Calma calma calma… este texto NÃO é sobre política, sobre polarização, sobre laterais esquerdas ou direitas, ou vertentes canhotas ou destras no ambiente político. Este texto é sobre Física!!!

Falarei um pouco mais sobre as chamadas Forças Fictícias, ou Forças de Inércia, ou efeitos não inerciais.

Recapitulando

Recapitulando o que já escrevi em um primeiro texto sobre Forças Fictícias (KATCHIM!):

  • as Leis de Newton possuem um cenário ideal para que sejam tanto escritas quanto rigorosamente tratadas;
  • este cenário ideal é o que chamamos de Referenciais Inerciais, ou seja, são os referenciais que estão em repouso ou com velocidade constante;
  • quando estudamos as Leis de Newton em referenciais (ou em locais) que estejam acelerados, alguns efeitos surgem, devido à aceleração destes referenciais;
  • por exemplo: quando você está em um carro e faz uma curva para a esquerda, você ou qualquer coisa no carro sentem que são levemente “forçados” para a direita → isto não quer dizer, de modo ALGUM, que exista uma Força, um ímã maluco, puxando você para a direita → é um efeito de inércia, um efeito que surge porque o carro (e tudo o que está dentro dele) estão acelerados;
  • uma conclus’ao possível é que nosso corpo, nosso organismo, é fabricado para sentir acelerações, e não velocidades;
  • estas “Forças” que surgem nestes tais Referenciais não-inerciais, que estão acelerados, serão também o tópico deste texto.

Um parêntese sobre o nome “Forças Fictícias”*: este nome surge pois não existe, de fato, um agente Físico que produza estas interações. Na verdade, estas Forças não seguem (e nem deveriam seguir!) a 3ª Lei de Newton, a Lei de Ação-Reação, pois não há reação gerada por estas Forças. Obviamente um corpo (por exemplo você que me lê) que está sujeito a estas Forças Fictícias “sentirá” os efeitos destas Forças, mas não por haver um agente que gera alguma interação, mas porque este corpo está em um referencial não-inercial. Sendo assim, ele “sentirá” os efeitos indiretamente, devido a ação de uma outra força.

Neste texto vou tentar abordar duas destas Forças Fictícias, a Força Centrífuga e a Força de Coriolis**. Ambas surgem quando estamos estudando as Leis de Newton em referenciais que estão em rotação, como por exemplo o Sonic girando num loop, ou um carro realizando uma curva muito grande, ou um carrossel, ou… o próprio planeta Terra.

Figura mostrando Sonic, Tails e Knuckles girando em um loop, provavelmente na Green Hill Zone.

Uma equação

Já peço desculpas, pois não me aguento e vou ter que colocar uma equação “gigante” aqui. Para a pessoa que não é iniciada na seita das exatas, peço que não se preocupe com os detalhes, mas com a interpretação de cada termo. Se não quiser ver a equação e a interpretação dela, pode pular para a próxima seção, mas não deixe de terminar o texto, tem uns efeitos não-inerciais que rolam na Terra que são bem maneiros! :-)

A equação acima é obtida através da 2ª Lei de Newton, quando a estudamos em um referencial que pode estar acelerado, tanto translacionalmente quanto rotacionalmente. Por exemplo se você estiver na superfície da Terra! :-o

→ O termo F, com fundo branco, é a Força REAL, resultado de alguma interação Física mensurável de fato, como por exemplo as Forças Gravitacional, Eletromagnética, Normal, atrito, etc.
→ O termo com fundo cinza é a Força efetiva que uma pessoa que esteja num referencial acelerado (não-inercial) sentirá.
→ O termo com fundo rosa é o termo relacionado à aceleração de translação do referencial, como por exemplo foi discutido no primeiro texto, volta lá, ficou bem legal (KATCHIM!!!). É um termo não-inercial, uma Força Fictícia.
→ O termo com fundo azul claro está relacionado a alguma aceleração angular do referencial, e não trataremos dele neste texto. É um termo não-inercial, uma Força Fictícia.
→ O termo com fundo roxo é o termo de Força Centrífuga. É um termo não-inercial, uma Força Fictícia.
→ O termo com fundo marrom é o termo da Força de Coriolis. É um termo não-inercial, uma Força Fictícia.

