Saudações, sapientes! Hoje eu vou continuar falando sobre zoológicos (parte 1 aqui). Vamos entender os principais pontos de crítica por ativistas e o papel dos zoológicos na ciência e na conservação da biodiversidade. Vem comigo!

Ativistas frequentemente apontam que redução da longevidade e comportamentos repetitivos ou anormais são evidências de que animais estão estressados ou não recebem o tratamento necessário para viver com conforto. Na verdade, animais de ciclos de vida curtos vivem mais tempo em cativeiro do que na natureza. Animais grandes, de ciclos de vida longos, tendem a viver menos. Muitos avanços no tratamento de animais de vida longa foram feitos nas últimas décadas, mas os resultados só serão vistos no futuro, já que eles vivem por muitos anos (Tidière et al. 2016).

Quanto aos comportamentos repetitivos e anormais, existe até um nome específico para eles: ‘zoocose’, mistura de ‘zoo’ com ‘psicose’, termo cunhado pelo ativista britânico William Travers (Born Free). Alguns exemplos desse tipo de comportamento são andar em círculos no recinto, torcer o pescoço ou mover a cabeça constantemente, há até mesmo animais que se auto-mutilam e comem fezes (coprofagia) (Born Free). De fato, comportamentos repetitivos ou anormais podem ser sinais de estresse e tratamento inadequado, embora essa relação não seja necessariamente verdade em todos os casos (Mason & Latham 2004; Mason & Rushen 2008).

A principal forma de lidar com comportamentos repetitivos ou anormais é através do enriquecimento ambiental, que consiste em criar brinquedos e atividades para ocupar, entreter e enriquecer mentalmente os animais. Os estudos sobre enriquecimento ambiental vêm crescendo constantemente desde os anos 1980, quando o conceito passou a ser difundido (Azevedo et al. 2007). No Brasil, a Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte é referência, produzindo boa parte dos estudos sobre o tema no país (Azevedo & Barçante 2008). Vários estudos mostram a eficiência de programas de enriquecimento no bem-estar de animais (Azevedo et al. 2007; Azevedo & Barçante 2008). Apesar de muito usado nas Américas, o enriquecimento ambiental é relativamente incomum na Europa, já que por lá os zoológicos seguem a filosofia de pouca interferência, evitando intervenções artificiais no ambiente e no comportamento dos animais mantidos no cativeiro. Essa filosofia gera muitas críticas de ativistas e acadêmicos, tanto fora quanto dentro da Europa.

A criação de ambientes mais próximos do natural é outra estratégia usada para dar mais conforto aos animais. Vários trabalhos mostram que ambientes naturalísticos reduzem o estresse dos animais, assim como comportamentos estereotipados e anormais (Fernandez et al. 2009). Outra vantagem de ambientes naturalísticos é que visitantes sentem mais empatia pelos animais, mais interesse nas atrações e mais disposição a apoiar causas como a conservação das espécies observadas (Fernandez et al. 2009).

A interação dos animais com visitantes em zoológicos é um tema controverso, já que animais podem ser maltratados para aceitar o contato, muitas vezes sendo dopados ou forçados pelos treinadores (Jennings 2019; World Animal Protection 2016). No entanto, estudos mostram que interações realizadas de forma adequada podem ser enriquecedoras tanto para animais quanto para visitantes. O simples fornecimento de um local seguro para onde os animais possam se retirar e se afastar de visitantes quando não desejam interagir traz benefícios como redução do estresse. Outro método relativamente simples de reduzir o estresse causado pela presença de visitantes é a criação de barreiras visuais, como telas camufladas que permitam os visitantes enxergar os animais mas que dificultem os animais de enxergarem os visitantes (Fernandez et al. 2009). Além disso, interações com fins educativos têm um grande potencial em gerar interesse pelos animais e por causas como a conservação da espécie com que se interagiu (Fernandez et al. 2009). No Brasil, um exemplo de zoológico que permite interações controladas entre visitantes e animais é o Zoo Safári de São Paulo, onde visitantes podem alimentar algumas espécies de animais que se aproximam dos veículos somente se interessados.

Outro ponto criticado por ativistas é a eutanásia de animais saudáveis. Em zoológicos europeus, por exemplo, é comum que animais sejam sacrificados quando a população no zoológico é considerada grande demais ou quando sua representatividade genética é pouco relevante. Foi o que aconteceu em 2014 com a girafa Marius, no Zoológico de Copenhague, que foi abatida e dissecada em público após ter sua representatividade genética declarada não-relevante para os fins de conservação da EAZA (Smith 2014). A ênfase na variabilidade genética dos animais em cativeiro é essencial para os fins de conservação das espécies, uma vez que baixa variabilidade pode gerar populações propensas a doenças ou com baixa capacidade de se adaptar a mudanças ambientais (Frankham et al. 2010). É importante que se mantenha as populações em cativeiro geneticamente diversas e viáveis, mas a forma com que essa manutenção é feita varia entre países e organizações. A razão das eutanásias na Europa é que a EAZA segue uma filosofia de pouca interferência, não utilizando anticoncepcionais para impedir reproduções não desejadas, por exemplo. Nas Américas isso é diferente, já que aqui as associações de zoológicos e aquários consideram que os animais claramente não estão num ambiente natural, e portanto intervenções pragmáticas são desejáveis. Aqui o uso de anticoncepcionais é preferível a sacrificar animais excedentes. No Brasil a legislação proíbe a eutanásia de animais saudáveis (Brasil 2018).

