No dia 12 de maio de 2025, o Brasil foi surpreendido com uma notícia alegre. A pesquisadora Mariângela Hungria foi agraciada com o prêmio mundial “The World Food Prize”, ou também conhecido como “Nobel da Agricultura” [1]. A premiação reconhece esforços pessoais na melhoria da qualidade, quantidade e disponibilidade de alimentos em todo o mundo. Ou seja, no combate à insegurança alimentar.
O motivo de sua premiação, aliás, é uma das maiores inovações atuais no campo das ciências agrárias: a biofertilização. Sua técnica é o aprimoramento de um recurso rural já existente, o que eleva nossos conhecimentos de funções biológicas e desenvolvimento agrícola a patamares nunca antes aplicados.
Segundo estimativas oficiais, 127,5 bilhões de reais são economizados com a biofertilização, que ainda resguarda grandes potenciais bioeconômicos [1]. Apesar disso, muitos gestores rurais não conhecem essa conquista da tecnologia, deixando-nos com dificuldade de adesão e a posterior colheita de benefícios diretos e indiretos.
No texto de hoje, pretendo mostrar resumidamente como é a técnica de biofertilização, bem como a versão revolucionária de Mariângela e sua equipe. Afinal, qual o motivo que temos para celebrar este produto? Existem benefícios ambientais verdadeiros com seu uso? É o que vamos ver agora!
A prática consiste no processamento de matéria orgânica em meio líquido para que ocorra a fermentação, que é um processo sem a presença de gás oxigênio na produção de energia dessas bactérias anaeróbias [2]. Assim, espera-se que se possa formar uma colônia de microrganismo eficazes – EM – que são responsáveis por oferecer substâncias benéficas às plantas.
Com este princípio, ocorre a produção de componentes que são necessários à disponibilização de nutrientes, produção de hormônios de crescimento vegetal e protetor contra pragas e vírus. A cultura inicial de microrganismos pode vir de uma ampla variedade de componentes vegetais, incluindo leguminosas, cascas, sementes e nozes.
Aqui em casa, as plantas são biofertilizadas com borra de café fermentado, e elas parecem gostar disso. Muitos agricultores já começaram a utilizar o mesmo princípio em escala maior [6]. Parece que nós, brasileiros, temos o dom único para achar algum resíduo e fazer agrado para nossas plantas. Mas a técnica pode ter seus riscos.
A biossegurança é um reforço necessário a ser estabelecido neste modelo de produção de fertilizantes. O manejo irregular e sem nenhum controle é passível de desenvolver microrganismos não desejáveis, podendo ser patogênicos e contaminar os vegetais fertilizados. É um perigo muito grande à alimentação, por isso tantos programas de extensão para ensinar boas práticas com a técnica na agricultura.
Um biofertilizante natural praticamente é feito dessa forma, meio artesanal e com grande ênfase em reaproveitamento de resíduos rurais. Porém, a técnica de Mariângela é diferente, menos rústica e com uma pitada única da singular ciência brasileira.

Imagem um. A biofertilização transforma a realidade rural por promover a recuperação de resíduos agroindustriais a novos usos. Além de fácil manuseio e matéria prima barata, a técnica também responde pela diminuição no tempo de cultivo [3]. Na figura, um manipulador está irrigando brotos adubados com biofertilizante.
Precisamos começar do início aqui: um fertilizante é todo componente capaz de fornecer nutrientes às plantas, geralmente macrominerais (como nitrogênio, fósforo e potássio) e microminerais. Assim, esses vegetais terão ampla disponibilidade de elementos para formar proteínas, celulose, óleos e outros componentes necessários à sua manutenção.
O nitrogênio é uma das principais barreiras ao crescimento celular. Presente em abundância em proteínas, o elemento é essencial para formar tecidos e outras estruturas. Sem ele, a planta desenvolve uma série de doenças e desenvolvimento retardatário. No solo, o nitrogênio está presente em quantidade reduzida, especialmente quando comparado ao ar, que é rico em gás nitrogênio (N₂) — uma forma que as plantas não conseguem absorver diretamente. No solo, o nitrogênio está presente em pouca quantidade, especialmente quando comparado ao ar, que é rico em gás nitrogênio (NO₂), uma forma que as plantas não conseguem fixar — ou seja, não conseguem captar e utilizar diretamente.
No caso da pesquisa de Mariângela, a questão cai justamente nesse foco. A matéria orgânica tratada serve para inocular, no solo, as bactérias que são fixadoras de nitrogênio: as bradyrhizobium [4]. Esta inoculação precisa ocorrer em meio aeróbio, ou seja, com a presença do gás oxigênio, diferente da biofertilização “natural” que já vimos. E também temos essa seletividade maior sobre os microrganismos escolhidos.
