Em setembro de 2023 o Programa Nacional de Imunizações (PNI) completou 50 anos. Não há dúvidas de que esse é um dos programas de maior sucesso do Brasil. Lançado no ano da certificação da erradicação da varíola no país, primeira doença mundialmente erradicada graças aos esforços de vacinação em massa, o PNI hoje distribui 45 imunobiológicos, boa parte produzida no Brasil.

Com o propósito de se tornar autossuficiente, o atual governo brasileiro planeja ampliar essa produção. Para isso, irá investir mais de R$ 42 bilhões na construção de novas fábricas em parceria com a Fiocruz e o Instituto Butantan até 2026.

IMPACTO DAS VACINAS NA SAÚDE PÚBLICA

Não foi só no Brasil que a varíola foi erradicada, já que esta foi a primeira doença a ser mundialmente eliminada através da vacinação. A última pessoa infectada pelo vírus foi Ali Maow Maalin, na Somália em 1977. Ele trabalhava como cozinheiro num hospital e havia recusado a vacinação. Felizmente, Ali teve uma forma mais branda da doença e sobreviveu, vindo a falecer apenas em 2013.

À época, o caso dele desencadeou uma série de ações locais na tentativa de conter a doença. Além do isolamento em casa, o hospital em que Ali trabalhava ficou fechado e em quarentena e todas as pessoas do hospital foram vacinadas, assim como pessoas que moravam próximas a ele. Para exemplificar o esforço, em 14 dias mais de 50 mil pessoas receberam o imunizante para prevenir o surgimento de novos casos. Três anos depois, a Organização Mundial da Saúde declarou a varíola globalmente erradicada.

Na mesma época o Brasil implantava o PNI, que diminuiu a mortalidade infantil e aumentou a expectativa de vida em 30 anos. Certamente outras ações foram tomadas no período, como melhoria do saneamento básico, mas a redução da circulação de agentes infecciosos acaba tendo benefício não só na população vacinada como em outros grupos vulneráveis, como idosos.

 

CONSTANTE ATUALIZAÇÃO DO CALENDÁRIO VACINAL

O primeiro calendário vacinal do PNI foi criado em 1977 e contemplava tuberculose (BCG), poliomielite, sarampo, difteria, tétano e coqueluche e eram obrigatórias em todo o território nacional para crianças menores de um ano de idade. Já no ano seguinte o calendário foi ampliado, incluindo varíola para crianças que cursavam a 1ª série do 1° grau à época. Neste mesmo ano a cobertura vacinal atingiu 40%, o dobro do registrado três anos antes.

Os Dias Nacionais de Vacinação foram criados em 1980, com foco na vacinação contra a pólio. Posteriormente, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) recomendou essa estratégia para toda a América Latina. O último caso de poliomielite com vírus selvagem registrado no Brasil aconteceu em 1989, na cidade de Sousa/PB. Cinco anos depois, o Brasil e mais 36 países receberam o certificado de erradicação da doença.

A vacina contra Hepatite B entrou no calendário na década de 1990, inicialmente restrita a grupos de maior risco e posteriormente ampliada até a recomendação atual, que é a vacinação universal. Na sequência, outros imunizantes incorporados foram tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), Haemophilus influenzae tipo b, influenza e pneumocócia.

Os calendários básicos de vacinação da criança, do adolescente e do adulto e idoso foram criados em 2004 contendo nove tipos de imunizantes: BCG, hepatite B, tríplice bacteriana e Haemophilus influenzae, pólio oral, febre amarela, dupla ou tríplice viral, influenza, pneumocócica e dupla bacteriana adulto.

Posteriormente, tivemos a inclusão de outras importantes vacinas, como varicela, meningite meningocócica, HPV, vacina inativada contra poliomielite, hepatite A, rotavírus, além da ampliação dos grupos vacinados no calendário básico. Ainda, há outras disponíveis para grupos com maior risco de adquirir determinadas doenças em Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE), como a população vivendo com HIV, com doença renal crônica, entre outras.