Além de impedir que animais pouco relevantes geneticamente sejam representados na população através de eutanásias ou uso de anticoncepcionais, é importante garantir que indivíduos diversos sejam constantemente combinados para obter a maior diversidade genética possível. Para isso, zoológicos emprestam, trocam ou comercializam animais. No Brasil, a maior parte dos animais exibidos em zoológicos é proveniente de resgates de animais feridos em acidentes ou apreendidos em operações contra o tráfico de animais e que não possuem condições de voltar à natureza, seja por alguma sequela ou porque não é possível readequá-los por questões técnicas. Também é comum que animais já tenham nascido no cativeiro, fruto de programas de conservação e reprodução. Menos de 2% dos animais expostos em zoológicos brasileiros são provenientes de comércio com criadouros registrados (Figueiredo 2019), geralmente de espécies exóticas, que é o que a legislação permite (Brasil 1987). Em países onde regulamentação e fiscalização são fracas e muitos zoológicos não são credenciados, é comum que animais em exibição sejam provenientes de tráfico e sofram maus-tratos.

Muitos ativistas apontam que a presença de visitantes é prejudicial aos animais, e que, se zoológicos realmente se preocupam com a conservação das espécies, deveriam se tornar santuários fechados ao público ou com números bem mais restritos de visitantes, já que a presença de humanos estressa os animais. Uma solução mais viável seria otimizar os recintos para maximizar o bem-estar dos animais e ainda oferecer uma atração para pessoas interessadas. O papel de zoológicos na conservação vai além da reprodução dos animais, servindo também como palcos para atrair e conscientizar seus visitantes. Afinal, nós só podemos amar e nos importar com aquilo que conhecemos.

Um obrigado a Igor Morais, biólogo que trabalha no zoológico de Brasília, pela entrevista sobre o assunto e ajuda com referências.

 

REFERÊNCIAS

 

Azevedo, C. S., & Barçante, L. (2018). Enriquecimento ambiental em zoológicos: em busca do bem-estar animal. Revista Brasileira de Zoociências, 19(2). https://tinyurl.com/yb3g3ota

Azevedo, C. S., Cipreste, C. F., & Young, R. J. (2007). Environmental enrichment: A GAP analysis. Applied Animal Behaviour Science, 102(3-4), 329-343. https://tinyurl.com/y9kwo8kf

Born Free. Stereotypic Behaviour. Born Free (Online). Acesso em 05/06/2020. https://tinyurl.com/ybcqwk5m

Brasil. (1987). Lei nº 7.173, de 14 de Dezembro de 1983. https://tinyurl.com/yb9lz5ww

Brasil. (2018). Resolução Nº 1.236, de 26 de Outubro de 2018. https://tinyurl.com/ybolslpu

Fernandez, E. J., Tamborski, M. A., Pickens, S. R., & Timberlake, W. (2009). Animal–visitor interactions in the modern zoo: Conflicts and interventions. Applied Animal Behaviour Science, 120(1-2), 1-8. https://tinyurl.com/y785h8c7

Figueiredo, P. (2019). Em defesa de espécies ameaçadas, ativistas dão argumentos a favor e contra os zoológicos. G1 (Online). Acesso em 04/06/2020. https://tinyurl.com/y8zgloqf

Frankham, R., Ballou, J. D., & Briscoe, D. A. (2010). Introduction to conservation genetics, 2 edition. Cambridge university press.

Jennings, R. (2019). The cheap and shady business of taking selfies with tigers. Vox (Online). Acesso em 04/06/2020 https://tinyurl.com/yxst7vjv

Mason, G. J., & Latham, N. (2004). Can’t stop, won’t stop: is stereotypy a reliable animal welfare indicator?. https://tinyurl.com/yc956lzp

Mason, G., & Rushen, J. (Eds.). (2008). Stereotypic animal behaviour: fundamentals and applications to welfare (2nd ed.). Cabi.

Smith, R. (2014). Giraffe Killing at Copenhagen Zoo Sparks Global Outrage. National Geographic (Online). https://tinyurl.com/y8ny5t4q

Tidière, M., Gaillard, J. M., Berger, V., Müller, D. W., Lackey, L. B., Gimenez, O., … & Lemaître, J. F. (2016). Comparative analyses of longevity and senescence reveal variable survival benefits of living in zoos across mammals. Scientific reports, 6, 36361. https://tinyurl.com/y76cp5zn

World Animal Protection. (2016). Exposed: true scale of Thailand’s ‘tiger selfie’ tourism. World Animal Protection (Online). Acesso em 04/06/2020. https://tinyurl.com/y7535n9c


Gustavo “Cretino” Ladeira é mineiro, biólogo, bebedor de café e procrastinador profissional, numa cruzada moral contra os pandas.