Sei que o meu padrão aqui no Deviante é sempre escrever sobre assuntos relacionados à música, mas dessa vez serei obrigado a me desviar um pouco do caminho, pois estou vivendo algo extremamente impactante na minha vida, e que tem tudo a ver com a proposta do portal.

Acabo de comprar o meu primeiro telescópio.

Meu fascínio por astronomia e assuntos correlatos sempre existiu (talvez eu tenha que agradecer aos Cavaleiros do Zodíaco pelo meu fascínio por estrelas e aos Power Rangers pela minha adoração por dinossauros), mas lembro que ficou particularmente aguçado quando eu tinha entre 13 e 14 anos.

Havia um livrinho, pequeno e surrado, na biblioteca da escola, dedicado aos fundamentos da astronomia. Foi com ele que ganhei, por pura curiosidade, minhas primeiras noções a respeito do céu noturno que iam minimamente além do senso comum.

Com esse guia, aprendi a diferenciar visualmente estrelas de planetas, a identificar no céu a constelação de Escorpião e – minha curiosidade astronômica favorita – a história do porquê a estrela Antares ter esse nome. Pensando bem, até que eu extraí e retive bastante informação de um guia básico que li há 20 anos. Mas por esses 20 anos, minha relação com o céu noturno se resumiu a isso.

Ainda por volta dessa época, lembro de ter feito uma viagem com a escola que envolvia uma visita a um observatório. Durante a visita, o tempo estava nublado, então nunca houve a chance de observar nada diretamente através de um telescópio. E ainda assim, o fascínio que aquele lugar me causou se entranhou em minha visão de mundo. Passei a ser obcecado com a ideia de ter um telescópio.

Haviam dois principais empecilhos para isso. Primeiro, o fato de que eu morava em São Paulo, possivelmente um dos lugares mais anti-astronômicos do mundo, o que possivelmente transformaria o telescópio em um mancebo em pouco tempo. E segundo, também nessa época estava se aprofundando minha relação com a música, que viria a exercer uma força avassaladora – para o bem ou para o mal – sobre todos os meus interesses e relações ao longo dos anos seguintes.

Lembro-me de uma anedota que ilustra bem a união desses fatores: em um dos meus aniversários, meu pai perguntou o que eu queria ganhar e eu disse que queria um telescópio ou um amplificador de guitarra, mas que estava mais interessado no primeiro. Ele decidiu pelo segundo, dizendo que eu mal utilizaria o telescópio em São Paulo, e que o amplificador tinha mais chances de ser um investimento no meu futuro. E, bem… ele não estava errado. O fato é que a música entrou na minha vida ocupando o espaço de identidade, hobby, sonho de carreira e meio de socialização, e todo o resto que havia na minha vida acabou ficando ofuscado.

 

Quase uma volta de Saturno depois…

Corta para 2021. 18 anos depois que aquela centelha astronômica inicial tinha sido acesa, o meu conhecimento ainda se resumia à diferenciação entre estrelas e planetas, à constelação de Escorpião e à história por trás do nome de Antares.

Enquanto a música havia se tornado o pilar central da minha vida (frequentemente me levando a momentos de estafa física e mental), o meu interesse pelo céu noturno se manteve vivo de forma muito tênue, somente voltando à tona quando tinha oportunidade de viajar para um lugar com melhor visibilidade, ou – principalmente – quando tinha oportunidade de conversar a respeito com meu irmão, que sempre compartilhou da mesma curiosidade.

Foi em uma dessas conversas que ele me disse que, com as técnicas corretas, seria possível tirar uma foto da Via Láctea, algo que à época eu honestamente duvidei. A tentativa dele de realizar tal feito com um celular no meio de São Paulo não ajudou, mas de alguma forma aquilo ficou na minha mente.

Alguns meses depois, eu havia agendado uma viagem para Joanópolis, no interior de São Paulo, para tentar aliviar o estado de burnout que o trabalho como músico estava me causando.

Escolhemos o local pela aparência de tranquilidade e pela oportunidade de respirar ar minimamente mais puro. Astronomia não me passava pela cabeça diretamente. Mas coloquei a câmera na mochila e, antes de sair, vi o tripé encostado no canto. Pensei “por que não?” e coloquei ele junto da bagagem de forma absolutamente despretensiosa.

