O Estado Novo, instituído oficialmente em novembro de 1937, tendo à frente Getúlio Vargas, marcou, sem dúvida alguma, a inserção de uma nova cultura política no país, que agregou as bases para a formação do atual Estado brasileiro. A criação de Ministérios e a consolidação de suas legislações, direcionadas prioritariamente para as áreas educacionais e trabalhistas, configuraram as principais atenções do Estado varguista, que instituiu, sob medida, a chamada “cidadania do trabalho” como elemento definidor da cultura política em voga, quando há a substituição do cidadão da doutrina liberal pelo cidadão trabalhador.

À guisa de lembrança, mister ressaltar que Vargas chegou ao poder em 1930 através de um golpe de Estado e, com o passar dos anos, revelou-se um ditador. Em 1937, antes que se encerrasse seu mandato, instalou o chamado Estado Novo através de outro golpe, que se estenderia até 1945.

As fissuras representadas pela Intentona Comunista, em 1935, e pelos Levantes Integralistas, em 1938, catapultaram o país a uma experiência insólita de governo: um líder absoluto que contava com a empatia da sociedade.

Como medidas iniciais, Vargas fechou o Congresso Nacional, destituiu alguns comandos militares, criou a figura dos “interventores federais” em substituição aos “governadores estaduais” e instituiu uma nova Constituição. Todos os partidos políticos foram suprimidos. Tudo em prol do “bem-estar da Nação”.

No elenco dos objetivos desse Estado autoritário, a educação inseria-se como ferramenta de caráter político-ideológico, o que faria do processo educacional e de seus instrumentos pedagógicos verdadeiros baluartes de propaganda do regime. A construção das representações, entendidas como símbolos culturais presentes na sociedade, pode refletir de maneira instigante a compreensão político-cultural de uma época. Por sua vez, o ensino nas escolas consolida “modelos de educação”, destinados a desencadear nos alunos novos valores e novos modelos formadores. Estas construções buscam legitimidade através de ideais forjadores de uma identidade coletiva.

O ensino de História, visto por muitos como esclarecedor de preceitos, é extremamente visado e alvo direto em regimes autoritários. Nestes períodos, seus dispositivos didáticos guardam a retórica do momento político-cultural e exprimem as “verdades” do país, através das correntes de pensamentos predominantes, desenhando uma sociedade harmônica e pacífica.

A ideologia do Estado Novo enfatizava principalmente a ideia de construção da nação e da nacionalidade brasileira sob a tutela do Estado. Para ter o controle dos meios de comunicação e formar uma opinião pública favorável ao governo, foi criado em 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP. O DIP fez a promoção das atividades do governo nas esferas cultural, social e educacional, objetivando que não houvesse contestação por parte do público. A meta era apresentar as transformações cumpridas na ação estatal.

VELLOSO registra que o Departamento, “criado pelo decreto presidencial de dezembro de 1939, […] sob a direção de Lourival Fontes, viria materializar toda a prática propagandística do governo. A entidade abarcava os seguintes setores: divulgação, radiofusão, teatro, cinema, turismo e imprensa. Estava incumbido de coordenar, orientar e centralizar a propaganda interna e externa; fazer censura ao teatro, cinema, funções esportivas e recreativas; organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, concertos e conferências; e dirigir e organizar o programa de radiodifusão oficial do governo” (VELLOSO, 2010, p. 158).

Por sua vez, LENHARO assevera que “a propaganda varguista projetava para a sociedade uma só imagem de si mesma, imersa num mundo de ficção, a competir com o mundo da sua realidade. O peso dos erros do passado fora afastado; a sociedade antes dividida e conflituosa, agora, encontrava o caminho da paz e do equilíbrio; o trabalhador, por sua vez, finalmente tinha a seu favor um Estado protetor e justo; a nação reencontrava-se consigo mesma e abria-se confiante para o progresso econômico” (LENHARO, 1986, p. 39).

A estratégia getulista para a educação foi centralizar as ações, com a criação do Ministério da Educação e Saúde, ainda em 1930. A organização educacional partiu do centro para a periferia, isto é, era uma estrutura verticalizada, sem participação da sociedade, e doutrinária. O próprio Getúlio Vargas enxergava na educação um pilar para sustentar sua imagem pública (“pai dos pobres”) e, assim, ajudar a moldar a opinião coletiva. A função do governo seria tutelar a população.

