É impossível saber o que Stephen teria conseguido se tivesse vivido numa época diferente, claro, e/ou se fosse saudável. Em relação a essa última possibilidade, contudo, o próprio Stephen parecia acreditar que teria conseguido menos, pois teria se concentrado menos, teria sido menos motivado pela consciência da morte iminente.

Leonard Mlodinow – Stephen Hawking: Histórias de física e de uma amizade

Leonard Mlodinow é professor de Física da Caltech (California Institute of Technology) e reconhecido escritor de divulgação científica em sua área. Mlodinow também colaborou com roteiros de alguns episódios de Star Trek: Nova Geração.  Também é um pesquisador reconhecido na área de Física Quântica, tendo sido aluno do laureado Richard Feyman.

Mlodinow conheceu Stephen Hawking em 2003, quando Stephen entrou em contato com ele para juntos escreverem Uma nova história do tempo (publicado em 2005), que foi um sucesso editorial. Uma nova história do tempo é uma versão mais compreensível do livro de 1988 (Uma breve história do tempo). Com o sucesso de Uma nova história do tempo,  Mlodinow e Hawking partiram para uma audaciosa empreitada: O grande projeto, livro que foi finalmente publicado em 2010. Mlodinow e Hawking demoraram quase 5 anos para escrever o livro, com Mlodinow fazendo viagens periódicas entre a ensolarada Califórnia e a enevoada Cambridge para concluir o trabalho. Nesse período, Hawking também viajou até a Califórnia algumas vezes e os dois autores se corresponderam por e-mail.

Essa longa e próspera contribuição entre os dois autores de best sellers de divulgação científica fez despertar uma bela amizade e Mlodinow conta em Stephen Hawking: Histórias de física e de uma amizade como foi trabalhar com Hawking em O grande projeto.

Stephen Hawking: Histórias de física e de uma amizade não é uma biografia do físico falecido em 2018, mas sim um livro de memórias de Mlodinow. Ele conta os momentos desafiadores desse trabalho em dupla, quando ele precisava ter paciência e se adequar ao tempo de Hawking, que precisava de demorados cuidados especiais e digitava poucas palavras por minuto para se comunicar. Mlodinow alterna histórias de sua própria convivência com Hawking durante a escrita de O grande projeto com histórias que ele ouviu de pessoas próximas de Hawking (cuidadores, ex-esposas, colaboradores científicos e amigos) e com explicações sobre as áreas de atuação de Stephen (física dos buracos negros, teorizações sobre a origem do universo, etc). Com essa alternância, o ritimo do livro ficou bastante interessante, uma vez que não fica preso naquelas explicações sobre Física que são mais pesadas para um leigo. A fluidez com que Mlodinow alterna entre esses assuntos é muito boa, pois permite que o leitor fique interessado em saber mais sobre física quântica e ler outros livros do próprio autor e de Hawking. Mlodinow fala sobre Física Quântica e Teoria da Relatividade e como Hawking juntou os dois assuntos para estudar os Buracos Negros de uma maneira tão suave que sugere ao leitor a ideia de que são assuntos que com certo afinco, é possível compreender. E na minha opinião, esse é o objetivo desse tipo de publicação.

Como meteorologista, meu contato com Teoria da Relatividade foi pequeno e eu não tive contato algum com Física Quântica. Felizmente no mundo da Previsão do Tempo a Física Newtoniana já dá conta do recado, mas esses assuntos sempre despertaram minha curiosidade e eu não muita dificuldade em compreender os trechos do livro em que o autor faz menção sobre o que estão escrevendo em O grande projeto ou sobre as outras áreas de pesquisa de Hawking.

Além de falar de Física, o livro nos permite um olhar humano sobre Hawking. Como ele tinha um enorme status como pesquisador e celebridade, um semi-deus, talvez muitos sequer pensassem na vulnerabilidade de Hawking. A esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença da qual Hawking sofria, começou a ter seu quadro agravado na década de 80. Na época, Hawking não era um escritor famoso e vivia somente do salário de Cambridge. Os cuidados com sua saúde – cuidados que o mantinham vivo – foram ficando cada vez mais caros ao longo dos anos. Num primeiro momento, a generosidade de Murray Gell-Mann através da Fundação MacArthur permitiram fundos para que Hawking pudesse manter a enorme estrutura de equipamentos e cuidadores da qual ele necessitava. Com o passar dos anos, seu grande sucesso editorial permitiu que ele possuísse meios para sobreviver e para viver – gostava de boas refeições, boas bebidas e passeios.

Mlodinow transmitiu com um olhar de muita sinceridade, dignidade e respeito essa ideia do Hawking humano, doente e extremamente vulnerável, dependente total da honestidade das pessoas que o cercavam. Com um importante cargo em Cambrige, ele precisava assinar concessões de bolsas e outras situações que envolviam uso de recursos (o que era feito usando sua digital). Ou seja, seus cuidadores tinham que ser pessoas extremamente honestas e comprometidas com seu bem-estar. A sinceridade de Mlodinow fica evidente quando ele fala das dificuldades em trabalhar com Hawking, tanto pela sua condição de saúde quanto pela teimosia desse grande gênio. Podemos observar uma sincera relação de amizade, onde Mlodinow é completamente transparente com seu texto claro e agradável.

Imagem da capa: montagem entre uma concepção artística de um buraco negro (Unsplash) e a capa de Stephen Hawking: Histórias de física e de uma amizade, editora Zahar.