Como dito antes, apesar da equação de Schrodinger ter sido um dos avanços mais importantes na história da física, os físicos sabiam que havia muito trabalho a ser feito, pois a teoria até então não era relativística, ou seja, não incluía ideias de Einstein como a massa de repouso das partículas. Entretanto, é claro que a galerinha deu um jeito de contornar esse problema.

Schrodinger postulou sua equação em 1925 e a relatividade especial já tinha então 20 anos. Parece estranho ele não ter pensado numa equação relativística, mas ele pensou. Sua primeira tentativa foi construir uma equação relativística, mas acabou abandonando a ideia pois parecia não haver maneira de resolver ou compreender a equação.

Você percebeu que é comum dizer “a equação de onda de Schrodinger”? Pois é, se você procurar por aí sobre “equação de onda” vai encontrar algo um pouco diferente da equação de Schrodinger. Preste atenção na parte em que há o termo  (equação de Schrodinger) e  (equação de onda clássica), o resto você pode ignorar

  • Equação de onda clássica:
  • Equação de Schrodinger

É comum trocar  pelo símbolo . H é chamado de Hamiltoniano, basicamente representa a energia.

A equação de onda clássica já era conhecida há um bom tempo e esse detalhe no operador  faz toda diferença, pois a equação de Schrodinger se parece com outra equação famosa da física, a equação do calor

Essa equação descreve como o calor se propaga através de um corpo. Por que Schrodinger fez essa escolha? Podemos pensar no calor se propagando como a energia se espalhando ou se distribuindo ao longo do corpo e a interpretação probabilística da Teoria Quântica forneceu justamente isso, a distribuição da função de onda através do espaço. Para ser mais exato não é a função de onda que se distribui e sim o quadrado dela, mas deixemos isso para lá agora. Assim, o ferramental matemático já estava disponível para Schrodinger desenvolver sua equação não relativística. Por fim, chamamos ainda de equação de onda devido ao fato das partículas terem o comportamento ondulatório.

Fonte: https://www.sarahporiss.com/psychology-debt/

Você então pergunta “Por que ele fica dizendo que a equação do mano Schrodinger não é relativística?

Como o bom velhinho, Einstein, nos ensinou com a relatividade, tempo e espaço são componentes da mesma coisa, o espaço-tempo. Portanto, não podem ser tratados como variáveis diferentes e é isso que ocorre se você usar apenas o termo  de equação de Schrodinger. O ponto chave para ter uma equação relativística é incluir de alguma maneira esse operador  e também a massa de repouso das partículas.

Em princípio isso parece simples, onde há o  você troca por  (isso não é a mesma coisa que elevar ao quadrado) e onde há energia troca E pelo termo de Einstein, . Porém, nada disso é simples, resultando em um operador sem significado aparente e a necessidade de existir partículas com energia negativa.

A solução de Dirac e a previsão da antipartículas

Sinto o sorriso no seu rosto, finalmente chegamos lá.

Fonte: Quantum Field Theory for the gifted amateur, Lancaster & Blundell

Dirac foi quem se aventurou com sucesso na união da Teoria Quântica com a Relatividade Especial. Parte da solução iniciou com os físicos Klein e Gordon que escreveram a equação de Schrodinger de outra forma, usando o , mas que só funcionava para partículas massivas e sem carga:


onde  e , c=1. Por outro lado Dirac era partidário de pois desse modo a função de onda continuava com seu caráter de distribuição probabilística e ele deu seu jeito. Dizem que ele estava certo dia sentado em frente a lareira quando teve um momento de genialidade e pensou em uma artimanha para manter o e conseguir incluir os efeitos relativísticos. Desculpem, mas vou poupá-los de muito detalhes técnicos aqui. Basta dizer que ele usou algo chamado álgebra de Clifford eescreveu a equação de Klein-Gordon de outra maneira separando na multiplicação de duas partes semelhantes,

 

Isso permite duas soluções:

 é o operador que une espaço e tempo com os termo d/dt e d/dx.

A equação para o elétron satisfaz quase tudo que é necessário, menos por uma parte, já que a expressão  novamente se refere a uma partícula de massa negativa. Dirac buscou uma interpretação disso e impressionou mais uma vez. Primeiro existia a necessidade de interpretar essa nova função de onda, com essa álgebra diferente. Essa “nova matemática” é o que conhecemos hoje como Cálculo Espinorial (mais precisamente Cálculo 4-Espinorial) e a ideia de partícula já começava a dar a vez para a ideia de campo. Em segundo lugar precisamos resolver de uma vez por todas a questão da energia negativa (vou pular a parte do mar de Dirac, é uma ideia legal, mas já entendemos diferente hoje).

