“Como vamos” criaturas bípedes que habitam esse planeta azul que chamamos de Terra? Espero que todos estejam bem. Sei que não está sendo fácil para ninguém por causa da pandemia e pelos tempos sombrios que a nossa ciência está passando não só no Brasil como no mundo, e seria um pouco retórico da minha parte dizer que vai melhorar e etc. (Acho que já estamos um pouco saturados de vídeos de psicólogos ou teóricos que gostam de dar palpites dizendo que tudo voltará ao normal, o que de certa forma é verdade dependendo da escala de tempo utilizada).


Também tive que me adaptar e, como professor, estou dando aula de forma remota (taí uma bela pauta para o Scicast, fica à dica para direção, #aulasremotanapandemia) e a proximidade com estudantes, o olho no olho e outras coisas estão fazendo uma falta inacreditável. O “novo” normal está aí para nos acostumarmos, não é mesmo? Mas hoje o meu texto é para responder uma pergunta que a chefia (Debbie Cabral) repassou para o grupo dos redatores com uma dúvida de nossa grande, maravilhosa e seleta audiência, sobre os números irracionais. O que são? Onde vivem na reta numérica? Do que se alimentam? E por que eles foram os causadores da ira de Pitágoras e sua escola? Enquanto espero o Átila fazer um vídeo liberando a galera da quarentena, eu decidi pegar esse desafio e vou tentar usar as minhas habilidades ninjas ultra mega pedagógicas do supletivo (brincadeira) para tentar elucidar de uma vez por todas esse conjunto numérico bem do esquisito.

Quando estamos no ensino fundamental e médio, passamos por uma matéria engraçadinha no começo que é chamada de Conjuntos Numéricos. Por que engraçadinha? Porque ela parece fácil de início, mas conforme entramos páginas adentro a coisa vai ficando feia, com gráficos, demonstrações e outros. Vamos nos ater apenas aos conjuntos. O primeiro conjunto que aprendemos de fato, mesmo não tendo idade escolar, é o dos números naturais, representados pela letra N. O nosso primeiro conjunto é onde o mundo é todo positivo e suas contas são as mais simples possíveis. Quase todo o livro didático começa com uma foto de um osso marcado datado de milhares de anos conhecido como Osso de Ishango.

Depois passamos para os números inteiros, representados pela letra Z, quando descobrimos que existe vida antes do zero e percebemos também que cada número está acompanhado de um sinal (Sim! Aquele sinal do “mal” que subtrai as coisas). O sinal representa que aqueles números estão ali por um motivo e que são a outra face da moeda tendo a mesma distância de seus irmãos positivos. Um pouco à frente aprendemos que podemos dividir as coisas, que existem números entre 1 e 2 ou 0 e -1. Esses são os conjuntos dos números racionais que são representados pela letra Q. Esse conjunto é formado por todos os números que podem ser escritos na forma p/q, lembrando que o valor de q não pode ser zero (1º mandamento da matemática: “Não dividiras por zero”). E por que disso? Porque não faz sentido. Imagina vocês, com 10 jujubas para repartir entre “zero pessoa”, quantas jujubas vocês dariam para cada um? Isso é um absurdo, concordam?
Fiz essa rápida recapitulação para mostrar a loucura que são os números Irracionais (representados pela letra I) e sim são números de verdade que podemos representar em uma reta numérica. Para entendermos um pouco sobre esse conjunto, temos que partir de uma pequena abstração. Pensem em uma reta numérica como representada aqui com os números naturais.

Agora olhe os números inteiros:

Os números racionais:

Conforme vamos preenchendo os números até o conjunto dos números racionais, vamos tendo um preenchimento de quase toda a reta. Mas é possível encontrar ainda alguns espaços faltando. E isso foi uma grande descoberta da escola pitagórica:  perceber que existiam números que não pertenciam ao conjunto dos números racionais. Na verdade, foi um paradigma para eles, que acreditavam tanto na perfeição matemática. Existem várias histórias interessantes e pitorescas sobre Pitágoras e sua escola, como o cachorro sendo açoitado e o feijão em quarentena (ele acreditava que como o feijão lembrava um feto, talvez colocando ele em quarentena o grão se transformaria em um humano). Claro que são histórias antigas e que provavelmente não aconteceram, mas fica a dica de pesquisa. Também conhecemos a dízima periódica, damos esse nome quando o número vai se repetindo após a vírgula, seguindo um padrão 0,333; 34,456456456 ou 2,1616. Essa repetição continuará para todo o sempre. Existem dois tipos de dízimas periódicas: a simples e a composta.

