Hoje vim contar um pouco da minha trajetória até aqui.

Desde as aulas de ciências, na infância, eu gostei de estudar parasitas. Ficava intrigada em saber como seres tão simples tinham capacidade de causar doenças. Não entendia também como que populações eram dizimadas por bactérias, ou ainda, como que as condições sociais, econômicas e ambientais fadavam alguém a morrer de determinada condição.

Eu gostava muito de ciências, mas odiava matemática. O que mudou essa minha relação com os números foi que fiquei em recuperação na matéria. No dia da prova, estava meio doente, febril… e tirei uma nota ótima! A partir desse momento, é como se uma chave tivesse mudado e eu passei a adorar a disciplina!

Por isso, quando estava no ensino médio, procurei uma faculdade que aliasse tanto a minha fascinação pelos microrganismos quanto a matemática. Por isso, decidi cursar Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, curso, à época, recém-aberto na Universidade Federal do Paraná.

Tinha um ideal na minha cabeça quando entrei na faculdade: queria ser cientista, descobrir a cura da aids, ganhar um Nobel. Mas quando comecei a cursar as disciplinas, fiquei bastante decepcionada. O curso tinha muito de pesquisa básica e aplicada, mas era muito voltado para o trabalho em indústria. E eu definitivamente não queria trabalhar na indústria, queria fazer pesquisa na área da saúde.

Por isso, resolvi largar a faculdade de Engenharia e prestar vestibular para Medicina. Acho que já deu para perceber que eu formava uma ideia na minha cabeça, acreditava nela, sem saber ao certo se o caminho escolhido me levaria até lá. Porque medicina também está longe de formar grandes pesquisadores experimentais (não que isso não aconteça, mas não é o foco do curso).

De qualquer forma, fiquei por lá. Tinha dúvidas sobre o que fazer na residência, mas vários caminhos me levaram à Infectologia: a minha paixão inicial pelos microrganismos, o fato de ser uma área bastante objetiva – brinco que é a área mais cirúrgica das clínicas, já que você tem um agente causador claro da doença em questão e, em tese, se você elimina o agente, a doença está curada. Claro que eventualmente você tem complicações e sequelas, mas o patógeno em si foi eliminado.

Por isso prestei a prova para Infectologia no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e na Fiocruz, no Rio de Janeiro. Tive muita dúvida de para onde ir. Eu ainda tinha o ideal da pesquisa na minha cabeça, mas conversando com colegas e professores, eles me aconselharam a ir para São Paulo, pois na residência “você aprende a ser médica. Se depois quiser seguir para a pesquisa, você vai ter essa oportunidade”.

No final da faculdade, tínhamos direito a fazer dois períodos em estágios externos à UFPR e por isso vim passar uns meses no Instituto de Infectologia Emílio Ribas.  Assim que meu estágio começou no Pronto Socorro, ainda na primeira semana, atendemos uma paciente com doença meningocócica. Era uma adolescente de 14 anos que chegou bastante grave. Esse caso me marcou muito e contribuiu para que durante a minha residência eu resolvesse estudar a doença meningocócica como parte da minha monografia.

Por ser um hospital ao lado da Faculdade de Medicina da USP e do Hospital das Clínicas, muitos profissionais são das duas instituições. Tínhamos ótimas discussões nos estágios e a chefe da UTI na época era uma nefrologista também da USP. Além de médica e professora, ela também coordena um grupo de pesquisa no Laboratório de Investigação Médica do HC-FMUSP. Acabou que tudo confluiu para que eu pudesse estudar alterações renais durante a doença meningocócica e ainda fazer a parte laboratorial, que eu tanto queria.

Durante os experimentos e discussões com a minha orientadora, optei por usar um período que tinha na minha residência para estágios externos e fiquei durante três meses num laboratório de pesquisa do Public Health England, em Porton Down, Inglaterra. Lá comecei os experimentos para o que seria o meu mestrado, também avaliando alterações renais na doença meningocócica, porém em modelo animal.

Mas, por vezes, somos engolidos pela rotina e pela vida. Eu dei seguimento ao mestrado, porém acabei indo trabalhar numa área completamente diferente, que foi o de controle de infecção hospitalar. É uma área que também me fascina, mas muito longe de trabalhar com equipamentos em laboratório. Pensando no ideal do início da história, está muito mais para ser um serviço de políticas públicas (ainda que dentro do ambiente hospitalar, mas com foco em prevenção) do que para um Nobel.

Nos anos seguintes eu continuei participando de congressos e apresentando trabalhos ou participando de grupo de discussões. Pensando nesse propósito de atingir mais pessoas diretamente, comecei a participar do SciCast, na elaboração de pautas e gravação de episódios.

Pouco depois que comecei a participar, no final de 2019, iniciou a pandemia. E certamente isso fez com que eu reconsiderasse várias decisões que havia tomado. No início tínhamos todas as pessoas com muito medo, muitas incertezas e muitos questionamentos. Com o passar do tempo, principalmente porque em 2020 ainda não tínhamos vivido o pior da pandemia, que seria no início de 2021, houve retorno a velhas práticas sem levar em conta os riscos.

Por isso, após 8 anos atuando no controle de infecção, decidi reiniciar minha trajetória.

Foi assim que há um ano eu parei de atuar no controle de infecção, voltei para a assistência e agora voltei para o Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

E os próximos passos são voltar para a pesquisa, ainda não sei se clínica ou experimental. Neste ano, pretendo retomar o projeto do doutorado. Longe de achar que curarei o HIV, mas ciente das dificuldades e habilidades necessárias e, quem sabe, continuar contribuindo para levar conhecimento a outras pessoas.