Tempos atrás, tive uma conversa muito produtiva com alguns companheiros aqui do Portal no nosso grupo secreto de WhatsApp sobre futurologia, cool hunting, e coisas deste tipo. A conversa começou porque comentei meu interesse cada vez maior por temas nesta linha, tentando antecipar tendências profissionais, rupturas sociais, etc. Apesar de já ter sido comparado àquele velhinho que sobe no caixote e grita que o fim está próximo por uma de minhas alunas, eu explico que faço isso porque sou pai de duas crianças pequenas que vão encarar, como adultos, daqui a 20-25 anos um mundo diferente. Além disso, como professor universitário, tenho o dever de tentar transformar jovens que optam pelo ensino superior em excelentes profissionais. E formação profissional exige não só conhecimentos técnicos precisos como habilidades sociais refinadas, uma vez que não vivemos isolados. Assim, nada mais natural do que eu ocupar uma boa parte do meu tempo pensando neste tipo de coisa. Eu bem poderia pegar minhas constatações, virar consultor e ganhar milhões, mas como sou bonzinho, vou compartilhar com os meus três leitores assíduos as conclusões a que cheguei.

Confesso que meus últimos quatro anos, portanto, desde que meu filho mais velho nasceu, têm sido, apesar de muito interessantes por diversos aspectos, um verdadeiro inferno cognitivo. Eu sou um hiperativo mental, meu cérebro pensa sobre tudo o tempo todo, faço conexões entre as coisas mais díspares possíveis e imagináveis. Eu sonho com a resolução de problemas e tenho vários insights lavando louça. Mas, acredite, é possível conviver comigo ainda assim. Sou gente boa.

Boa parte disso se explica porque sou, desde que me alfabetizei, um leitor voraz, e, ultimamente, por falta de mais tempo para sentar com um bom livro, um ouvinte compulsivo de podcasts, tanto brasileiros quanto estrangeiros. Assim, como eu coleto um monte de informações de várias fontes possíveis, eu tenho uma pletora de coisas sempre na cabeça para processar e sedimentar. E, das coisas que tenho muito ouvido falar e lido a respeito, duas se destacam: por um lado, mudanças sociais relevantes em diversos países (crises humanitárias, governantes extremistas, migrações, atentados, etc.); por outro lado, ascensão exponencial de Inteligência Artificial, automação e tecnologias disruptivas. É óbvio e fácil constatar que uma coisa está ligada à outra e a segunda nitidamente alimenta a primeira. Portanto, por ter responsabilidade com a formação de outros seres humanos, tanto por dever pessoal quanto profissional, eu sinto um dever ético de tentar entender os processos subjacentes aos padrões percebidos, com o intuito de tentar antecipar grandes movimentos sociais. Para que isto? perguntariam alguns. Primariamente, por mero exercício de curiosidade e secundariamente, para ter a capacidade de ou tirar proveito das vantagens oferecidas ou proteger-me de danos potenciais.

Sem querer soar arrogante, fazer isso é relativamente fácil para mim, porque não é nada de muito diferentes do que tenho feito já há tantos anos como pesquisador na área de ecologia e evolução vegetal. Estes campos da biologia fazem parte do escopo do que se chama Sistemas Complexos. Neste tipo de sistema não é possível se conhecer o comportamento da massa a partir do comportamento dos indivíduos isolados, dada a intrincada cadeia de interações entre os elementos agentes. É o popular “não é possível prever o comportamento de uma floresta analisando-se as árvores isoladamente”. Ecossistemas biológicos são complexos, assim como o são a economia, os mercados financeiros, a culinária e a sociedade em que vivemos. Nada mais do que variações do mesmo tema sem sair do tom. Não por acaso, meu interesse em todos estes assuntos, já que os métodos de análise são parecidos e o divertimento é garantido. Tem funcionado como uma terapia de alívio de estresse e uma ocupação mental útil para o meu conhecimento, dado o cenário sombrio que se avizinha para a pesquisa acadêmica no Brasil.

Após a troca de mensagem no zap, como tinha uma pia gigantesca de louça para lavar, acabei tendo uma DR pesada com meus pensamentos sobre o tema de futurologia, da qual extraí vários insights e previsões que achei que valeriam a pena colocar no papel. Por isso resolvi escrever, nesta peça de ficção, tal qual um Van Gogh psicótico pintando no hospício, todas as conclusões a que cheguei sobre como acho que o futuro será. Sem juízo de valor, sem preconceitos, sem nem sequer querer acertar nada. Só exercício de livre pensamento (e antes que alguém pergunte: não, eu não uso nem uma substância psicotrópica, estou sóbrio desde 2010 quando comecei a trabalhar das 8h às 18h batendo cartão!)

