: a que horas aquela linha de ônibus vai chegar na estação de metrô, onde a grande maioria dos usuários desce para fazer uma viagem. A próxima composição chega nesta mesma estação, no exato momento em que o fluxo de pessoas aumenta, mandando informações sobre a demanda de passageiros para a central e também para as outras composições de forma que seja feito o melhor gerenciamento e controle dos tempos entre um trem e outro.

Os prédios e as casas da cidade também fazem parte dessa rede conectada, podendo trocar informações, por exemplo, de quanta energia elétrica está sendo utilizada naquele momento ou se existe um risco de sobrecarga ou falha na rede elétrica, acionando, automaticamente, a central para um reparo específico. Sensores espalhados pelos cômodos e eletrodomésticos indicando o momento de repor um alimento e a geladeira totalmente conectada com sistemas de e-commerce, no qual o pedido é feito no momento certo para que não falte comida e não haja excesso de estoque de perecíveis em casa.

Câmeras de vigilância para observar o movimento da cidade, com conexão direta aos carros de polícia, bombeiros ou ambulâncias, podendo avisar as viaturas mais próximas, em caso de uma ocorrência que está acontecendo naquele exato momento.

A indústria do cinema já retratou muitas dessas coisas em filmes. Nas décadas de 80 e 90, era bastante comum usar os anos 2000, o novo milênio, como o futuro onde o mundo estaria totalmente diferente. Muitos destes filmes apresentando um cenário totalmente perfeito ou ainda algo pós-apocalíptico, em que tudo é mostrado como um universo CyberPunk. Apesar de tudo isso parecer ficção, estamos bem próximos à essa realidade e essa cidade que acabamos de imaginar é uma pequena amostra de como a chamada Indústria 4.0, ou A Quarta Revolução Industrial, mudará a forma como vivemos.

Mas afinal, o que é Indústria 4.0?

Resumidamente, Indústria 4.0 é um conceito de indústria que engloba as principais inovações tecnológicas dos campos da automação, controle e tecnologia da informação, que são aplicados aos processos de manufatura. A partir de sistemas de gerenciamento de máquinas e robôs, internet das coisas e internet dos serviços, os processos de produção tendem a se tornar cada vez mais eficientes, autônomos e customizáveis. 

Esse termo foi utilizado, pela primeira vez, na Feira de Hannover, em 2011. Em Outubro do ano seguinte, o time responsável pelo projeto, ministrado por Siegfried Dais, da Bosch, e Kagermann, da Acatech, apresentou para o governo alemão um relatório que trazia recomendações do que era necessário para planejar sua implantação. Na mesma feira, em 2013, foi publicado um trabalho final sobre o desenvolvimento da Indústria 4.0 em que seu fundamento básico implica que, ao conectar máquinas, sistemas e ativos, as empresas podem criar redes inteligentes ao logo de toda cadeia de valor podendo controlar os módulos da produção de forma autônoma.

Dessa forma, as fábricas inteligentes possuem a capacidade e autonomia para agendar manutenções, prever falhas nos processos, calcular o volume de peças que devem ser produzidas em um determinado dia, cadenciar o ritmo de uma linha de produção, ou mesmo de uma fábrica inteira, se adaptar à demanda de vendas ou aos requisitos de mudanças não planejados na produção, ou ainda, determinar automaticamente o caminho crítico, identificando os gargalhos dos processos, remanejando recursos para toda a cadeia a fim de maximizar seu uso.

Vale muito a pena ler o livro A Meta, do autor Eliyahu M. Goldratt, em que ele aborda, de uma maneira bastante aplicada e detalhada, os conceitos da Teoria das Restrições, e essa teoria merece um texto específico devido à sua relevância e peculiaridade.

Assim como em muitas áreas do conhecimento, a indústria também passou por várias mudanças ao longo da história e, para nos localizarmos na linha do tempo, vamos relembrar:

1ª Revolução Industrial, de 1760 a 1840. Teve início na Inglaterra, porém se espalhou rapidamente para toda a Europa e chegou à América, mais precisamente aos Estados Unidos. Esta revolução inclui a transição de formas de produção manuais e artesanais para a produção através de máquinas. Foi nesse período que foram inventadas a máquina de fiar, o tear mecânico e o aprimoramento da máquina a vapor.

2ª Revolução Industrial, de 1850 a 1950. O mundo todo passou a comprar, consumir e utilizar produtos industrializados fabricados na Inglaterra, França, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Bélgica e Japão. Novas fontes de energia: o petróleo no motor a combustão, a água nas hidrelétricas e o urânio nas usinas nucleares, revolucionaram ainda mais a produção industrial. Neste período aprimoraram-se os processos de fabricação do aço, dando a ele novos usos como em pontes, edifícios, ferramentas, etc. Invenção da lâmpada incandescente, automóvel, avião. Avanço na indústria química, uso de derivados de petróleo. Invenção dos antibióticos, vacinas e novas técnicas de cirurgia.

