A Valve, essa empresa que nós amamos, seja por suas ótimas franquias ou por sua plataforma de vendas a Steam e que ao mesmo tempo nos faz esperar tanto pelo lançamento de um novo game (Half-Life 3 aonde você está?), lançou em 2007 um pacote chamado The Orange Box, contendo o game Half-Life 2 e seus 2 episódios, o FPS multiplayer Team Fortress 2 e um game “bônus”, Portal. Porém, foi esse game “bônus” que mais chamou atenção, com uma história intrigante e cheia de sarcasmo, além de uma jogabilidade baseada na utilização de portais, o game logo foi aclamado pela crítica, recebendo ótimas notas. Explorando as leis da física quântica e clássica, veremos que a Valve fez a lição de casa na criação de seu game. Falaremos sobre o game Portal e seus portais.

Portal pode ser considerado um sucessor espiritual de Nabacular Drop, game indie lançado em 2005 por estudantes do DigiPen Institute of Technology, nele controlamos a Princesa “No-Knees”, que utilizando portais deve percorrer masmorras fugindo de um demônio. A equipe de desenvolvimento de Nabacular Drop foi contrata pela Valve e assim criaram Portal, aperfeiçoando a mecânica de locomoção através de portais criados pelo jogador.

Já em Portal, controlamos a protagonista Chell que deve resolver puzzles para escapar dos laboratórios da Aperture Science, seguindo as orientações da sarcástica inteligência artificial GlaDOS. Os puzzles são resolvidos utilizando-se do Dispositivo de Portais de Mão Aperture Science, ou como o chamaremos a partir de agora: Portal Gun. A função da Portal Gun é criar dois tipos de portais, azuis e laranjas, onde entrando em um, saímos pelo outro, com base nisso, devemos chegar ao fim de cada cenário se valendo desse recurso. Mas, como funciona a Portal Gun? Poderíamos recriar uma no nosso mundo? Vamos conferir.

A protagonista Chell e a "vilã" GlaDOS

A protagonista Chell e a “vilã” GlaDOS

A Valve fez um trabalho tão minucioso no desenvolvimento do game, que até incluiu um blueprint (um tipo de suporte utilizado em desenho técnico para projetos de arquitetura, engenharia ou design) da Portal Gun, ele aparece durante algumas telas de carregamento. É com base nesse blueprint que explicaremos o funcionamento do dispositivo.

Blueprint da Portal Gun

Blueprint da Portal Gun

Pela imagem, podemos ver que o principal “motor” para a criação dos portais é um mini buraco negro. Na teoria, os buracos negros emitem uma radiação chamada Radiação Hawking, descoberta por Stephen Hawking em 1974, com isso ele perde massa e diminui de tamanho até desaparecer. Para que isso não ocorra na Portal Gun, um ventilador é instalado na parte de trás da “arma”, assim ele “assopra” as partículas perdidas na forma de radiação de volta para o buraco negro, isso faz com que ele se estabilize.

Estabilizado, o buraco negro, entram em cena dois anéis, um na parte superior e outro na parte inferior, que fazem com que o buraco negro gire, isso expõe a sua singularidade, que toma a forma de uma anel. Singularidade é a parte central de um buraco negro, e nela a densidade é infinita, podemos chamar também de volume zero. Importante ressaltar que nessa singularidade nenhuma lei da física que conhecemos pode ser aplicada. Com a singularidade exposta, o ventilador usado para “assoprar” as partículas de volta ao buraco negro, começa a girar mais rápido e joga parte dessa singularidade para um focalizador na ponta da Portal Gun, agora usando um corante azul ou laranja para dar cor, o portal está pronto para ser lançado. Somente a focalização não é suficiente para estabilizar o portal, para isso é preciso de uma superfície que mantenha o portal aberto. Por isso, no game, só podemos abrir portais em certos painéis brancos, tais painéis são feitos de rochas lunares, que segundo o game, possuem a propriedade de estabilizar os portais.

Na geração do segundo portal o processo é o mesmo, porém sua singularidade gira na direção contraria ao do primeiro portal, isso faz com que as duas singularidades se misturem e trabalhem, de certo modo, na mesma “frequência”.

Também com informações encontradas dentro do game, sabemos como os portais se conectam. Cartazes espalhados pelos antigos laboratórios da Aperture Science, mostram um protótipo da Portal Gun com o nome de Dispositivo de Tunelamento Quântico. Aqui somos apresentados ao conceito de Tunelamento Quântico. Ele é parecido com o conceito de wormhole (buraco de minhoca), o qual já abordei no texto sobre a ciência no game Mass Effect. Porém um wormhole é uma via de mão única, você entra em um buraco negro e sai por um buraco branco, mas não se pode fazer o inverso, o que não é o caso de Portal, onde independente de qual portal entremos, sairemos pelo outro.

O tunelamento quântico se baseia no Princípio da Incerteza de Heisenberg, o qual diz que uma partícula subatômica pode se comportar tanto como onda, quanto partícula (dualidade). Também não podemos dizer sua localização exata no espaço, já que o simples fato de olharmos (qualquer medição) para ela já altera o resultado. Lembram do Gato de Schrödinger? Então, ele usa o mesmo conceito.

Usando um exemplo para explicar melhor o tunelamento quântico, é imaginarmos uma bola sendo jogada contra uma parede. Na física clássica (Newtoniana), essa bola rebate na parede e volta, já na física quântica, se ao invés de jogarmos uma bola, jogarmos um elétron, esse elétron pode “emprestar” energia do futuro e atravessar a parede, logo depois ele devolve essa energia emprestada. Na verdade, segundo o Princípio da incerteza de Heisenberg o elétron já está do outro lado da parede, por isso ele pode atravessa-la. Confuso? Bem, ninguém falou que física quântica era fácil.

Agora que aprendemos como a Portal Gun funciona, chegou a hora de voltarmos para a nossa realidade. Infelizmente todos os conceitos usados para explicar o funcionamento da Portal Gun são apenas teorias, não são comprovados. Também precisamos lembrar que a física quântica trata de partículas subatômicas (menores que um átomo), qualquer coisa maior que uma átomo segue as leis da física clássica. Outro ponto é a energia necessária para manter o buraco negro estável, criar o portal e depois mantê-lo estável também, lembrando que quando a Portal Gun é desligada os portais criados desaparecem, ou seja, ela é quem mantém os portais abertos. Para fazer todo esse processo seria preciso mais Joules que um bilhão de estrelas podem produzir. É uma quantidade absurda de energia que não conseguiríamos produzir com nada que temos atualmente.

Uma explicação dada para a estabilização dos portais é a utilização de painéis feitos à base de rochas lunares, mas agora aqui vai uma revelação: não há nada de especial em rochas lunares (pelo menos na sua composição química).  Os elementos que formam uma rocha lunar são os mesmo encontrados aqui na Terra, desse modo, se tais elementos conseguissem estabilizar um portal, não precisaríamos ir até a Lua buscar rochas, poderíamos usar o que já temos na Terra.

Não digo que seria impossível um dia termos uma Portal Gun, mas pelo menos com o conhecimento do universo que temos até hoje…agora não dá.

Para não terminar o texto com um gostinho amargo na boca, posso dizer que quando se trata da física Newtoniana, o game manda muito bem. Principalmente quando usamos a lei da conservação do momento linear, onde quando entramos em um portal com determinada velocidade, saímos pelo outro mantendo essa mesma velocidade. Isso é muito usado no game para a resolução de puzzles.

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Fontes: Ciência & Games, Astonoo, Gameblast e Shamus Young