Uma empresa de biotecnologia chamada Loyal, baseada em São Francisco, está dando o que parece ser um grande passo na direção de ampliar a vida de nossos companheiros caninos. Eles estão desenvolvendo um medicamento experimental projetado para aumentar a expectativa de vida, assim como a qualidade de vida, de cães de raças grandes e gigantes.

Essa parece ser uma verdadeira DOG-ra inovadora.

Podemos observar que o tamanho de um cão frequentemente determina sua expectativa de vida. Cães de raças grandes, como Bernese e Dogue Alemão, costumam viver apenas de seis a oito anos, enquanto os companheiros de porte pequeno, como corgis e chihuahuas, chegam a viver por até duas décadas ou mais. A Loyal almeja diminuir essa diferença de longevidade e proporcionar aos cães grandes mais tempo de qualidade com suas famílias humanas (ou seria o contrário?).

Bobi, o cão que obteve o certificado do guinnes de cão mais longevo do mundo, veio a falecer em outubro deste ano, aos 31 anos de idade. Ele era de uma raça portuguesa chamada de Rafeiro do Alentejo, de porte grande, criada para guarda de gado.

As diferenças genéticas entre raças de cães são intrinsecamente ligadas às práticas de seleção artificial conduzidas por criadores ao longo de várias gerações. O sequenciamento do genoma canino revelou uma vasta diversidade genética, e muitos dos traços fenotípicos distintivos em raças específicas têm bases genéticas bem determinadas.

Essas diferenças muitas vezes são manifestadas através de Polimorfismos de Nucleotídeo Único (SNPs), que são variações na sequência de DNA que ocorrem em uma única base (“letra”). Esses SNPs podem influenciar características como cor da pelagem, tamanho, suscetibilidade a doenças, entre outros.

Também observamos SNPs com essas atribuições em outras espécies, inclusive na humana, porém a seleção artificial dos cães resultou em um padrão curioso da distribuição dessa variedade genética. Embora diversos polimorfismos tenham sido “separados” pela criação de diferentes raças e sejam facilmente identificados e relacionados a suas características, dentro de cada grupo selecionado (raça), a alta frequência de cruzamentos internos causou uma baixa diversidade genética em outros aspectos, o que acabou deixando os cães de cada raça muito suscetíveis a doenças e transtornos específicos. Estudos de associação genômica têm identificado loci específicos associados a características fenotípicas distintivas de raças caninas, como o tamanho corporal, comportamento de pastoreio, temperamento, ou outras características morfológicas.

A Loyal usou uma abordagem focada no hormônio IGF-1, para desenvolver o novo medicamento. Ele é administrado via injeção a cada três a seis meses, e tem como objetivo modular os níveis de IGF-1, ou fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1, hormônio que desempenha um papel vital no crescimento e metabolismo, e também está envolvido em processos relacionados ao envelhecimento e à longevidade.

Esse hormônio, produzido principalmente no fígado em resposta ao hormônio do crescimento, desencadeia uma cascata de eventos que afetam o desenvolvimento celular e a regulação do metabolismo.

A variabilidade genética observada em cães de diferentes tamanhos e raças fornece um bom campo de estudo sobre a relação entre genética e longevidade. Os cães grandes frequentemente possuem uma variante genética que resulta em níveis mais elevados de IGF-1, enquanto cães menores têm uma variante associada a níveis mais baixos.

Compreender como essas variantes genéticas influenciam não apenas o tamanho do animal, mas também sua expectativa de vida, é um aspecto crucial da pesquisa da Loyal. Essa estratégia foi inspirada em estudos em vermes, moscas e roedores, nos quais a inibição do IGF-1 mostrou resultados promissores no aumento da expectativa de vida. Tais modelos, apesar de bastante diferentes entre si e de caninos, compartilham diversos mecanismos moleculares fundamentais. A pesquisa translacional, que leva os entendimentos obtidos em organismos modelo para aplicação em outros organismos de interesse ou até seres humanos, é uma prática comum na pesquisa biomédica.

Em estudos iniciais envolvendo 130 cães, a Loyal demonstrou a capacidade de seu medicamento de reduzir os níveis de IGF-1 em cães grandes, aproximando-os dos níveis observados em cães de porte médio. O perfil de segurança do tratamento também parece promissor, com apenas efeitos colaterais leves relatados, como alguns casos temporários de fezes soltas.

Para determinar o efeito do medicamento na expectativa de vida dos cães, a Loyal está preparando um estudo mais extenso previsto para o próximo ano. Este teste visa o recrutamento de cerca de 1.000 cães de companhia de raças grandes e gigantes com sete anos ou mais. Sucesso nos resultados e aprovação da FDA, a Loyal prevê ter o medicamento no mercado até 2026.

Além disso, a Loyal está explorando outras formulações, incluindo uma versão em comprimido para raças grandes e gigantes, bem como um comprimido projetado para cães mais velhos de todas as raças.

Porém, como em qualquer empreendimento inovador, surgem desafios e considerações éticas. A segurança e eficácia do medicamento serão examinadas em detalhes, e os proprietários de animais de estimação, compreensivelmente, exigirão um alto padrão de segurança antes de considerar tais intervenções para os membros peludos da família. Algumas questões precisam ser esclarecidas, como quais as consequências para um cão de grande porte, se ele tiver os níveis de hormônio relacionado ao crescimento e metabolismo, parecidos com os de um cão menor? A necessidade do hormônio durante o desenvolvimento é evidente, mas e para a manutenção do metabolismo, dos músculos, ossos, etc., principalmente durante a velhice?

Embora o foco esteja atualmente em nossos amigos caninos, a pesquisa da Loyal tem as potenciais implicações mais profundas. O estudo da modulação do IGF-1 em cães pode oferecer informações valiosas tanto para a medicina veterinária quanto para a humana, porém o uso para humanos pode apresentar outros problemas. Mesmo que a droga não tenha efeitos colaterais em cães, mesmo durante toda a velhice deles, ainda há muitas coisas a verificar para poder transpor para humanos, começando já pelo tempo de vida que é muito maior.

Mesmo que cães possam passar a viver bem por algumas décadas com o medicamento, sua expectativa de vida ainda é bastante abaixo da expectativa de vida humana, ou seja, mesmo que não sejam observados efeitos colaterais durante a velhice do cão, só pela diferença de tempo em que eles tomariam o medicamento pode ser que eles apareçam efeitos colaterais na aplicação em humanos (além de precisar também considerar os outros diversos fatores que diferem entre as espécies, claro).

“Raça grande? Do que você está falando? Eu caibo no seu colo!”

Fonte: loyalfordogs