Os efeitos das mudanças climáticas podem ser sentidos na pele: sol escaldante, chuvas volumosas, ventos intensos. Num ambiente onde a população não para de crescer, em que pequenas áreas de terra concentram gigantescas multidões e a produção de alimento está fortemente ligada ao clima, ignorar esses efeitos não pode mais ser uma escolha sustentável.

Dessa forma, os mais diversos setores da sociedade buscam se organizar, em algum grau, para tentar mitigar os efeitos nefastos das mudanças climáticas. Os tribologistas, ou seja, pesquisadores que desenvolvem pesquisa na área de atrito, desgaste e lubrificação, têm direcionado seus esforços para investigações em que se aumente a vida útil e a eficiência energética de tribossistemas.

Um tribossistema, para elucidar a conversa, é um sistema composto por componentes que estão em movimento relativo entre si. Uma pastilha de freio que desliza sobre um disco de freio e um pneu que rola sobre a estrada são exemplos de tribossistemas.

Figura 1 – Esquema representativo de um tribossistema. K.-H. Zum Gahr, Microstructure and wear of materials, Elsevier, 1987. Na figura, vemos um ambiente contendo um retângulo representando um corpo genérico se deslocando para esquerda e, sobre ele, um retângulo menor representando um contracorpo genérico, se deslocando para a esquerda. Entre eles, encontram-se elementos interfaciais representados por pequenas bolinhas.

De forma mais científica, um tribossistema está situado em um determinado ambiente composto por um corpo que desliza sobre um contracorpo sob presença ou não de elementos interfaciais (Figura 1). Tribossistemas são muito comuns em nossas vidas e, por isso, sua eficiência energética é muito importante.

Segundo a United States Environmental Protection Agency (EPA), as fontes de gases do efeito estufa podem ser classificadas por sua origem como: Produção de energia e aquecimento, Agricultura, silvicultura e outros usos da terra, Construção, Transporte, Industria e outras fontes de energia (Figura 2). De forma segura, pode-se afirmar que em todos esses setores existem tribossistemas.

Figura 2 — Setores econômicos e sua participação na emissão de gases do efeito estufa. Fonte: https://www.epa.gov/ghgemissions/global-greenhouse-gas-emissions-data. Na imagem, um gráfico em pizza com título em inglês, Emissão global de gases do efeito estufa por setor econômico” (tradução livre). No gráfico, “Eletricidade e produção de calor” representam 25%; Agricultura, engenharia florestal e outros usos da terra, 24%; Prédios, 6%; Transporte, 14%; Indústria, 21%; e outras energias, 10%.

Afim de elucidar como fenômenos tribológicos possuem um grande impacto no consumo energético, podemos pegar um veículo de passeio, que está relacionado ao setor de transportes. Carros a combustão são movidos graças à queima de combustíveis, muito provavelmente de fontes não-renováveis.

A queima do combustível é uma reação química entre moléculas orgânicas com oxigênio. Essa reação libera energia química, a qual se transforma em, entre outras, energia cinética (a que interessa para fazer o carro andar). A conversão da energia química para cinética é de apena 21,5%, ou seja 78,5% é perdida ou na forma de calor, ou para superar o atrito existente entre os componentes do carro. A superação das forças de atrito é responsável pelo consumo de 33% da energia total proveniente do veículo, ou seja, ⅓ da energia total (Figura 3).

Figura 3 — Decomposição do consumo de energia dos automóveis de passageiros. Fonte: https://doi.org/10.1016/j.triboint.2011.11.022.  A imagem mostra que da energia do combustível, 33% é perdida pelo sistema de exaustão, 29% é gasta com resfriamento e apenas 38% é convertida em energia mecânica. A energia mecânica é usada em sistemas que perdem energia ou por atrito (33%) ou por resistência do ar (5%, o que totaliza os 38%). Os sistemas que perdem energia por atrito são motor (11,5%), transmissão (5%), rodagem (pneus que rodam sobre vias, 11,5%) e freios (5%, o que totaliza os 33%). Desses sistemas, a energia remanescente da resistência ao rolamento, freios e resistência do ar é convertida e movimento do veículo, o que totaliza em 21,5% da energia total.

 

É nítido como o atrito, nesse exemplo, é um grande problema na queda de rendimento energético. Além disso, o desgaste, que, juntamente com o atrito, é um fenômeno tribológico, também promove consumo energético para produzir novos componentes para repor os comprometidos.

Vale trazer, de forma muito sucinta, as definições de atrito e desgaste. Atrito é a resistência ao movimento relativo — o qual pode ser deslizamento, rolamento ou impacto — de uma ou mais superfícies em contato.

Superfícies, quando estão em contato e em movimento relativo, interagem de diferentes formas. Cada tipo de interação é conhecido como um mecanismo de atrito. Existem vários tipos, mas destacam-se dois: adesão e deformação.

De forma bem simples, no mecanismo de atrito por adesão, o material de uma superfície fica aderida à outra. Para ocorrer o movimento, tem que romper com as forças de adesão. Por sua vez, no mecanismo de atrito por deformação, a energia que era para ser consumida no movimento, na verdade, é gasta para deformar as superfícies, o que gera resistência ao movimento. Assim, quanto menor o atrito, mais facilmente ocorre um movimento.

