Há algum tempo, uma notícia gerou uma série de desdobramentos em praticamente todas as mídias, digitais e impressas: a demissão de 60 mil trabalhadores da Foxxconn e sua substituição por robôs. O tom de todas as notícias, artigos e comentários foi um só: seu emprego está ameaçado. Robôs tomarão o controle de praticamente tudo o que a humanidade faz hoje. E todos foram unânimes em dizer que a linha de raciocínio do “Ah, está de boa, meu trabalho é pensar” não imunizava ninguém. Não só empregos braçais, aqueles envolvendo força física e tarefas repetitivas, seriam substituídos. Já ouviram falar em inteligência artificial? Pois é, robôs estão aprendendo a pensar e, em muitos casos, podem fazer isso melhor do que humanos, pois eles têm acesso a bancos de dados enormes em poucos segundos e podem fazer conexões em velocidade recorde, coisa que um simples cérebro moldado para resolver problemas do paleolítico leva horas ou mesmo dias para conseguir.

Então, quer dizer que estamos caminhando para um futuro distópico onde as máquinas dominarão o mundo e a horda de miseráveis desempregados lutará para comer as migalhas que os barões da indústria da robótica deixam cair do alto de seus castelos protegidos por forte segurança armada (ED 209 style, claro)?

Vocês já repararam que todo artigo que começa com uma pergunta para chamar sua atenção tem por resposta um sonoro NÃO? Pois é, spoiler alert: a resposta à pergunta do meu artigo também é um redondo não! Isto não vai acontecer assim! Pronto, agora quem não quiser ler mais nada, pode ir embora divertir-se tranquilamente com robôs em Portal 2. Todavia, quem está curioso para saber porquê não precisa se preocupar tanto, continue comigo. Tentarei desenvolver uma linha de raciocínio explicando porque os robôs irão substituir os empregos sim, mas não corremos o risco (ok, um risco pequeno, eu admito) de termos um futuro como aquele que se iniciou em agosto de 1997.

Em primeiro lugar, já tivemos estas revoluções tecnológicas antes e a humanidade só melhorou. Pensar que em menos de dois séculos profissões requisitadas como cocheiros, telefonistas, acendedores de lamparina, telegrafistas e frentistas (ops, esta última não, estamos no Brasil…) desapareceram e ninguém mais se importa com isso. E não, não pensem que isso aconteceu nos anos 10, 20 e 30 do século XX somente. Datilografia, por exemplo, que hoje ninguém mais em sã consciência vai fazer curso, era uma habilidade que as pessoas buscavam dominar e colocavam no currículo no finalzinho dos anos 90 (ai, ai, tenho este diploma também. Fiz parte da turma de 1996 do curso Remington de Datilografia da minha cidade…pensa em algo chato!). Aliás, ninguém mais em sã consciência vira empreendedor abrindo uma escola de datilografia!

Talvez se eu trabalhasse na Agência Espacial Brasileira (fonte)

E como eu disse antes, o mundo tem se tornado gradualmente um lugar melhor, mesmo com o desaparecimento destas profissões. Por exemplo, eu me lembro da minha infância nos anos 80 e como as coisas eram difíceis de se conseguir comparadas com hoje. Tenho duas crianças em casa variando entre poucos meses e três anos e eles têm acesso a coisas tão sensacionais que eu tenho vontade de brincar com o que eles ganham. Meu filho mais velho ganhou um boneco bubble-head do Yoda que eu ainda não dei para ele. Coloquei na minha estante porque dizia que tinha partes pequenas que poderiam ser engolidas. Pois é, sou um pai zeloso e o boneco é tão legal, tão bem feito…bom, enfim, divago. O que eu quero dizer é que da mesma forma como está acontecendo hoje, tenho certeza que notícias catastrofistas e alarmistas pipocaram na época em que a Ford massificou a produção de carros e desempregou milhares de cocheiros, criadores de cavalo e limpadores de bosta das ruas (sim, eles existiam). Todavia, surgiram novos empregos e o mundo não acabou. Na verdade, como nos mostrou o agora saudoso Hans Rosling, o mundo só enriqueceu e melhorou o bem estar de sua população. E muito disso tem relação direta com a automatização. Mesmo pessoas muito pobres hoje têm acesso a certas coisas impensáveis há somente 20 anos (tipo, já leram sobre celulares no Quênia?). Por quê?

