O que há no nada? É simplesmente a ausência de matéria? Neste texto vamos entender que o nada, nada, nada, nada mesmo ainda pode nos surpreender e tem muita energia capaz de, claro, nos surpreender com as bizarrices do mundo quântico.

Esse texto é uma explicação um pouco mais aprofundada sobre um tema que abordei brevemente em outros dois textos passados. Portanto, se você estiver sentindo falta de algumas explicações mais básicas pode ser interessante ler primeiro os outros, em que crio o plano de fundo sobre partículas, antipartículas e suas criações e aniquilações:

Parte 1: Os “porquês” e “comos” da matéria e antimatéria – parte 1

Parte 2: Os “porquês” e “comos” da matéria e antimatéria – parte 2

O universo e os campos quânticos

Vamos lembrar o que são esses campos quânticos. Primeiro temos o Universo, ele por si só é o que chamamos de espaço-tempo, ou seja, “é o ambiente que suporta tudo que há”. Tudo que existe existe no espaço-tempo. O que conhecemos hoje como as menores unidades formadoras das coisas que existem no Universo são as partículas fundamentais. Por exemplo, elétrons, quarks, gluons, neutrinos e fótons. A imagem a seguir mostra uma ilustração muito simples dos campos quânticos (gluon em verde, quarks em azul e elétron em vermelho) contidos dentro do espaço-tempo (em preto).

Tomemos como um exemplo um pedaço de carvão em brasa. Ele emite uma luz vermelha (fótons), é composto de átomos e esses são compostos de elétrons, quarks, glúons,… Ou seja, várias partículas fundamentais estão reunidas para formar esse pedaço de matéria. Podemos também dizer que os campos que representam as partículas fundamentais interagem de tal forma que todos combinados criam suas respectivas partículas que formam o carvão.

Os campos existem em todo o Universo e entendemos que cada um é único, ou seja, se eu detecto um elétron aqui na Terra e outro é detectado na Estação Espacial Internacional, ambos são o mesmo elétron. Apenas observamos o comportamento do campo do elétron em lugares diferentes.

Como assim?”

Os campos oscilam como ondas e quando observamos uma partícula em determinado instante e lugar é porque o campo estava com uma amplitude alta, tinha uma alta densidade de energia. Essa manifestação ondulatória dos campos são entendidas como partículas.

Pequenas distâncias e as flutuações dos campos quânticos

Já que estamos aqui para falar de vácuo quântico, vamos a ele. Quando esvaziamos um recipiente estamos tirando partículas de dentro dele, certo? Sim, mas mesmo a nossa mais avançada tecnologia não vai retirar os campos quânticos de dentro do recipiente, eles continuarão ali, apenas não observamos partículas.

Se viajarmos para o local mais frio e afastado de qualquer estrela, buraco negro, planeta ou poeira espacial que existir, os campos continuam ali presentes. Na nossa “escala comum” eles parecem inertes, mas se nós pudéssemos diminuir de tamanho até chegar em uma escala muito pequena como 1 metro dividido em 1 milhão de bilhão de bilhão de partes iguais, estaríamos na escala dos fenômenos quânticos e veríamos que os campos não são inertes, eles possuem flutuações.

Nós entendemos os campos como se fossem osciladores, pois suas intensidades flutuam em torno de um ponto de equilíbrio. Como não há partículas estamos em um vácuo total e mesmo assim os campos possuem essas flutuações. Bom, o que flutua na verdade são as densidades de energia dos campos, energia por unidade de volume do espaço.

Devemos nos perguntar “Por que não há partículas se há flutuações?”. Como Einstein e Planck nos ensinaram, na escala quântica as partículas só podem existir com determinadas quantidades de energia, são os estados quânticos. Quando uma partícula deixa de existir é por que o seu campo atingiu o estado fundamental, o estado de menor energia.

Os campos quânticos no vácuo estão no estado fundamental, portanto eles flutuam por que a energia não é realmente zero, só não é grande suficiente para atingir um nível quantizado que crie uma partícula.

Observe a imagem a cima. Os campos tem densidade de energia diferente de zero em alguns lugares, as flutuações, e em alguns momentos ultrapassam um limite (a linha vermelha) que representa o primeiro estado em que uma partícula pode existir.

Criação e aniquilação de partículas virtuais

Então, o vácuo tem energia. Legal, essa é a nossa primeira conquista até aqui. Você pode estar se perguntando se essa energia pode ser usada para alguma coisa. Bom, essas flutuações nos campos algumas vezes podem ter uma densidade de energia em algum lugar grande o suficiente para que uma partícula possa ser criada a partir do nada.

QUÊ?”

Sim, estamos lá no vácuo e de repente surge, por exemplo, um fóton. As partículas criadas a partir do vácuo são chamadas de partículas virtuais. Elas continuam sendo as mesmas que conhecemos já, mas têm algumas propriedades curiosas como ter basicamente qualquer massa e viajar mais rápido que a luz.