Segue abaixo a minha lista com 12 previsões futurológicas para os próximos 20 anos (me cobrem se eu errar alguma coisa):

1)  Renda básica universal (RBU ou UBI, em inglês) será uma discussão cada vez mais pervasiva na sociedade (no Medium em inglês já está cheio de artigos falando sobre isso), principalmente naquelas de economia mais madura, devido ao fato da automação cada vez mais substituir os empregos humanos. Como a tendência é que a economia automatizada seja cada vez mais produtiva, a oferta aumentará muito e os preços tenderão a cair, fazendo com que uma renda média mensal de $500-600 dólares (ou euros ou estalecas ou criptomoedas) permita a compra dos itens básicos de sobrevivência (comida, energia, água, etc.). O resto da grana a ser gasta em supérfluos poderá ser adquirida fazendo-se freelas ou gigs. A grande discussão, nas Internets gringas principalmente, é que a RBU poderia ser uma forma de se remunerar pessoas que trabalham voluntariamente, fazem serviços domésticos, etc., o que hoje não é visto como trabalho (quem já encarou uma pia de louça, um banheiro sujo, um tanque de roupa, etc. sabe que dá trabalho para baralho e no dia seguinte tem tudo de novo!)

2) Sociedade do lazer e do prazer. Cada vez mais o entretenimento será um filão de mercado rentável e em franca expansão. Com a RBU, trabalhos temporários, cada vez menos filhos nas famílias, o tempo deverá ser ocupado com coisas que distraiam a mente, espantem o tédio, deem sensações de fuga, de catarse, etc. (já está acontecendo hoje. Quem nunca morgou por horas assistindo maratonas de série? Ou escutando podcasts?)

3) Nesta mesma pegada hedonista, os relacionamentos tendem a ser cada vez mais voláteis (Zygmunt Bauman e sua obsessão por liquidez tinha razão!), uma vez que o custo de oportunidade de se estar com alguém hoje e amanhã se separar tende a ser muito baixo. O sexo será cada vez mais livre, as pessoas experimentarão cada vez mais coisas vistas como tabu a não tanto tempo atrás, principalmente mulheres, cada vez mais libertas das culpas incutidas sobre a sexualidade feminina em eras passadas. Fato que tenho notado, principalmente dando aula para millenials universitários: aceitação cada vez maior da homossexualidade (ainda bem que este dia chegou!) e da experimentação sem preconceitos, principalmente elas (meninas heterossexuais que ficam com as amigas por pura curiosidade). Somando o baixo custo de oportunidade dos relacionamentos a grande liberdade sexual e uma preocupação (justa, diga-se de passagem) maior com assédio sexual, prevejo um aumento no mercado de sexo pago, de modo que isto se torne algo banal como qualquer outra prestação de serviço, tipo pedir uma pizza pelo iFoods ou um livro na Amazon.

4) Os criadores de conteúdo serão financiados através de vaquinhas e assinaturas de conteúdo (mecenato). Assim como na Renascença, o mecenato está voltando e a tendência é explodir (em uma bolha talvez!), uma vez que tudo na Internet tem que ser de graça, mas precisa ser financiado de alguma forma. A solução, então, passa, realmente, por doações voluntárias de valores baixos (vide nosso amado Portal!). Talvez, como eu disse, a bolha exploda e as coisas se acomodem, assim como ocorreu com o estouro da Bolha dot com no começo do século, pois não há espaço no bolso dos cidadãos para financiar tanto conteudista, alguns beeeem fraquinhos. Acredito que a ciência no longo prazo vá para o mesmo caminho, vide os movimentos de citizen science e os cortes nos orçamentos governamentais ao redor do mundo.