A resposta é simples e tem a ver com uma lei universal imutável: oferta e demanda. Em linhas gerais, se algo é necessário, mas é escasso, custa mais do que o que é igualmente abundante, mesmo que igualmente necessário. Inclusive mesmo entre animais esta lei se aplica e existem fundamentos evolutivos para ser assim, mas esta conversa fica para outro artigo. Pensem comigo, o que custa menos: um pé de alface na feira ou um pote de Nutella? Ambos são igualmente necessários, mas o primeiro é mais abundante que o segundo. Por quê? Alface é produzida em escala industrial, em fazendas mecanizadas, muitas hidropônicas, sem nem precisar comprar um lote de terra para isso, o que a torna abundante, logo reduzindo seu preço unitário. Mas, Nutella também é produzida em escala industrial, o que potencialmente o torna abundante, mas seu preço não se reduz. Hein, que loucura é essa? Explico.

Poderia ser Nutella! (fonte)

A indústria da Nutella não aumenta a produção deste néctar dos deuses porque não quer que seu preço caia muito. Logo, ela mantém uma escassez artificial de Nutella para que sua margem de lucro não seja impactada. Capitalistas malvados, deveria ter uma lei garantindo Nutella para todo mundo! Só que, por mais que seja gostoso, não é essencial para a vida de ninguém, compra quem quer ou ainda dá para fazer em casa. O que eu quero dizer é que a margem de lucro de quem produz Nutella pode ser alta porque este produto corresponde a um nicho de mercado. Alface e outros alimentos básicos não são. A margem de lucro neste caso pode ser menor porque a escala compensa. Pode-se tirar uma boa renda vendendo alface, repolho, couve, batata mesmo a preços baixos, porque as pessoas compram isso em grande quantidade e várias vezes por semana. A massificação na produção de alimentos tornou-os bastante baratos, diminuiu a fome no mundo e contribuiu para que menos pessoas precisassem trabalhar no campo, liberando mão de obra criativa para termos a explosão tecnológica dos últimos trinta anos. Quem duvida, convido a clicar nestes links que deixei e analisar os gráficos (cuidado, inglês!).

O que vai acontecer no futuro é que mais bens irão estar disponíveis para populações de baixa renda porque eles serão baratos devido à escala em que serão produzidos. Afinal, robôs não precisam descansar, não precisam comer, não ficam doentes. Ok, entendi esta parte, mas e as pessoas que perderão seus empregos? Bom, historicamente, já vimos que com novas tecnologias surgem novos empregos, alguns inimagináveis. Vejam só, ninguém era desenvolvedor de aplicativos antes de 2007 e hoje isso paga as contas de muita gente. Ou então, ninguém era podcaster até meados da primeira década do século XXI e hoje isso paga as contas de…ok, não tem tanta gente assim.

Provavelmente, com a super escalada da automatização, cada vez mais iremos precisar de programadores, desenvolvedores e também especialistas em segurança digital. Este último, principalmente, já que ninguém vai querer que seu robô termine de limpar a casa e tente te matar com o rodo porque seu desafeto o hackeou. Sem falar em carros e caminhões autônomos. Se a segurança destes softwares não for bem feita, se torna só uma questão de tempo para todos virarem Christine. Quem duvida deste cenário, dê uma olhada aqui e tire suas próprias conclusões. Ou seja, o ser humano continuará sendo fundamental em uma questão que as máquinas talvez demorem muito ou nunca consigam: resolver problemas pensando fora da caixa. Será que uma máquina seria capaz de fazer o que Steve Jobs fez em todos os lugares que ele passou? O salto mental de pegar coisas totalmente desconexas e ao juntá-las formar algo totalmente novo é, até hoje, uma exclusividade humana. E eu tenho minhas dúvidas se um robô, programado com uma linguagem baseada em lógica matemática, portanto exata, tenha capacidade de fazer isso. “Ah, mas um robô pode pintar igual Rembrandt ou compor uma música igual Mozart”. Sim, pode, mas seguindo modelos e emulando o estilo destes gênios das artes. Mas, o Rembrandt foi original na pintura e Mozart também o foi na música. Eles juntaram todas as referências que eles tinham e criaram algo totalmente novo. Será que um robô conseguiria ser assim, disruptivo a ponto de ter a sacada de criar algo como o Uber ou o AirBnb?