 

SELEÇÃO DE VACINAS

É importante salientar quais os critérios para a seleção das vacinas que serão administradas. Por exemplo, o nosso calendário básico é diferente de outras partes do mundo, já que cada país tem uma realidade diferente em relação à transmissão de doenças. Inclusive, há divergências mesmo dentro do mesmo país. Até pouco tempo atrás, a vacina contra febre amarela não era recomendada em todo o território nacional. Entretanto, com a epidemia de 2017, o imunizante passou a ser recomendado no calendário básico infantil com uma dose aos nove meses e outra de reforço aos quatro anos de idade.

Por isso, a vigilância epidemiológica tem papel fundamental na recomendação de quais vacinas serão incorporadas ao calendário básico. A fim de monitorar doenças emergentes ou surtos, o Brasil criou, na década de 1970, uma lista com as doenças de notificação compulsória, atualizada regularmente conforme o cenário epidemiológico. E embora haja uma lista nacional, cada estado ou município pode acrescentar outras doenças que julgar relevantes.

Dessa forma, todo profissional de saúde pode e deve notificar a vigilância da ocorrência de casos. Entretanto, não são apenas doenças infecciosas que devem ser notificadas através deste sistema. Por exemplo, a violência interpessoal ou autoprovocada também devem ser reportadas ao Ministério da Saúde através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

Pois é através da análise dos dados fornecidos pelos profissionais, sejam eles públicos ou privados, que o governo decide quais vacinas serão incorporadas, através de estudos técnicos de custo-efetividade. Ainda, esse mesmo banco de dados auxilia em campanhas de conscientização, seja para prevenção de doenças ainda sem vacinas, como o HIV, ou contra a violência sexual.

 

PNI EM CONSTANTE (TRANS)FORMAÇÃO

Entretanto, há muito ainda para avançar dentro do Programa Nacional de Imunizações. O primeiro desafio é recuperar a cobertura vacinal, que já foi superior a 95% em 2015.

Segundo dados da OMS, cerca de 26 milhões de crianças não receberam uma dose sequer de vacina em 2021. Enquanto isso, o Ministério da Saúde informou que a cobertura no território nacional caiu para patamares de 1987, atingindo 75%. Naquele mesmo relatório, o Brasil é o segundo país com maior risco da volta da poliomielite, atrás apenas do Haiti, que sofre com sérios problemas políticos e de violência entre gangues.

Outro ponto de atenção é a dependência de insumos do mercado externo. Durante a produção de vacinas contra Covid nos deparamos com diversas notícias da falta de IFA, necessário para a produção de vacinas. Com o intuito de diminuir esse problema, o governo federal tem investido em novas fábricas como comentado anteriormente.

Por fim, é preciso combater a desinformação. No início do ano o SciCast lançou uma série de podcasts em conjunto com a Pfizer com esse propósito (links disponíveis nas referências desse texto). E nesse caso o PNI é vítima do próprio sucesso. Visto que não vemos mais os quadros graves das doenças erradicadas pelas vacinas, muitos pais têm dúvidas sobre vacinar seus filhos.

Por isso, faça a sua parte! Vacine-se e ajude a divulgar informação de qualidade! Não sabe se está com vacinas atrasadas? Basta procurar a UBS da sua região com a carteira de vacina em mãos! Perdeu a carteira? Não tem problema, pois uma nova será fornecida. O que não pode é ficar desprotegido!

 

REFERÊNCIAS

  1. The world’s last smallpox patient – https://www.gavi.org/vaccineswork/how-covid-19-world-can-learn-last-person-get-smallpox
  2. Balalai, Isabela.Vacinação e Longevidade – Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, 2017; 20(6): 741-742. Disponível em https://www.scielo.br/j/rbgg/a/779nbZXNmVSqpGpzmYfctBD/?format=pdf&lang=pt
  3. Scicast #511: Vacinas e o Sistema Imune. Locução: Tarik Fernandes, João Ferreira, Crhisllane Vasconcelos, Thais Boccia. [S.l.] Portal Deviante, 18/11/2022. Podcast. Disponível em: https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast-510
  4. Scicast #521: Cartão de Vacinas. Locução: Tarik Fernandes, Karin Kolbe, Antonio Lucas. [S.l.] Portal Deviante, 16/01/2023. Podcast. Disponível em: https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast-521
  5. Scicast #523: Fake News e as Vacinas. Locução: Tarik Fernandes, André Bacchi, Juliano Froder. [S.l.] Portal Deviante, 23/01/2023. Podcast. Disponível em: https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast-523