3ª Revolução Industrial, de 1950 aos dias atuais. Após a Segunda Guerra Mundial, a eletrônica aparece como verdadeira modernização da indústria, possibilitando que esse período também seja conhecido como Revolução Informacional. Esse período ganhou bastante destaque a partir dos avanços tecnológicos na indústria, como o uso da energia nuclear, o descobrimento da robótica e a ampliação do uso dos computadores pessoais. Mas também há um grande destaque no progresso da agricultura, na pecuária, no comércio e na prestação de serviços, com o uso de novas técnicas de maximização da produtividade.

Segundo a Lei de Moore, a capacidade de hardware e de processamento da informação dobra a cada 18 meses. Isso vem se mostrando realidade desde a década de 1960. Atualmente, um celular, que cabe em nosso bolso, tem muito mais capacidade de processamento do que o primeiro computador pessoal, o Eniac, que ocupava uma sala inteira. Esse avanço de capacidade proporcionou a miniaturização dos dispositivos e também a capacidade de implantar sensores em muitos lugares jamais imaginados. Esses sensores são responsáveis por transmitir as informações daquele nosso mundo fictício imaginado no começo do texto.

Existem alguns princípios que fazem parte do desenvolvimento e implantação da Indústria 4.0. Esses princípios definem os sistemas de produção que vem surgindo e que tendem a ser ampliados nos próximos anos. Alguns deles:

Capacidade de operação em tempo real: consiste na aquisição e tratamento de dados de forma praticamente instantânea. Isso possibilita a análise desses dados, transformando-os em informações relevantes, o que permite a tomada de decisão em tempo real;

Virtualização: simulações já são bastante utilizadas atualmente, porém a Indústria 4.0 propõe a existência de uma cópia virtual das fábricas inteligentes, permitindo que simulações sejam feitas e cenários sejam criados antes de se decidir investir na mudança de um processo ou no aumento da capacidade de produção. A virtualização também permite a rastreabilidade e monitoramento de todos os processos, de maneira remota, por meio dos inúmeros sensores espalhados em uma linha de produção;

Descentralização: a tomada de decisão pode ser realizada, através de sistemas de acordo com a necessidade da produção em tempo real. O departamento de Planejamento de Produção, trabalhando com as informações coletadas, pode alterar o planejamento a qualquer momento. Da mesma forma, as máquinas podem, com base nas informações e sistemas de inteligência artificial, tomar decisões fazendo com que os módulos de produção inteligentes possam trabalhar de forma descentralizadas a fim de aprimorar todo o processo;

Modularidade: produção realizada de acordo com a demanda, acoplamento e desacoplamento de módulos de produção para ampliar ou reduzir a sua capacidade, trazendo flexibilidade e se adequando à realidade do momento.

Tais princípios já vem sendo discutidos à muito tempo em modelos de Gestão da Produção ou de Melhoria Contínua. Porém, o avanço da tecnologia permite que esses princípios sejam potencializados e levados ao seu máximo uso. Máquinas conectadas, informações sendo transmitidas para todos os sistemas, machine learning, inteligência artificial e facilidade na tomada de decisão são fatores que modificam muito a maneira como a indústria funcionava e ainda funciona em muitos lugares. 

Para que a Indústria 4.0 funcione dessa maneira é importante que esteja sustentada em 3 pilares:

  1. Internet das Coisas (IoT): consiste na conexão, em rede, de objetos físicos, ambientes, veículos, máquinas, etc., por meio de dispositivos eletrônicos embarcados para que seja possível a coleta e troca dos dados. Os sistemas que funcional com base em IoT são dotados de sensores e atuadores e são a base da Indústria 4.0.
  2. Big Data Analytics: são estruturas de dados muito extensas e complexas que utilizam novas abordagens para a captura e gerenciamento das informações. Se quiser saber mais a respeito, procure no Portal Deviante um texto meu sobre Big Data.
  3. Segurança: um dos principais desafios para o sucesso da quarta revolução industrial está na robustez dos sistemas de informação. Problemas como falhas de transmissão na comunicação entre os dispositivos podem causar uma série de transtornos.

Um dos grandes impactos causados pela Industria 4.0 é a mudança que afeta todo o mercado. A criação de novos modelos de negócio, nos quais a produção em uma indústria, está diretamente conectada à demanda de vendas capturada pelo time em campo. Também é possível analisar dados de consumidores, avaliando suas necessidades para que uma customização possa ser considerada em um produto, gerando o menor impacto possível no processo produtivo. A interação entre o processo fabril e o consumidor acaba se estreitando, fazendo com que esse consumidor esteja cada vez mais envolvido com o produto que ele está consumindo.

É importante dizer que a quarta revolução industrial só chegou por conta de pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias que avançaram fortemente nas últimas décadas e, para que os conceitos da Indústria 4.0 sejam definitivamente implementados, é necessário que essas pesquisas continuem e avancem para tornar viável a adaptação que as empresas necessitam para atender o seu público.

Mais importante ainda é não esquecer que os profissionais também precisarão se adaptar. Em um mundo cada vez mais automatizado, novas demandas surgirão e outras deixarão de existir, exigindo desses profissionais que estejam em constante mudança e preparados para essa nova revolução. Um novo modelo econômico também surgirá e o mundo precisará se adaptar a essa nova realidade

E você, está preparado?