Pode ser, mas acredito que isso vá demorar um pouco. Ou seja, resolver problemas de forma inusitada ainda é algo que humanos fazem melhor do que máquinas, pois estas ainda estão na fase de copiar coisas já feitas e pensadas por humanos. Então, se o seu trabalho for para o lado de resolver problemas, principalmente problemas envolvendo outros seres humanos, fique tranquilo. Sua sobrevida está garantida.

Outro ponto que gostaria de tocar e que tem a ver com aquele raciocínio da abundância e escassez é que existe um limite para os bens serem produzidos. A partir de um certo número, a abundância se torna tão absurda que o preço tende a ser zero. Pense em armazenamento digital. Até pouco tempo (para mim menos de 15 anos é pouco tempo), pensava-se duas vezes no custo-benefício de se comprar um pen drive de poucos gigas, pois o preço era alto (em 2006, paguei R$ 90,00 um pen drive de 1 Gb e fiquei feliz com o negócio). Hoje temos vários Gb de graça na nuvem, podendo escolher o serviço que mais agrada. O custo de armazenamento se tornou tão barato para a empresa fornecedora que não faz sentido cobrar do usuário até um certo limite. A concorrência pelo menor preço força tudo a zero. O mesmo tende a acontecer com bens físicos se os robôs forem produzi-los em grande escala, já que o custo marginal de uma unidade a mais de certos bens é tão mínimo que pode ser considerado nulo, pois a produção pode ocorrer 24/7 sem impactos trabalhistas ao produtor (pensei por exemplo, em clipes de papel). Isso faz com que tudo se torne tão barato que mesmo pessoas ganhando salários baixos tenha acesso a bens inimagináveis hoje.

Ou seja, melhora o bem estar geral da população como já vem acontecendo ao longo destas últimas décadas. “Mas, se as pessoas não tiverem empregos, como elas vão conseguir renda para comprar as coisas mesmo que elas custem pouco?” Aí é que a porca torce o rabo. Existe um limite, como eu disse, para a abundância desenfreada, inclusive para exageros na automação. Uma empresa que produz bens de consumo, precisa que as pessoas, bem, consumam. E estas pessoas trocam os bens por dinheiro. Se ninguém tiver dinheiro, a empresa não vende e não conseguirá dinheiro para dar manutenção nos robôs ou para comprar novos e o dono da empresa não terá dinheiro para trocar por outros bens de consumo que ele queira ter (o CEO da fábrica de clipes não comerá clipes, né?). Ou seja, a automação tende a parar em um equilíbrio dinâmico em que as coisas sejam baratas o suficiente para que uma renda baixa possa comprar, ao mesmo tempo em que ainda possam existir empregos para que as pessoas recebam salários e comprem os bens produzidos, senão a economia colapsará e não sobrará nada, nem para os donos dos robôs.

Esta renda baixa pode até vir em forma de auxílios governamentais, como já está acontecendo em países de população pequena, tipo Finlândia. Independente da opinião ideológica de cada um e aqui deixo claro que me identifico com o liberalismo da Escola Austríaca, este é um movimento que merece uma atenção mais aprofundada e limpa de preconceitos. Talvez a automação nos dê um futuro em que a economia como um todo seja tão produtiva e gere tanta riqueza excedente que os Estados poderão se dar ao luxo de distribuir um pouquinho deste excedente para todos sem maiores impactos nas suas dívidas públicas. Esta renda, como é a proposta finlandesa, será suficiente só para garantir o básico da pirâmide de Maslow. O resto você se vira para conseguir se quiser mais do que isso.

Talvez estas palavras que eu escrevi e estes cenários otimistas que eu descrevi não se concretizem e realmente em poucos anos estaremos todos montando iguanas gigantes radiativas vestindo sungas de texugo e disputando um pedaço de pão com tacapes na mão. Se isso acontecer, pelo menos teremos tacapes e eles podem fazer um belo estrago na cabeça metálica de um robô.