5) Os podcasts sairão do nicho de vez, tornado-se uma das mais importantes ferramentas de aprendizado e informação. Na verdade, o movimento já começou com as atitudes recentes da Google em relação a esta mídia. A grande sacada do formato áudio, assim como era o rádio de outrora, é que ele permite a realização de tarefas mecânicas simultâneas, como varrer um pátio, dirigir, andar de ônibus, lavar uma louça, ficar embalando a filha insone no colo altas horas da madrugada, enfim, coisas que demandam esforço físico intenso, contudo concentração limitada. A leitura, por outro lado, exige horas e horas de dedicação exclusiva e o aprendizado através desta atividade muitas vezes requer outras horas e horas de reflexão e anotações para consolidar o conteúdo. Uma vídeo-aula idem: você precisa estar com seu foco visual totalmente direcionado para a tela, uma vez que a imagem é o diferencial ali. Experimente carpir um lote assistindo a uma aula de cálculo diferencial no YouTube. Na melhor das hipóteses, você vai chegar ao final do terreno com um monte de capim ainda alto. Na pior, você irá meter a enxada no pé e tirar uma tampa do dedão, isso se não infeccionar na sequência. Já com um podcast, basta simplesmente ouvir e pensar sobre o conteúdo. Por que as duas coisas são diferentes? Porque a audição precede a leitura, isto é, ouvimos a mais tempo do que lemos. Assim, um podcast mimetiza aquela roda de conversa ao redor da fogueira onde os anciãos da tribo transmitiam aos jovens seu conhecimento. A diferença é somente a escala em que isso acontece. Outra vantagem é que ao juntarmos uma tarefa mecânica com a realização de uma tarefa intelectual em segundo plano, estamos utilizando duas partes do cérebro em conjunto, o que aumenta o foco e melhora o aprendizado.

6) Junte numa equação podcasts, streaming de vídeo e financiamento coletivo e teremos um ensino universitário como o conhecemos indo para o espaço (não literalmente com os foguetes do Elon, mas figurativamente, tipo para a casa do chapéu mesmo!). Primeiro acontecerá em países onde o ensino superior não é gratuito (Canadá e USA, só para citar os mais conhecidos) e depois acredito que se espalhará pelo resto do mundo. Os cursos mais atingidos serão os de extrema humanas, uma vez que os débitos estudantis estão beirando trilhões nos USA, principalmente por conta do pessoal que sai com um canudo de liberal arts debaixo do braço, uma dívida gigante e não consegue arrumar emprego para pagar o financiamento. Acrescente na equação o fato de que, por exemplo, os vídeos das aulas de pessoas como Jordan Peterson têm atingido muito mais audiência do que o número de estudantes em toda a Universidade de Toronto, onde ele é docente. Cereja do bolo, o Patreon dele dá em torno de U$ 80k por MÊS! Além disso, Harvard, MIT, Stanford, etc. já têm milhares de horas de aulas disponíveis de graça no You Tube. Isto cria uma situação em que a universidade acaba servindo, em termos práticos, como um fornecedor de certificação profissional, uma fábrica de diplomas (diploma mill), para usar uma gíria norte-americana. Afinal, o conhecimento está todo disponível em mídias de massa, só não há diploma no final. O carrasco que puxará a alavanca do cadafalso universitário será aquela criatura visionária que bolar um sistema de certificação online autenticado por tecnologia de blockchain ou algo que o valha. Quando isto acontecer, voilà, a universidade física só servirá para formar profissionais naqueles cursos onde a perícia e experiência prática contam muito (engenheiros, médicos, etc.)

7) Abundância de alimentos com custo decrescente devido a uma melhoria cada vez maior das técnicas de cultivo, aumento da produtividade, etc. Tendências em alta que eu vejo são valorização da produção local (devido aos custos ecológicos do transporte em longas distâncias), bem estar animal como condição sine qua non (BRF já está implementando isso em larga escala). E não, o mundo não vai deixar de comer carne, embora haja tendência a um aumento de vegetarianos e veganos até atingir um patamar de 30-40% da população. Outra tendência nesta mesma pegada é uma valorização crescente de áreas verdes, preocupação com meio ambiente, sustentabilidade, etc. (o que já está em voga hoje vai aumentar exponencialmente na próxima década).

8) Valorização do indivíduo e enfraquecimento do poder estatal. Cada vez menos as pessoas aceitam um governo central se metendo na suas vidas. Isso já está acontecendo e só vai aumentar. O liberalismo clássico irá triunfar pelo fato de que as pessoas estão tendo os meios de se comunicarem, se relacionarem, fazerem comércio, fecharem acordos, etc., de maneira peer to peer, face a face, sem intermediários. A maior parte dos serviços em que o Estado mete a sua mão peluda com força (transporte, Telecom, finanças, etc.) tende a ser resolvida com soluções tipo Uber, AirBnB, PicPay, redes sociais, etc. A utopia anarquista é impossível por definição, o ser humano é atavicamente apegado a hierarquias e a líderes, por isso o Estado vai se perpetuar, ainda que cumprindo o seu papel de mediador de conflitos e garantidor das leis e da ordem social.

