Diferentemente de seus antecessores,  a política externa durante os dois governos de Bill Clinton (1993 – 2001) ocupou um papel secundário. Alguns pontos merecem destaque, como o reconhecimento da Palestina e a pressão feita pelo presidente para que a OTAN interviesse junto à Guerra da Bósnia (1992 – 1995). Porém, o silêncio em relação ao Genocídio ocorrido em Ruanda (1994) demonstra o quanto a política externa possuía um papel acessório em sua administração.

Apesar desse cenário, os anos de Clinton a frente da presidência são importantes para entendermos a escalada que nos levou aos eventos do Onze de Setembro. Afinal de contas foi em seu governo que a temática do terrorismo entrou em pauta nos EUA e passou a receber uma atenção e legislação especial sobre o assunto.

A este respeito, dois eventos merecem destaque: o atentado terrorista ao World Trade Center (WTC), em fevereiro de 1993, e a Explosão do Prédio Federal em Oklahoma, em abril de 1995. No atentado terrorista ao WTC, um caminhão bomba detonou uma das galerias do subsolo da torre norte, deixando seis mortos e mil pessoas feridas. O ataque foi liderado por Ramzi Yousef que possuía vínculos com a Al-Qaeda e planejou a operação de dentro do próprio EUA.

O segundo acontecimento, o atentado terrorista de 1995, causou a morte de 168 pessoas e foi organizado por dois cidadãos norte-americanos ligados a movimentos de extrema-direita e que rotulavam a administração Clinton como sendo “apocalíptica”. Seus nomes: Timothy McVeigh e Terry Nichols.

Atentado a Oklahoma, 1995.

Timothy McVeigh (esquerda) e Terry Nichols (direita).

Entre os motivos do ataque estava o avanço de uma pauta progressista nos EUA, com as discussões em torno da união homo afetiva. Conforme escreveu Phillip Jenkins (2012, p. 260-261):

Na melhor tradição liberal, Clinton via o Estado como um agente potencial do bem. Apoiava a expansão dos poderes e obrigações estatais em áreas como a regulação das armas de fogo, a eliminação de restrições legais contra os homossexuais e a defesa do direito legal do aborto. […] No entanto, as suas políticas acirram os ressentimentos sobre a moral e os papéis sexuais que cresciam desde os anos 1960. Para os opositores conservadores, o Estado ideal de Clinton representava o triunfo do feminismo e dos costumes anti masculinos, uma negação de todos os valores nacionais e militares que haviam feito a grandeza da nação. […] Os anos 1990 assistiram a um recrudescimento do extremismo de direita, frequentemente baseado na religião.

De qualquer forma, os ataques provocaram uma reação no campo da legislação antiterror nos EUA. Em 1996, Clinton assinou duas leis nesta direção o Antiterrorism and Effective Death Penalty Act (AEDPA) e o Illegal Immigration Reform and Responsibility Act (IIRIRA), esse último correspondia a uma maior rigidez do controle da imigração e de novos parâmetros para a deportação.

A temática da imigração é importante nesta questão, pois, não deixou de ser uma resposta às insatisfações dos opositores de Clinton. Afinal, foi justamente em seu governo que os EUA contou com o maior número de imigrações legais desde o pós segunda guerra, com cerca de 24 milhões de pessoas, sendo metade desse contingente formado por latino-americanos. Uma diferença da imigração desse período para as das décadas anteriores foi o fato de que a maioria das pessoas que chegaram aos EUA possuíam uma boa formação escolar e, por isso, disputaram vagas por melhores empregos no mercado de trabalho estadunidense.

Assim, no segundo mandato de Clinton, aumentou o clima de descontentamento dos grupos conservadores contra a pauta progressista de costumes e contra o avanço de latinos sobre seus empregos. Ao mesmo tempo, crescia a leitura de que os anos Clinton inseriram os EUA em um universo multicultural avesso aos valores americanos.

Tal visão, de que a perda de tais valores estavam atrelados à imagem do presidente, ganharia uma “confirmação” com a veiculação do escândalo sexual envolvendo Clinton e uma estagiária de seu gabinete, Monica Lewinsky, em 1998.

Bill Clinton e Monica Lewinsky

O descontentamento com o governo pioraria com o estouro da bolha .COM no início do ano 2000. Naquela oportunidade o mercado www perdeu cerca de 80% do valor ganho nos dois anos anteriores. Além de uma bolha especulativa, o surgimento da internet promoveu o aparecimento de plataformas e ambientes virtuais de compartilhamento de informações que contribuíram para o aumento da “guerra cultural” entre um “liberalismo globalista” e “os verdadeiros valores americanos”.

Desta forma, a crise econômica e a “crise moral” do governo Clinton serviram como o combustível necessário para que George W. Bush trabalhasse em torno da reorganização do campo conservador. Foi assim que durante a campanha para a presidência, o candidato Republicano se apresentou como uma opção àqueles anos de globalização, com os olhos voltados mais para a América e seus valores, e menos para o mundo e para a agenda global, personificada pela promessa de retirada dos EUA do tratado de Kyoto.

Este posicionamento era oriundo de uma leitura de mundo unipolar e de consolidação da hegemonia dos EUA como única superpotência, permitindo que Bush defendesse um tipo de “isolacionismo expansionista” que,

embora paradoxal, essa combinação de expansão com isolamento pode ser explicada: a despeito de seu teor hegemonista e internacionalista, associada à promoção da ordem e do experimento, essa estratégia remonta à obtenção de total liberdade de ação e margem de manobra. Ela considera o sistema perigoso, retomando o tema do constrangimento representado pelas alianças permanentes (PECEQUILO, 2005, p. 364).

Seguindo tal diagnóstico, o governo investiria menos em acordos multilaterais e apostaria mais em acordos bilaterais, retomando no discurso a uma velha tradição americana de pactos não perenes. Ao mesmo tempo, China e Rússia sairiam da condição de aliadas para serem compreendidas como nações concorrentes.

No plano doméstico, o discurso era pela retomada da fórmula neoconservadora de redução da participação do estado na vida pessoal, valorização da tradição cristã americana e o corte de impostos para incentivar a retomada da economia após a crise da bolha .COM.

A Florida em disputa, eleições de 2000

Esses foram os projetos eleitos em novembro de 2000. Em uma eleição bastante acirrada, George Bush se converteria no 43o. Presidente dos EUA, vencendo o então vice-presidente Al Gore. Por conta de divergências inconciliáveis envolvendo a contagem de votos no estado da Flórida, o resultado foi bastante contestado, atrasando em alguns meses o início da transição de gabinete.

Para alguns, o atraso no estabelecimento de uma nova equipe de governo contribuiu para que, no ano seguinte, os EUA fossem vítimas do maior ataque terrorista de sua história.

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Referências:

PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. 2 ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2005.

JENKINS, Philip. Uma história dos Estados Unidos da América. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2012.

As Eleições Mais Emocionantes da História dos EUA – 2000

https://www.youtube.com/watch?v=sJrV_Y-o8uE

The Clinton Years, or the 1990s: Crash Course US History #45

https://www.youtube.com/watch?v=-rboN6F2g-k&t=136s