Eu tenho certeza que o que me levou a fazer isso foram as conversas que tive com meu irmão meses antes. E sou grato a isso até hoje, porque na primeira noite neste local eu resolvi testar a ideia maluca dele.

Na completa escuridão, levei a câmera para fora, montada no tripé, apontei para cima, mirando vagamente a constelação de Escorpião (sempre ela) e… disparei. Deixei a câmera absorvendo luz por 10 segundos, um tempo impensável para 99% das situações em que se usa uma câmera fotográfica. Quando ouvi o obturador da câmera se fechar, estava pronto para olhar para o visor e me deparar com uma imagem branca, borrada, sem o menor sentido. Mas para a minha surpresa o que eu vi foi isso:

 

Imagem de um céu estrelado. Você consegue encontrar o rabo do Escorpião?

 

Não só havia estrelas na imagem. Elas apareciam em riqueza de detalhes, e… havia MAIS estrelas do que eu conseguia ver a olho nu. De repente eu descobri que uma câmera apontada para cima me permitiria ver mais do que eu jamais havia visto, e que estranhamente isso me permitia ter uma relação de intimidade com o céu maior do que eu jamais havia tido.

Ao longo dessa viagem, eu aprofundei um pouco mais o meu conhecimento do céu, refinei a minha técnica astrofotográfica e desenvolvi uma estranha obsessão por checar aplicativos de meteorologia quando o sol estava para se por.

De repente eu voltei a ter 13 anos. Ou melhor, voltei a caminhar na direção em que estava caminhando naquela época, como se tivesse retomado a leitura de um livro há muito deixado de lado. Eis algumas das fotos que tirei na ocasião:

 

Um enquadramento em que tive a felicidade de ser ajudado por um satélite… ou seria um meteoro?

 

Olhando bem para essa foto da Via Láctea, eu consigo ver uma Tartaruga Ninja

 

O bichinho do telescópio voltou a me morder. Eu ainda morava em São Paulo, mas estava de mudança para um país – a Escócia – em que sabia que haveria mais oportunidades de cultivar minha relação com o céu noturno. Voltei a colocar isso no meu horizonte, e de repente a astronomia voltou a margear a minha vida.

No entanto, depois de me mudar, entendi que a Escócia, apesar de ser infinitamente menos poluída que São Paulo, não é exatamente conhecida por seus céus abertos e sem nuvens, o que me fez ficar por bastante tempo em um estado de questionamento se investir na exploração da astronomia aqui seria de fato uma boa ideia.

Em um dado momento, eu até fiquei na dúvida se deveria comprar um amplificador um telescópio, e, replicando a decisão do meu pai quase 20 anos antes, acabei decidindo pelo amplificador. Eu estava indo por um caminho semelhante novamente.

Até que, há algumas semanas, tive a oportunidade de visitar a Ilha de Skye, localizada a norte da Escócia e muito conhecida por suas paisagens exuberantes. Novamente resolvi levar câmera e tripé e, para minha sorte, tive uma noite de céu limpo (na verdade, foram cerca de duas horas de céu limpo em um período de três dias, um luxo em se tratando da Escócia). E lá revivi o sentimento que tinha tido anos e décadas antes, ao me deparar com as Plêiades.

 

Imagine o meu susto ao olhar para o céu e me deparar com um cacho de uva cósmico

 

Esse foi o empurrão definitivo do qual eu precisava. Voltei de Skye obcecado com a ideia de, finalmente, tornar a astronomia uma parte mais ativa da minha vida. Pesquisando um pouco, achei um modelo de telescópio que me pareceu que seria utilizável mesmo de dentro do meu apartamento, e que poderia levar para onde quisesse. E, finalmente, ele chegou.

 

Apelidei-o carinhosamente de Rãbou

 

Ainda tenho muito a aprender com ele, mas na nossa primeira noite juntos, já tive a oportunidade de ver as luas de Júpiter (do estacionamento do meu prédio) e os anéis de Saturno (da janela da minha sala). Finalmente sinto que estou fazendo jus ao meu eu de 13 anos, e, com todo respeito à Música, estou feliz por ela não ocupar mais 24 horas do meu dia (apenas 22). Agora, se me dá licença, preciso me arrumar pois tenho um encontro marcado com Andrômeda.

 

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