Sou um apaixonado por educação. Melhor dizendo, um apaixonado por aprender.

E, ao contrário do senso comum, parei no superior. Não tenho mestrados e doutorados, não sou pesquisador ou divulgador, nada. Só quero aprender mesmo.

Mas admiro demais quem consegue desenvolver essa habilidade de passar seu próprio aprendizado pra frente, caso de todo mundo que escreve aqui e do SciCast. 

Resolvi então tentar – e aprender com os melhores – a compartilhar o que aprendi nestas quase 5 décadas de vida.

Isso mesmo! Este é meu primeiro artigo aqui no Deviante, peguem leve, certo?

Minha formação é em design e nunca me imaginei fazendo outra coisa. Um designer na essência é um resolvedor de problemas. Escutamos, definimos o problema, escutamos de novo, aí entendemos de verdade o problema, pesquisamos alguns caminhos e propomos uma solução. Normalmente errada.

Mas é disso que se trata o design: testar, errar e melhorar as nossas interações com o mundo. E como o mundo tá bem doido, é bem difícil desenhar uma solução que dure pra sempre.

Foi por isso que me apaixonei por aprender. Quanto mais caminhos eu tiver e quanto mais diversos eles forem, menos errado eu vou estar na escolha de uma solução de design.

E, sem romantismo, o erro talvez seja o meio mais rápido de aprendizado. Sabe de um lugar onde a gente aprende demais errando? Games!

Gamificação?

Quando você começa um game, digital principalmente, você dificilmente tem todas as informações sobre o caminho. O que você faz é simplesmente começar, buscando solucionar alguma coisa (desarmar a bomba ou salvar a princesa).

Se cair num buraco que não podia, o game te avisa com um barulhinho e uma vida perdida. E você tenta de novo, sabendo que vai ter que pular o buraco agora.

Planejar o erro é o meio mais rápido que os game designers têm de ensinar algo.

Além de designer eu também sou gamer. E consegui juntar estas duas, digamos, habilidades, quando descobri a gamificação.

Se você procurar agora no Google, vai ver que gamificação é utilizar as dinâmicas e mecânicas dos jogos para estimular o aprendizado e resolver problemas em contextos de não-jogo. Ou algo parecido.

Mas o conceito está bem longe de ser novo. Em 1890 já existiam álbuns de figurinha que davam prêmios quando completos. Nos anos 80 a American Airlines inventou o programa de milhagem que funciona até hoje.

A novidade sobre gamificação é que pipocaram diversos estudos sobre jogos a partir dos anos 80. Estudos sobre como entender e aproveitar o poder de engajamento que os jogos exercem nas pessoas

A forma de se utilizar a gamificação na educação começou a ficar mais estruturada. E com algum método, é possível medirmos os resultados no aumento da participação de públicos diversos, sejam eles consumidores, funcionários ou estudantes.

Como aplicar nas escolas?

Professores são profissionais que ganham mal, têm poucos recursos externos para fazer o seu trabalho direito e mesmo assim fazem malabarismos para segurar a atenção dos alunos.

É muita paixão, vocação e criatividade para manter o interesse da molecada que está num mundo onde o que não falta é distração. Qualquer ferramenta que ajude a engajar seus alunos e facilite seus aprendizados soa como música aos educadores mais preocupados.

É onde eu acho que a gamificação pode ajudar. Não como um joguinho pra reforçar um exercício, isto é muito pontual. Imagino algo bem mais profundo e diferente – ou “disruptivo” pra ficar na moda.

Uma boa iniciativa foi a Quest to Learn em Nova York, ousada até mesmo para o padrão americano.

Lá não existem disciplinas tradicionais, existem 5 grandes grupos de conhecimentos que são explorados por estudantes através de jogos e missões dadas pelos professores. São os alunos que vão decidir o que e quando estudar.

Matérias como bem-estar (voltada à saúde física e mental), como as coisas funcionam (ciências e matemática), esportes para a mente (estudantes criam seus jogos nesta matéria), códigos (juntando lógica com artes) e espaços e lugares (estudantes produzem textos e histórias em quadrinhos para contar sobre o mundo em que vivem).

O aprendizado é estimulado nos alunos quase que na totalidade em produzir, fazer e errar.

E aí, ao final de cada ciclo, os alunos passam pela fase do chefe de duas semanas quando precisam colocar à prova tudo o que aprenderam e convencer uma banca de educadores que merecem passar de fase.

Importante dizer que não existem séries. Cada estudante tem seu nível (como em um game) e vai evoluindo junto com todo mundo.

O custo por estudante chega a ser 30% mais alto do que o normal, mas os resultados da escola estão acima da média em qualquer teste quando comparados aos das escolas tradicionais de lá.

E continuam crescendo… acho que vale a pena, não?

Aqui no Brasil existem algumas iniciativas, mas são isoladas e, ainda por cima, algumas sofrem preconceito.

Rodrigo Ayres, o Barão do Pirapora, leciona História e Geografia em Sorocaba (SP) e já há muitos anos entende que os jogos podem cativar seus alunos.

Depois de diversos prêmios do mercado pela inovação em educação, ele ainda sentiu dificuldade nas renovações de contrato pelas instituições.

Ainda existe uma resistência das escolas sobre o tema. A maioria sempre viu esse tipo de entretenimento como um dos principais elementos de alienação. “Temos que ter essa sensibilidade para perceber que a tecnologia em sala de aula pode sim ser usada para atingirmos nossos objetivos pedagógicos e muito mais além, formar uma identidade cultural.”, é o que diz Rodrigo Ayres.

Mas a tendência é cada vez mais realidade e as iniciativas seguem cada vez com mais apoio.

Marili Bassini é um exemplo recente disso. Ela leciona história em Americana, interior de São Paulo, e utiliza o Assassins Creed (e diversas outras franquias com fundo histórico) para estimular estudantes a pesquisarem mais e imaginarem como seria estar naquela época. Vi de perto sua iniciativa e foi incrível ver a empolgação dos alunos.

O modo como aprendemos não pode mais ser diferente do mundo em que vivemos.Isto não é mais possível. Não dá pra manter o modelo de um detentor mor do conhecimento cuspindo sabedoria para um bando de cabeças vazias, não posso acreditar que isso funciona ainda.

Gosto de uma citação de William Butler, poeta irlandês: “Educação não é encher um balde, é começar um incêndio”. Aprender não é ficar preenchendo gavetas até ter o suficiente para passar de ano. É mais sobre achar gravetos, brincar com fósforos, correr riscos e ver o que pega fogo.

No sentido figurado, por favor.

REFERÊNCIAS:

http://q2l.org/

https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2013/12/uma-escola-feita-so-de-recreio.html

https://dropsdejogos.uai.com.br/noticias/com-games-e-animacoes-o-barao-do-pirapora-ensina-historia-e-cultura-aos-alunos/

https://porvir.org/professora-desenvolve-projeto-usa-games-para-estudar-historia/


Marcel Leal é designer, criativo, pai do Rafael e da Luiza. Não existem coisas chatas, a gente só não descobriu o que elas tem de legal ainda.