Essa bactéria, então, vai “pegar” do ar este nitrogênio presente em menor quantidade no solo, aumentando a disponibilidade dele na terra, em formas químicas que os vegetais sabem capturar. Digamos então que é uma fixadora de nitrogênio.
Quando em coinoculação com a bactéria azospirilum braziliense, a eficiência em fixação de nitrogênio aumenta ainda mais, diminuindo significativamente o uso de adubos nitrogenados nas culturas agrícolas. Ambas as colônias bacterianas, quando alcançam as raízes das plantas, associam-se com as mesmas e criam benefícios para todos os envolvidos.
A fixação biológica de nitrogênio, então, é o processo que ocorre usando as bactérias nitrificantes presentes no solo para retirar nitrogênio da atmosfera e formar amônia, que é um fertilizante natural [5]. O nitrogênio, na sua forma de gás (N2), não está pronto para ser usado pela planta, em virtude das ligações químicas entre estes dois átomos serem bem fortes. Porém, existem essas bactérias que usam este gás para fazer sua energia, liberando componentes mais disponíveis à planta.
Quando adubamos o solo com uma cultura rica em matéria orgânica + bradyrhizobium, temos o ambiente perfeito para que, depois de um tempo, as raízes das plantas se fixem a estas bactérias e criem o ecossistema perfeito de trocas de nutrientes. Este processo chama-se nodulação, pela presença dos nódulos que se formam nessa rizosfera das plantas (ecossistema das espécies presentes nas raízes).
A planta, por sua vez, faz com que ocorra a troca de nutrientes essenciais às bactérias nestes nódulos, facilitando a entrada de leghemoglobina — um parente “próximo quimicamente” das nossas hemoglobinas — que trazem oxigênio às bactérias e protegem contra a desativação os seus produtos químicos de quebra do N2, a nitrogenase. Nessa associação mutualística, ambos saem ganhando e muito.
O nitrogênio, na sua forma mais disponível à planta, é a amônia (NH3). A eficiência de fixação de nitrogênio, ou seja, quanto N2 consegue virar NH3, é determinada por diversos fatores, como: estágio de crescimento da planta, doses de inoculação de biofertilizantes e eficiência do solo [5]. Na cultura de soja, por exemplo, a taxa de fixação consegue ficar entre 60-250 kg de nitrogênio por hectare plantado.
Além de ser muita coisa, a tecnologia permite diminuir o uso de fertilizantes nitrogenados, que são menos eficientes em fixação, e acabam por serem utilizados em um contexto que diminui a diversidade de seres no solo, incluindo microrganismos. Este estigma nos deixa mais propícios à infestação, pestes e doenças na agricultura, diminuindo por vez as plantações.

Imagem dois. Nódulo interno de raiz avermelhado pela concentração de leghemoglobina [5]. Na figura, é possível observarmos a distinção destes módulos e como rastreamos os efeitos da biofertilização.
Estimou-se que, só em 2024, a tecnologia foi responsável por economizar 25 bilhões de dólares que seriam utilizados com fertilizantes nitrogenados [4]. No mesmo ano, observou-se que a tecnologia é adotada em 85% da área total de cultivo da soja. Evitou-se também a emissão de 230 milhões de toneladas de carbono na atmosfera, que, como já vimos aqui, é um importante gás de efeito estufa.
Celebrar o trabalho de Mariângela é reconhecer que é possível fazer mais com menos, como ela bem pontua ao destacar a necessidade de sustentabilidade nas produções agrícolas [4]. Apesar de ser um trabalho de uma pesquisadora e de um grupo de pesquisa, é uma conquista que merece ser celebrada por todos nós, brasileiros e estudiosos de segurança alimentar.
Além de fortalecer a bioeconomia, área em que o nosso país tem grande potencial, a técnica é um dos maiores exemplos de como as novas tecnologias podem se desenvolver de forma mais simples e rústica para enfrentar o domínio de fertilizantes na agricultura. Adotar esse tipo de solução não é apenas uma forma de respeitar nossas culturas, mas também de revelar o potencial ainda maior do estilo de vida que cultivamos em nossas terras.
Para uma pessoa que reforça que seu trabalho é fazer mais com menos, temos um exemplo vivo de como é possível aspirarmos objetivos grandiosos na ciência e agricultura somente entendendo nossas raízes, tanto culturais quanto vegetais!