Calma, elas ainda obedecem às leis quânticas de conservação. Então, se surgir um elétron do nada, outra partícula virtual precisa ser criada para que a carga elétrica se conserve, como um pósitron (antipartícula do elétron).

Então é possível que partículas sejam criadas a todo momento e o seu número total no universo aumente?”

A vida das partículas virtuais costuma ser bem curta e rapidamente esse par elétron e pósitron seria aniquilado entre si ou com outras partículas que surgissem. Para explicar isso vamos voltar ao Princípio da Incerteza de Heisenberg,

que vamos traduzir na imagem a seguir:

Obedecendo o princípio da incerteza (explicado em detalhe no texto do Emerson Souza), as partículas virtuais com muita energia (massa) acabam existindo por pouco tempo. Embora isso tudo possa parecer maluquice as leis quânticas permitem que por um intervalo de tempo muito pequeno algo possa surgir do nada, mas sua existência será curta.

Ah, não vamos esquecer das partículas com massa pequena ou mesmo nula, como o fóton. A massa do fóton é zero, portanto o intervalo de tempo que um fóton virtual criado a partir do vácuo pode existir é… infinito. Isso é muito interessante, pois nos permite entender as forças fundamentais da natureza.

Um próton é formado por dois quarks do tipo up e um do tipo down. O que há entre esses quarks? Vácuo. E o que os segura juntos? A força nuclear forte. Essa força é apenas a manifestação da criação e troca de partículas virtuais entre os quarks, chamadas de glúons. Dizemos que os glúons são os mediadores da força nuclear forte. Bom, os glúons possuem massa grande e, de acordo com o que vimos, não vivem muito tempo e portanto, viajam pequenas distâncias. Isso faz com que essa força seja de curto alcance.

Talvez isso seja difícil de imaginar, mas o caso do fóton é mais simples. Imagine que lá no nosso distante vácuo quântico temos agora dois imãs. Claro que um imã ainda interage com o outro através da força eletromagnética e tem ainda vácuo entre eles. Os fótons são criados e trocados entre os dois, pois eles são os mediadores da força eletromagnética. Já vimos que um fóton virtual pode existir por um tempo infinito, isso quer dizer que pode viajar por todo o Universo, por isso a força eletromagnética tem alcance infinito.

Usando a energia do vácuo

É importante dizer que há discussão sobre a real existência das partículas virtuais. Eles podem apenas ser uma explicação para os truques matemáticos usados na Teoria Quântica de Campos, mas, embora tudo isso pareça ficção, há grandes evidências da existência da energia de vácuo. O efeito Casimir e o fenômeno conhecido como deslocamento de Lamb são dois exemplos de observações explicadas apenas pela energia de vácuo. Especificamente o deslocamento de Lamb está entre uma das medidas mais precisas em toda a Física. Aqui fica um vídeo ilustrativo indicado pelo Emerson Souza:

Claro que nem tudo são flores. Por exemplo, a tentativa de explicar a expansão do Universo através da energia de vácuo falha miseravelmente. A diferença entre as medidas e a previsão teórica é de 120 ordens magnitude (ou seja, se o valor de um é 1 ou outro tem valor de 10120). Bastante, não? Esse é até hoje um dos maiores problemas não solucionados da Física.

Podemos encontrar por aí diversas ideias de como poderíamos usar a energia de vácuo a nosso favor. Afinal de contas, energia tirada do nada seria de longe a forma de energia mais limpa possível, mas existe uma lei da natureza que é, até agora, imbatível. A Segunda Lei da Termodinâmica é normalmente a maior ferramenta para descobrirmos se algo pode dar certo. Basicamente se uma teoria viola essa lei está errada.

Vejamos, é bem comum usarmos a diferença de temperatura entre dois corpos ou sistemas para obter energia. Se temos dois corpos em contato o calor (energia) flui daquele com maior temperatura para aquele com menor temperatura. Agora, se os dois tiverem a mesma temperatura nada vai acontecer, de alguma maneira precisamos retirar energia de um deles para diminuir a temperatura e então teremos troca de energia.

A dificuldade aí vem do fato de as flutuações dos campos quânticos serem as mesmas em todo o Universo, ou seja, precisaríamos encontrar um jeito de diminuir a energia do vácuo em algum lugar e quando o Universo fosse equilibrar as flutuações (é como se aí houvesse a diferença de temperatura) aproveitaríamos a energia fluindo. A questão toda aí é que a energia que foi necessária para fazer todo esse esforço somada àquela que extraímos nos deixaria em débito, perdemos energia nesse processo. A Segunda Lei nos diz que a variação de entropia num ambiente fechado é sempre positiva e nesse caso o ambiente fechado é o próprio Universo. É diferente do ar-condicionado jogando calor para fora de casa para esfriar dentro, por que nesse caso estamos jogando o calor de volta para dentro de casa.

Ou seja, a natureza ainda vence: sem almoço grátis.