Desgaste é o dano ou a remoção de material de superfícies em contato submetidas a movimentos relativos. Existem diferente mecanismos de desgastes, os quais são o adesivo, o corrosivo e o abrasivo.

Nota-se como atrito e desgaste são fenômenos que devem ser inibidos quando se busca diminuição no consumo de energia. Por esse motivo, como observado de forma veemente no World Tribology Congress de Lyon em 2022, muitos cientistas apresentaram seus trabalhos dentro de um prisma ambiental, em que buscavam mostrar como suas pesquisas visavam diminuir os efeitos deletérios do atrito e do desgaste.

Para melhor compreender o impacto dos fenômenos tribológicos no consumo energético, Holmberg e Erdemir apresentaram, em estudo de 2017, dados impressionantes. No total, aproximadamente 23% (119 EJ) do consumo total de energia do mundo se origina de contatos tribológicos. Desses, 87% (103 EJ) são usados ​​para superar o atrito e 13% (16 EJ) são usados ​​para remanufaturar peças desgastadas e equipamentos sobressalentes devido ao desgaste e falhas relacionadas ao desgaste.

Ainda segundo o estudo, ao aproveitar novas tecnologias de superfície, materiais e lubrificantes para reduzir o atrito e aumentar a proteção contra desgaste em veículos, máquinas e outros equipamentos, as perdas de energia devido a contatos tribológicos podem ser reduzidas em 40% a longo prazo (15 anos) e 18% no curto prazo (8 anos). A implementação dessas tecnologias tribológicas avançadas pode reduzir as emissões de CO2 globalmente em até 1.460 MtCO2 e resultar em economia de custos de 450 bilhões de euros no curto prazo. A longo prazo, a redução pode ser de 3.140 MtCO2 e a redução de custos de 970 bilhões de euros.

No Brasil, em algum momento da nossa recente história, a tribologia já foi apontada como assunto estratégico para aumentar a competitividade das indústrias e diminuir os efeitos das mudanças climáticas, como pode ser visto no Relatório do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, de 2008 (https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/REL_PERSPECTIVAS_MATERIAIS+AVAN%C3%87ADOS_Rev_02_4716.pdf/c2751bf8-3834-46d0-94dc-24a8ab5bd157?version=1.0). Neste documento, previa-se que de 1% a 6% do PIB era perdido devido a desgaste. Com tecnologias já existentes fora do país, era possível diminuir esse valor em 20%. Os ganhos ambientais da aplicação de conceitos de ponta da tribologia eram de larga escala, dada a magnitude das movimentações de produtos na indústria, em especial em setores da economia primária, como a mineração e a siderurgia.

Os avanços do conhecimento e da tecnologia relacionados à tribologia estão alinhados com alguns dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, segundo estudo de M. Woydt, em 2021 (https://doi.org/10.1016/j.wear.2021.203768). Dentre deles, destacam-se:

  • ODS 3 – Saúde e bem-estar
    • Atribuições e contribuições: desenvolvimento de lubrificantes biodegradáveis, diminuição de material particulado (os quais podem ser inalados e causar diferentes distúrbios na saúde), substituição do cromo hexavalente por revestimentos duros e que não sejam tóxicos à saúde humana.
  • ODS 7 – Energia limpa e acessível
    • Atribuições e contribuições: desenvolvimento de engrenagens e rolamentos duráveis para uso em plantas de produção de energia, diminuição nos níveis de atrito em sistemas de produção e transmissão de energia.
  • ODS 8 – Trabalho decente e crescimento econômico
    • Atribuições e contribuições: aumento da eficiência de recursos através da proteção contra desgaste
  • ODS 9 – Indústria, inovação e infraestrutura
    • Atribuições e contribuições: Diminuição do desgaste, para, assim, ter maior eficiência e conservação no uso de recursos, além da diminuição da produção de partículas finas
  • ODS 12 – Consumo e produção responsáveis:
    • Atribuições e contribuições: Lubrificantes e aditivos à base de matérias-primas renováveis. Lubrificantes e tribossistemas de longa duração. Biolubrificantes (EAL), sistemas de freios e pneus de baixo desgaste,
  • ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima:
    • Atribuições e contribuições: Eficiência energética através de atrito reduzido significa uma redução de CO2, lubrificantes feitos de fontes renováveis ou matérias-primas recicladas

Para alcançar esses objetivos, busca-se, em linhas gerais, o desenvolvimento de lubrificantes mais eficientes e de fontes renováveis, reutilizar a energia que hoje é desperdiçada principalmente na forma de calor e desenvolver materiais mais resistentes ao desgaste.

Fenômenos tribológicos estão presentes em todo e qualquer sistema em que há movimento relativo de superfícies em contato, ou seja, está em quase tudo. Para superar seus efeitos de resistência ao movimento e de danos de componentes, é necessário utilizar muita energia, essas que podem ser produzidas de forma que aumentam a emissão de gases do efeito estufa. Assim, fica claro que, conhecer profundamente mecanismos de atrito e desgaste pode ser uma ferramenta útil para diminuir a perda de energia e garantir um desenvolvimento sustentável.

Se você se interessou pelo tema, sugiro também o SciCast #533: Atrito e as Mudanças Climáticas.

 

Fontes:

Estão ao longo do texto