9) Coaching, auto-ajuda, retiros espirituais, etc. explodindo e forrando os bolsos de quem for para este caminho. Um dos grandes desafios do futuro será o ser humano lidar com a angústia do Paradoxo da Escolha e com o tédio gigante de uma vida confortável com poucos desafios. Um das grandes ironias que o pós-humanismo nos trará é a re-aproximação dos humanos com eles mesmos. Os problemas externos nos distraem de termos de nos conhecer profundamente. Com a tecnologia e os avanços da ciência sanando estes desafios exteriores, sobrará enfrentarmos os problemas interiores. Este é o maior desafio que qualquer pessoa tem que enfrentar: se olhar no espelho de maneira honesta e se reconhecer sinceramente, com todos os defeitos e virtudes. Muita gente não suporta esta verdade. Não à toa, os números de abuso de entorpecentes e os índices de suicídio têm aumentando e a tendência é escalar ainda mais, atingindo níveis epidêmicos. O século XXI será uma era de resgate do ser humano, uma era de consolidação das relações humanas mais puras e primitivas. Empresas bem-sucedidas serão aquelas que conseguirem motivar e valorizar suas equipes humanas cada vez menores, mas com os mesmos sentimentos primitivos inerentes aos Homo sapiens e Mulheres sapiens (too soon?). Gestão de emoções será o desafio supremo dos RHs do futuro, já que isto continuará sendo a única coisa que as máquinas jamais dominarão.

10) Mundo digital, cada vez mais conectado e sem privacidade. Isso só vai piorar, uma vez que a tecnologia tende a se tornar cada vez mais intuitiva e fácil de usar, gerando aquele conforto de que não se precisa entender o funcionamento por trás do dispositivo. Isso abre brechas para todo tipo de ataque e violação de segurança e privacidade. Preocupante mesmo será o dia que os futuros ciborgues (sim, eles estarão entre nós mais cedo do que pensamos!) terão componentes essenciais do corpo conectados em rede e estas forem acessadas por pessoas mal-intencionadas.

11) Mulheres no comando, principalmente no Ocidente. Os motivos são mais do que óbvios: maior número, maior maturidade emocional em idades precoces, maiores níveis de escolaridade e longevidade. Lembro que a esta conclusão eu cheguei na segunda série do primário por mera junção de duas premissas lógicas que eu ouvia todos os dias: 1)“estude por que isso será o futuro” e 2) “as meninas são mais estudiosas e caprichosas nas tarefas escolares que o meninos”. A única conclusão possível, dados estes fatos, é que as mulheres se sairão melhores do que os homens em uma gama muito maior de atividades. E várias estimativas já estão apontando que este fenômeno já está acontecendo e que isso tende a aumentar. E sim, eu tinha oito anos e isto não é fanfic: eu estava lá, eu era a criança e foi lindo!

12) População em declínio e Previdência social insustentável nos moldes atuais. Menos nascimentos e maior longevidade fazem com que não haja, por um lado, quase ninguém para financiar o sistema, e, por outro lado, exista uma grande parcela para gastar as reservas (segunda lei da termodinâmica). Não é ideologia, é matemática! Cada um vai ter que ser responsável pelas suas reservas e investimentos. Com isso, os mercados financeiros tendem a crescer (e as bolhas especulativas também).

O fim está próximo! Ou não! (fonte)

Feitas as previsões gerais, segue um manual prático sobre os setores que se darão bem no futuro, nos quais valerá a pena investir:

1) Celulose (embalagens de papelão, pois comércio on line ainda precisa de caixas para entregar as encomendas)

2) Silvicultura (sustentabilidade da produção de madeira e de celulose)

3) Engenharia genética (motivos óbvios!)

4) Mercado de Cannabis (vai legalizar no mundo, não tem volta! O maconheiro de hoje é o cara rico de amanhã e eu continuo sóbrio e pobre!)

5) Transportes (alguém tem que entregar as coisas, seja pagando motorista ou com caminhão autônomo)

6) Energia elétrica, principalmente fontes renováveis (solar, eólica, biomassa) e materiais condutores (setor de mineração de cobre, por exemplo). O mercado de petróleo não vai morrer porque temos toda uma indústria petroquímica independente dos combustíveis de explosão, mas vai diminuir bastante.

7) Pagamentos digitais, blockchain, segurança de informação (motivos óbvios!)

8) Lítio, cobalto e minerais correlatos (baterias, baterias, everywhere, everytime. O Guaxa está certo!)

Tudo isso vai acontecer exatamente como eu previ. Ou não! Existe uma chance, ainda que pequena, de tudo isso dar errado e daqui a trinta anos estarmos todos montados em iguanas gigantes radioativos trajando sungas de pelo de texugo e disputando a tapa uma garrafa de água. Porque, vocês sabem, chutorologia não é uma ciência exata, afinal.

Até a próxima!