Já que estamos falando de onda, imaginemos uma corda sendo agitada para cima e para baixo. Quando isso acontece vemos a onda se propagando pela corda, nesse caso temos apenas uma dimensão espacial por onde a onda se propaga e a altura da corda representa a intensidade da onda naquele ponto do espaço e do tempo. Na visão mais atual da função de onda entendemos que a altura da corda em um ponto representa a probabilidade de encontrarmos o elétron ali e a corda em si é o campo que representa o elétron. 

Lembra do experimento da fenda dupla? O elétron pode passar por todas as fendas ao mesmo tempo. Como ele faz isso? Não é uma partícula que passa pelas fendas, o campo que representa o elétron está espalhado por todo o lugar, o campo se agita e a onda propagando é o próprio elétron. Quando o campo se agita e há uma amplitude grande ali é que conseguimos medir a presença de um elétron.

Quem percebeu isso com muitos detalhes foi Feynmann. Certa noite ele ligou para seu orientador e disse “E se eu disser que todos os elétrons são o mesmo elétron?”. Essa foi a sacada, não existe essa coisa de um ou dois elétrons, por todo o universo se espalha esse campo e onde detectamos elétrons são apenas picos desse campo (isso não é a mesma coisa que campo elétrico).

Para descobrir mais sobre a amizade entre Feynmann e seu orientador, John Wheeler (um dos físicos mais legais de todos os tempos), recomendo o livro The Quantum Labirinth:

Pense em um oceano. A superfície da água é o campo e sua altura sua intensidade. No mar completamente calmo não há nenhuma ondulação e nem percebemos aquele campo, enquanto o mar agitado tem muitas ondas que podem interagir com um barco na superfície, é como se o barco estivesse sentindo (medindo) a presença do campo.

O resultado de toda essa interpretação é que deixamos de lado a Teoria Quântica tradicional e nasce a Teoria Quântica de Campos com a visão de que cada partícula fundamental da natureza é representada por um campo.

Com isso temos uma nova interpretação para a função de onda. “Mas e a energia negativa?”

Por fim Dirac concluiu que, se existisse uma partícula que fosse exatamente igual ao elétron, mas com a carga elétrica oposta (carga +1), não haveria necessidade de ter energia negativa. Sua equação indicava que essa nova partícula poderia ser criada ao mesmo tempo que um elétron se houvesse energia suficiente. Não demorou muito, em 1932 Carl David Anderson detectou essa nova partícula, chamando-a de pósitron.

O pósitron (antipartícula do elétron) foi a primeira antipartícula prevista e identificada, após isso a Teoria Quântica de Campos foi ganhando mais forma e diversas outras partículas elementares foram sendo previstas e detectadas.

Interação Matéria-Antimatéria

O que sabemos hoje é que toda partícula (ou campo) possui sua antipartícula, algumas como o fóton são elas mesmas a própria antipartícula.

Um par partícula-antipartícula pode surgir espontaneamente desde que algumas características (números quânticos aditivos, como a carga elétrica e a energia) sejam conservadas. Ou seja, se em um ambiente há energia maior ou igual a duas vezes a massa do elétron e a carga elétrica ali é zero, pode surgir um elétron (carga -1) e um pósitron (carga +1). Muita coisa pode acontecer, na verdade, outras partículas podem surgir também conservando a carga ou outros desses números quânticos.

Assim como quando há o encontro do pico de uma onda com o vale de outra elas se anulam naquele ponto, quando uma partícula encontra sua antipartícula elas se aniquilam, o que sobra disso pode variar, a quantidade total de energia e os números quânticos são conservados e qualquer combinação de partículas que respeite isso pode surgir. Feynmann criou uma maneira bem interessante de ilustrar essas interações, os famosos diagramas de Feynmann, seguem algumas referências com as regras para fazer os diagramas aqui e aqui.

O próprio Feynmann deu outra interpretação para as antipartículas com seus diagramas. As antipartículas se comportam exatamente igual como se fossem suas partículas voltando no tempo.

