Já pensou se quem passou soubesse o que seria? De fato seria diferente, tudo mudaria no mundo, nem as ciências e nem as religiões seriam as mesmas, nem as relações e muito menos a arte. Tudo seria diferente para o ser humano, tudo se transformaria para esse pobre ser que mal sabe o que faz sobre a face da terra. Quem sabe até a vida, o universo e tudo mais seriam outra coisa.

Mas aqui surge uma segunda questão: será que toda essa diferença realmente tornaria a nossa vida melhor?

Para ouvir este texto:

A Tragédia Humana

Pense bem, irmão, a condição humana é trágica, não só pelo tempo, mas pelo que somos: somos essas pontas de dedos oscilando entre o tédio e a miséria, mesmo buscando um equilíbrio. Fomos condenados a ser livres mesmo querendo a segurança do útero, fadados a ser efêmeros mesmo tentando ser eternos. 

Quem não tem o que comer faz do futuro uma incógnita, enxerga no passado apenas um lastro de lástimas. Não pensa no depois porque está ocupado demais tentando sobreviver, sem ao menos saber se haverá algum amanhã. Não é por inadimplência que deixa de fazer planos, mas é porque a mazela da miséria sempre bate na porta de quem não tem nem eira, nem beira, quem dirá uma tribeira.

Já quem vive faceiro sem ter do que se queixar, faz do futuro uma ilusão, um sonho megalomaníaco, um devaneio que vê no outro apenas um meio para os seus próprios fins. Até esquece os pequenos momentos porque tudo que precisa está na bandeja. Sem precisar se preocupar com a próxima refeição, com o próximo boleto ou com a próxima geração, não teme o futuro porque imagina que estará garantido, assim como pensa estar na atual condição.

Isso não se trata de dividir o mundo entre ricos maus e pobres bons, muito menos sobre a treta entre Hobbes e Rousseau. Somos mais complexos do que isso, às vezes ativos e outras vezes omissos, às vezes cativos e outras vezes promíscuos.

Não somos tábulas rasas, longe disso, somos mais profundos do que isso. Sempre estamos nesse instante que desvanece num fluxo de vários “agoras”. Existimos nesse exato aqui, nessa única vida que poderia ser vivida, não nas infinitas vidas que poderiam se ter, não nesses infinitos universos paralelos que se desalinham com a realidade.

Uma Viagem Imaginária.

Lamento te dizer, mas nesse caso,  a nossa viajem imaginária no tempo é singular, uma oportunidade de ficha única, um jogo de uma vida só. Então imagine comigo que você pode fazer um “bate-volta” pela história, desde que fosse uma única vez. Sendo assim, duvido que queira mudar qualquer campo de estudo, duvido que queira levar a teoria da relatividade para Newton, ou até mesmo levar os livros Kant para Platão.

Não digo isso porque somos burros ou mau intencionados, muito pelo contrário. Penso nisso porque a nossa profunda prioridade é outra. Basta lembrar dos litros de lágrimas que lavaram os nossos cílios, basta pensar em todos os filhos que perdemos nessa pandemia, basta pensar naquela última conversa que não tivemos ou naquele último abraço que não pôde ser dado. E desta forma, veremos que a nossa viajem ao passado seria bem mais diminuta do que gostaria a nossa mais grandiosa ambição.

Nesse caso, a única coisa que importaria seria aquele último contato a ser travado, nem que fosse só mais um  mergulho derradeiro, um derrapante toque naquele universo particular que deixou de existir. Sinceramente, pouco me importariam as guerras dos últimos milênios, nem ligaria se não pudesse ver a Mona Lisa ser pintada. Nessa ocasião ímpar, confesso que pouquíssimas coisas me afetariam, principalmente aquilo que vai além daquelas relações que participam dos afetos mais profundos.

Nenhum abismo traduz a dor de quando alguém amado desaparece, nenhum feito histórico é grande o suficiente pra ganhar a nossa preferência, nenhum heroísmo é digno de nossa reverência, sobretudo quando imaginamos uma viagem de ticket único. 

Outra Viagem Imaginária

Agora pense pelo outro lado e fantasie comigo. Imagine essa mesma viagem temporal de ficha única, só que agora para o futuro. É aí que a coisa fica nebulosa, pois quando pensamos em passear pelo passado, o amado sempre estará no entreposto entre você e o seu sonho mais significativo. Porém, quando pensamos em viajar para o futuro, os amados não se colocam como obstáculos, até porque estamos falando dos filhos que não tivemos, dos amores que não se interromperam, justamente porque nem se iniciaram.

Por exemplo, nesse exato momento, a Amazônia crepita em seu crematório fúnebre, mas pra muitos isso é um problema alheio, isso é assunto para aqueles universos únicos e irrepetíveis com as quais jamais travaremos contato. Contudo, não podemos esquecer daqueles que não fazem parte das nossas atuais estimas, nem podemos desconsiderar os rostos que ainda não conhecemos. De alguma forma somos o resultado daquilo que já aconteceu, e de algum jeito, seremos a causa de alguma outra consequência, e ao nos lembrar disso, veremos que talvez a nossa consciência poderá descansar em paz, particularmente naquele momento em que o nosso futuro tiver se tornado o passado de outrem. 

Enfim, Vai Saber, Né?

Não precisa viajar no tempo para pensar na vida, até porque a mente já é uma viagem, daquelas mais do que psicodélicas. O futuro estará lá, comigo ou “sem migo”. hoje usufruímos daquilo que já foi feito para tornar a nossa vida melhor, mas haverá alguém lá na frente, esperando que a gente faça algo para que a vida seja mais tolerável, principalmente para aqueles que estarão lá nesse futuro intangível. No fundo, somos um átomo de silício no centro dessa ampulheta, nessa constante impermanência numa areia que não cessa em cair.

Enfim, não interessa se o alvo é o passado ou o futuro, até porque a única realidade tangente é o presente. Não importa se uma viagem no tempo seria única ou repetível, até porque essa tal de ficha única está aí, agora mesmo, bem diante dos seus olhos, e ele se chama “AGORA”. É com esse bilhete que transformaremos o que temos para construir o que teremos, é com essa chance que vamos mudar a nossa vida e as vidas alheias em algo que valha a pena, onde possamos olhar pra trás, observar o nosso trajeto e sentir que toda pena valeu.

 

REFERÊNCIAS:

 

AURÉLIO, Marco. Meditações. Brasília: Editora Kiron, 2009. 

DALI, Salvador. A Persistência da Memória. 1931.

HOBBES, Thomas. Leviatã. Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. (Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva). 3. ed. São Paulo: AbrilCultural, 1983. Col. Os Pensadores.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens. L&PM, 2008.

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação. São Paulo: Contraponto, 2001.

SÊNECA. Sobre a Brevidade da Vida. Editora: L&PM Pocket, 2006. 

Fabio Brazza – De volta para o futuro.

Fabio Brazza – De volta pro passado.