Olá, meus lindes, tudo bom com vocês? Fique em casa.

Eu devo admitir que estava com um medinho de falar de mecânica quântica (MQ) aqui nos textos, mas o texto do Leo Souza (não somos parentes) me libertou disso (Clica aqui pra ver o esse texto maravilindo). Vim aqui falar um pouquinho com vocês dela, a MQ, e puxar um pouco de sardinha pra minha área de atuação, a física de materiais.

DFT é a sigla para Density Functional Theory, que pode ser traduzida como Teoria do Funcional de Densidade. Ela é uma teoria para o tratamento de sistemas no nível quântico, uma teoria que tem suas próprias equações, limitações e aplicações. Mas não vamos botar função antes do operador, vamos por partes.

Primeiro, vamos falar da MQ, aquela mesma que é usada como desculpa para charlatanice atual (o eletromagnetismo que o diga…). Ela é a teoria mecânica, não relativística, do mundo microscópico. Ou seja, ela busca explicar tudo aquilo que a mecânica clássica explica: movimento, colisões, rotações, forças, etc, só que para esse mundo micro. Vale lembrar que essa classificação é uma preferência minha, tem gente que vai dizer que a MQ é toda a teoria quântica, envolvendo também a eletrodinâmica quântica, teoria quântica de campos e outras. Na dúvida, tente entender o contexto, mas não vai fazer muita diferença, é só uma questão de nomenclatura.

Assim como a mecânica clássica tem a equação de Isaac Newton

a MQ tem a equação de Erwin Schrödinger

Ela é uma equação bem simples, pelo menos em sua forma. Esse H é o operador Hamiltoniano, nele temos todos os termos de energia cinética, aquela energia de movimento, e potencial, o Ψ é a função de onda, esse i é a unidade imaginária e esse d/dt é uma derivada, de primeira ordem, em relação ao tempo. Não se assuste com o i, ele é só um número, nem com a derivada, ela só é a forma de nos dizer que estamos medindo uma variação no tempo (por favor, não discrimine o cálculo, ele é nosso amiguinho).

A equação de Schrödinger tem uma forma simples, é uma equação curta, poucos termos, mas sua resolução é extremamente difícil. Os pais dessa dificuldade são o Hamiltoniano, que carrega toda a informação sobre a energia do sistema e tem umas energias de interação bem chatinhas de serem calculadas, e a função de onda, que é uma função com muitas variáveis, dependendo da posição de todos os núcleos e de todos os elétrons de um sistema e do tempo. Para exemplificar, imagine o sistema de 3 átomos de ouro, cada átomo de ouro tem um núcleo e 79 elétrons, logo, com míseros 3 átomos de ouro, a função de onda tem dimensão 721; 3 núcleos e 237 elétrons, cada um associado a um vetor de dimensão 3, mais o tempo.

A gente pode até, em muitas situações de cunho prático, usar a equação de Schrödinger independente do tempo. É uma forma que diminui muitos termos do hamiltoniano anterior e tira a dependência temporal, ou seja, diminui em 1 a dimensão da Ψ, mas, mesmo assim, não teremos algo que possa ser revolvido de forma analítica. Mesmo que usemos computadores extremamente potentes, demoraremos meses para ter resultados de poucas frações de segundos. Para resolver isso foi desenvolvida uma série de aproximações para ajudar os computadores a calcular isso mais rápido, mas, vocês sabem, cada aproximação é uma perda. Resta saber se essa perda vai ser relevante para o que você quer estudar ou não. Eu poderia fazer todo o caminho com vocês em algumas aproximações que nos ajudam a facilitar esses cálculos, mas seria bem complicado e desconexo sem um objetivo final de estudo, então, se quiserem ver algo relacionado, vão lá no meu trabalho de monografia (Katchiiiiiin).

Oh, meu Sagan! Com tudo isso, quem poderá nos defender??

Eu, o professor Walter Kohn.

Figura 1: Walter Kohn, 2012

Esse é Walter Kohn, o pai da DFT, teoria pela qual ganhou o Nobel em química em 1998, mesmo sendo um físico. Seu trabalho foi de extrema relevância no estudo daquilo que é popularmente entendido como matéria, (sabe? Aquilo que eu posso tocar. Se queres outras definições do que é matéria vejam no texto do Koch sobre matéria e antimatéria).

Bom, então vamos falar dela. A DFT não trabalha com a equação de Schrödinger de forma direta pois ela é uma reformulação da MQ, ou seja, ela da à MQ uma outra roupagem, outras equações, as equações de Kohn-Sham (KS).

Como o próprio nome diz, Teoria do Funcional de Densidade, a DFT tem como atriz principal uma densidade, a densidade eletrônica. Essa densidade toma o papel principal, dado anteriormente à função de onda, e isso nos ajuda muito, sabe por quê? Porque a densidade é uma função de 3 variáveis e isso diminui muito o nosso tempo de cálculo. Vamos retomar aquele exemplo anterior. Enquanto lá, para estudar o sistema, eu precisava de uma função que dependia de 723 parâmetros, agora eu tenho uma função que depende de 3 parâmetros, a posição no espaço para aquela densidade eletrônica. Não é poderoso?! Mas não se iluda, isso vale porque o meu sistema é pequeno, 3 átomos, em sistemas grandes o suficiente, seria inviável usar uma única densidade e esperar que obtivéssemos resultados aceitáveis, para isso a DFT também tem suas aproximações.

O ponto é, ela é uma teoria extremamente útil para estudar coisas que têm grande dependência da sua densidade eletrônica. Em outras palavras, materiais, materiais do dia a dia, materiais novos e essa é uma grande área da física nos dias de hoje, talvez a maior e a menos divulgada nos meios populares pelo Brasil. Para vocês terem uma noção, em 2012, a cada 2 horas um trabalho usando DFT era publicado, vou deixar um gráfico para vocês verem.

Figura 2: Número de citações do artigo de Hohenberg e Kohn de 1964(HK 1964) e do trabalho de Kohn e Sham de 1965 (KS 1965). Fonte: GIUSTINO, F. Materials modelling using density functional theory: properties and predictions. Oxford University Press, 2014.

Bom, agora vamos falar daquilo que realmente me atraiu na teoria, a palavra “funcional”, afinal, ela está no nome da teoria, como não falar?

Primeiro vamos ter uma ideia do que é funcional. O funcional é uma função só que de outras funções. Sabe a função, aquela que a gente aprende na escola, que faz um gráfico e tal? Então, funções são aquilo que pegam algo, algum objeto de um conjunto, como números, vetores, nomes, entre outros, e levam eles em escalares, em outras palavras, em números como os reais ou os complexos. Com isso em mente, o funcional vai fazer a mesma coisa, só que ele faz isso com o conjunto das funções, isso significa que ele pega as funções e nos devolve como resposta um número.

O motivo dessa palavra, “funcional”, estar no nome da teoria, é pelo que é dito nos dois teoremas base da teoria :

Teorema 1: A energia do estado fundamental, para a equação de Schrödinger de um sistema, é um funcional que depende somente da densidade eletrônica.

Teorema 2: A solução da equação de Schrödinger é obtida pela densidade que minimiza o funcional da energia.

Graças a esses teoremas nós podemos partir da equação de Schrödinger e chegar às equações de KS e estudar nossos materiais em muito menos tempo e com um bom grau de precisão hehehe.

Acho que foi isso, pessoinhas, vejo vocês na próxima. Mais uma vez, se puder, fique em casa.