A “missão” de reformar o ensino coube a Gustavo Capanema, que, além de regulamentar o Ensino Primário e o Ensino Secundário, determinou a criação de órgãos fiscalizadores para os cursos de formação de professores. Docentes estes que, a partir do Estado Novo, deveriam utilizar o material didático elaborado pelo DIP, a fim de que o patriotismo e o civismo pudessem tocar os corações de crianças, jovens e adultos, verdadeiros bastiões para a grandeza do país.

CAPELATO registra que “as imagens e os símbolos eram difundidos nas escolas com o objetivo de formar a consciência do pequeno cidadão. Nas representações do Estado Novo, a ênfase no novo era constante: o novo regime prometia criar o homem novo, a sociedade nova e o país novo. O contraste entre o antes e o depois era marcante: o antes era representado pela negatividade total e o depois (Estado Novo) era a expressão do bem e do bom” (CAPELATO, 2010, p. 123).

A visão governista da educação é também salientada por AMARAL: “a atuação da educação no governo Vargas tinha como meta o nivelamento de inteligência entre as classes, sempre voltada para o benefício do regime”. Através da educação “a nação sairia das crises econômica e moral”. Em um capítulo intitulado “O DIP e a educação”, a autora sustenta que “a interligação entre DIP e Ministério da Educação e Saúde” fez “da educação e da propaganda atividades paralelas, em que uma completava a função da outra” (AMARAL, 2001, p. 81).

HENN, a partir de FREITAG, menciona que a política educacional do Estado Novo “não se limita à simples legislação e sua implantação. Essa política visa, acima de tudo, transformar o sistema educacional em um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas. Outrora totalmente excluídas do acesso ao sistema educacional, agora se lhes abre generosamente uma chance. São criadas as escolas técnicas profissionalizantes (‘para as classes menos favorecidas’). […] o trabalho nos vários ramos da indústria exige maior qualificação e diversificação da força de trabalho, e, portanto, um maior treinamento do que o trabalho na produção açucareira ou do café” (FREITAG, 1980, p. 52, apud HENN, 2013, p. 1045).

REZNIK (1992, p. 100) propõe a compreensão do ensino de História como elemento de desenho do perfil doutrinário do Estado no período getulista, pontuando através dos livros didáticos e programas curriculares da época as principais formulações do ensino de História, em particular da cadeira História do Brasil. O autor acredita que aqueles que integravam o debate da época esperavam estar influindo, a partir da educação escolar, na construção da nação brasileira, ao formar um novo tempo, tecendo o amanhã. Estudar a História Nacional era uma causa eminentemente cívica, formadora de uma “consciência nacional”. Através do conhecimento do passado, os indivíduos criariam e reafirmariam o seu apego à nacionalidade, à pátria.

Importante ressaltar a inserção dos livros didáticos no mercado editorial da época. O Decreto-Lei 1006/1938, instituiu a Comissão Nacional do Livro Didático. Essa comissão, agregada ao Ministério da Educação, tinha por norte o controle da confecção dos livros destinados aos estudantes brasileiros. Necessária e evidentemente, nenhum livro poderia ser publicado ou distribuído às escolas se não passasse pelo crivo do Ministério. “Como o Estado Novo era uma ditadura, entende-se a aprovação do governo ao material didático como uma espécie de censura. As informações que chegavam às salas de aula eram, portanto, controladas pelo governo, usando a educação como um instrumento de poder” (CAVAZZANI e CUNHA, 2017, apud MEDEIROS, 2020, p. 850).


Texto originalmente apresentado no 8º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História – set. 2022

 

A parte 2 sairá na sexta-feira, dia 21/10/2022.

 

Referências bibliográficas

AMARAL, Karla Cristina de Castro. Getúlio Vargas: o criador de ilusões – análise da propaganda política no período do Estado Novo. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2001. (Dissertação de mestrado).

CAPELATO, Maria Helena Rolim. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida das Neves. O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

HENN, Leonardo Guedes. A educação escolar durante o período do Estado Novo. In: Revista Latino-Americana de História, vol. 2, n. 6, ago. 2013. PPGH-UNISINOS. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/view/254

MEDEIROS, Gabriel Saldanha Lula de. Era Vargas: a Educação como Instrumento Político. In: Id on Line – Revista Multidisciplinar e de Psicologia, vol. 14, n. 50, mai. 2020. Disponível em: http://idonline.emnuvens.com.br/id

REZNIK, Luis. Tecendo o amanhã: a História do Brasil no ensino secundário – programas e livros didáticos. 1931 a 1945. Niterói: UFF, 1992. (Dissertação de mestrado).

VELLOSO, Monica Pimenta. Os intelectuais e a política do Estado Novo. In FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo do nacional- estatismo do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 2010.