Nos diagramas, como você pode ver no vídeo acima, aparecem essas partículas virtuais. Se olharmos atentamente vamos ver que elas parecem violar algumas coisas, como viajar mais rápido que a luz, mas na verdade isso não é um problema. Essas partículas virtuais não existem de verdade, hoje vemos elas mais como uma saída matemática para resolver esses problemas. A partículas reais, as que entram e saem do diagrama não violam nenhuma lei ou postulado da física.

“Ok, então se eu estiver no lugar mais isolado possível do universo jamais iria presenciar esse processo de criação de partículas?” Ótima pergunta, caro leitor.

Vamos fazer um experimento mental. Imagine que você é um ser divino que pode observar qualquer coisa do universo em qualquer escala sem nunca interferir com nada e ainda pode observar as coisas acontecendo. Melhor ainda, você tem o poder de ver o tecido do espaço-tempo como se fossem pequenas linhas atravessando tudo até onde você pode perceber. Então viaja para um lugar isolado no universo.

Se você estiver em uma escala como a nossa do dia a dia verá que as linhas do espaço-tempo são imutáveis e poderá esperar o universo chegar ao seu fim e não presenciará nenhuma partícula sendo criada. Por outro lado, se você começar a diminuir o seu tamanho até o ponto de atingir a escala do mundo quântico, ou a escala de Planck, verá que as linhas do espaço-tempo não são mais imutáveis, elas agora parecem vibrar suavemente. Isso indica que há energia no ambiente e rapidamente você observará diversas partículas e antipartículas sendo criadas e aniquiladas. Isso seria como fogos de artifício no ano novo chinês.

Isso aconteceria pois mesmo no vácuo do universo há energia, essa energia é o último suspiro do Big Bang, o que chamamos de radiação cósmica de fundo. É a energia que restou do Big Bang e que ainda se espalha pelo universo que esfria lentamente. Na escala quântica essa energia em forma de microondas interage com os diversos campo localmente fazendo com que matéria e antimatéria sejam criadas e aniquiladas rapidamente.

Não termina aí, o próprio vácuo possui energia, os campos nunca estão totalmente “imóvies” mesmo se estivessem no canto mais afastado e obscuro do universo.

Esses últimos conceitos são recentes e estão sendo estudados por todo o mundo e diferentes teorias podem gerar interpretações contrastantes. Talvez um dia possamos falar aqui sobre teorias de Gravidade Quantica.

Finalizando

Para terminar o texto vamos responder rapidamente alguns questionamentos:

“Se partícula e antipartícula se tocarem elas se aniquilam gerando energia. Podemos pensar como se fosse uma explosão, então como capturar antimatéria sem causar um desastre?”

Para capturar uma partícula não precisamos tocar nela, a maneira mais simples é aprisioná-la com um campo. Por exemplo, podemos usar um campo magnético para manter uma partícula carregada presa, assim não toca em outra matéria. Você pode procurar por “garrafa magnética” e encontrar ilustrações dessa técnica.

“Como sabemos quem é matéria e antimatéria?”

Não sabemos, talvez o elétron é que seja a antimatéria. A verdade é que isso não importa, é apenas o nome que escolhemos, o universo não se importa com esse nome escolhido por nós. Uma pergunta mais interessante seria por que detectamos muito mais matéria do que antimatéria. Pelo que entendemos hoje sobre a origem do universo, deveria existir a mesma quantidade de matéria e antimatéria por aí. Talvez existam cantos do universo onde a antimatéria seja a mais abundante.

“A Teoria Quântica de Campos foi criada unindo a quântica tradicional com a relatividade especial. E a união com a relatividade geral?”

Bom, aí entramos no campo da chamada Gravidade Quântica, e este é um assunto ainda sem muita solução na Física, apesar de muita gente estar trabalhando nela. Ao unir as duas estamos querendo entender os fenômenos quânticos que ocorrem em ambientes nos quais a gravidade é forte, ou seja, existe uma curvatura do espaço-tempo que não pode ser desprezada, como próximo de um buraco negro ou no interior de estrelas. Um dos motivos da Teoria Quântica de Campos “quebrar” com gravidade forte é por que ela utiliza uma ferramenta matemática chamada Transformada de Fourier para tratar as partículas como onda. Isso está na base fundamental da quântica, mas esta Transformada de Fourier não pode ser definida em um espaço-tempo curvo. Existem diversas outras abordagens, mas isso fica pra uma próxima aventura.

O texto foi longo e cheio de coisas técnicas, mas espero que tenha conseguido esclarecer algumas coisas. É bem difícil tentar explicar estes conceitos sem dar uma volta bem grande e se você chegou até aqui, parabéns :)