– Simples: é quando o período aparece logo após a vírgula; {0,444; 2,5656…}

– Composta: acontece quando, após a vírgula, aparece uma parte não periódica (repetição) e, em seguida, a parte periódica; {0,4555; 1,6777}

Os irracionais acabam não seguindo esse padrão e temos então uma dízima não periódica. O clássico dos clássicos é a √2. Quando fazemos essa conta, descobrimos que o resultado é uma dízima não periódica pois o resultado é: 1,414213562373095… e assim por diante. Por definição, um número irracional é todo número que não pode ser representado em forma de fração a/b, com a e b inteiros e b ≠ 0. Vejam, meus caros, esse número não se repete, não existe um padrão. Antes de passarmos para um exemplo podemos relembrar alguns números famosos que também são irracionais. O número π (PI) que representa o valor da razão entre a circunferência de qualquer círculo e seu diâmetro.

 

Esse figura representa um círculo desconstruído (Fonte)

O número de Euler (e), o número que é uma constante matemática que é a base dos logaritmos naturais.

 

Constante_matemática (fonte)

O número (Phi) ф = 1,61803399. O número áureo, que tem a sua representação matemática como a perfeição da natureza, onde aparece em várias construções e obras antigas da antiguidade, fica à dica para vocês assistirem Donald no país na Matemágica.

Vamos pensar em uma mesa de 〖1m〗^2. Se tentássemos dobrar o tamanho dela, chegaríamos no resultado final de 〖2m〗^2. Matematicamente está correto, mas nunca conseguiríamos fazer de fato essa mesa, pois, no primeiro caso a mesa de 〖1m〗^2, a gente pode definir que a área do quadrado é l^2, logo 1^2 = 1^2 já no segundo caso, como queremos dobrar a área e não o lado, podemos pensar o seguinte: l^2 (valor do lado) = 2, logo l^= √2 e raiz de 2 é uma dízima não periódica, o que torna esse trabalho impossível. Mas como podemos então representar esse número? E aí vem a genialidade dos gregos. Usando a geometria podemos representar esse número na reta, usando a medida da diagonal de um quadrado de lados unitários.

Quando colocamos a ponta seca do compasso no zero e depois a outra ponto no ponto b, podemos pegar um pedacinho da circunferência até a reta e então podemos demostrar que a hipotenusa desse triângulo está exatamente naquela posição na reta numérica. Assim podemos construir e demonstrar vários números cuja hipotenusa tem o valor de uma raiz de um número. Mas, para isso acontecer, um dos catetos tem que ter a medida de 1 e o outro, a raiz de n, com isso a hipotenusa sempre será a √(n+1).

 

E se olharmos com um pouco mais de cuidado, podemos perceber que, entre dois números racionais, existem infinitos números irracionais e entre dois números irracionais, também existem infinitos números racionais. O que faz com que a nossa reta numérica se complete.
Por toda essa peculiaridade, a representação dos conjuntos traz os irracionais “deslocado” da galera.

A demonstração matemática é um pouco carregada, mas interessante (se você chegou até aqui acho que vai gostar)

Vamos supor que √2 é um número racional, então podemos escrevê-lo na forma p/q onde q ≠ 0 e irredutível. Se elevarmos os dois membros ao quadrado temos:

〖(√2)〗^2 = 〖(p/q)〗^2=2= p^2/q^2 = p^2=2q^2 (I)

Então temos o seguinte, quando escrevemos um número na forma 2m, sendo m um número inteiro, ele vai se tornar par. E também sabemos que qualquer número elevado ao quadrado também é par.
Se p^2 é par, então p é par, pois, se fosse ímpar, p^2 também seria. Como p é par, p = 2a, com a sendo um número inteiro. Fazendo aquilo que todo professor de matemática gosta de fazer que é a substituição, temos:

p^2=2q^2 〖(2a)〗^2= 2q^2

〖4a〗^2=2q^2 q^2= 2a^2 (II)

Na segunda equação , observe que q^2 é par. Consequentemente, q é par e isso é uma contradição ou um absurdo, já que contradiz o que colocamos de início, que foi a nossa hipótese de que a fração p/q é irredutível. Isso mostra que a √2 não pode ser um número racional, sendo então, irracional.

Espero que tenham gostado e que a dúvida sobre os números irracionais tenha sido sanada, fiquem em paz e até o próximo texto.