Neste texto falarei um pouquinho sobre as Forças Centrífuga e Coriolis, e alguns efeitos mensuráveis delas. Mas observe que todos os termos de Forças Fictícias são proporcionais à massa do corpo em questão, o que já nos traz uma ideia de que estes termos estão ligados à inércia destes corpos.

Pronto, pode pular para esta seção

Vou adentrar um pouco nas Forças Centrífuga e de Coriolis. A primeira é um pouco mais simples de entender, dado que, talvez, ela seja um pouco mais… digamos… rotineira.

Força Centrífuga

Imagine que você coloca meias para lavar em uma máquina, e depois de um tempo a máquina termina seu serviço e apita. Quando você chegar lá para retirar suas meias nota que elas estão “grudadas” nas paredes internas da máquina.

Figura mostrando o funcionamento de uma máquina de lavar, com meias dentro. Após a lavagem, durante a etapa de “centrifugação”, as meias giram velozmente e acabam “grudando” nas paredes da máquina.

Você pode até pensar “nossa, tem um ímã de meia dentro da máquina que puxa ela pra fora! Que loucura!” Se você pensar assim, sinto te informar, mas você está errado(a). O que acontece é que a meia estando em rotação (junto com o interior da máquina), é por si só um referencial em rotação, e portanto está acelerado. A tendência da meia, por inércia (olha ela aí!) é seguir pela tangente, mas a parede da máquina a impede, e portanto ela “gruda” por ali. O mesmo efeito é utilizado em aparelhos de centrifugação para exames de sangue e outros métodos laboratoriais, onde este processo de centrifugação aumenta a velocidade com que a sedimentação de diferentes compósitos pode ocorrer, separando assim diferentes materiais. Você também pode “visualizar” o efeito da Força Centrífuga ao colocar algumas verduras numa… centrífuga de verduras.

Figura mostrando uma centrífuga de verduras, onde podemos enxergar as gotas de água indo de encontro com as paredes do equipamento.

O efeito devido à Força Centrífuga é mostrado na Figura abaixo (NÃO se preocupe com o que está de matemática na Figura, olhe apenas para as setinhas).

Figura mostrando uma pessoa num disco que gira (um carrossel por exemplo). A pessoa está parada com relação ao disco (então obviamente ela gira junto com o disco).

Se você é a pessoa que está parada, você “sentirá” um efeito como estivesse sendo jogada “para fora” do disco. Este efeito é devido à Força Centrífuga. Mas note que NÃO existe uma interação que gera esta Força, ela surge porque você está em um referencial acelerado, em rotação neste caso. A Força Centrífuga é direcionada radialmente, e “para fora” (ou seja, contrária à Força (real) centrípeta).

Força de Coriolis

No caso da Força Centrífuga, estudamos quais as Forças efetivas atuavam num objeto que se encontrava parado com relação a um referencial que gira. A Força de Coriolis surge quando um objeto está se movendo em um referencial acelerado, ou seja, quando um objeto possui velocidade com relação a um referencial acelerado. É mais complicado sim de entender, mas com alguns exemplos acho que a gente chega lá… e mais que isso, algumas das implicações da Força de Coriolis são bem legais.

Já aconselho você, que teve a coragem de chegar até este ponto no texto, de ver o vídeo do link abaixo:

Qual é a ideia do vídeo? Duas pessoas estão num equipamento que pode girar. Uma dessas pessoas joga uma bola, em linha reta, enquanto o equipamento gira. Para as pessoas no equipamento, que estão girando junto com ele, é como se a bola realizasse uma curva, como se alguma “Força” estivesse puxando a bola para a lateral contrária à rotação do equipamento. Porém, para uma pessoa de fora, que não gira com o equipamento, a bola segue por uma linha reta. Na Figura abaixo podemos observar como se dá o movimento da bola, tanto vista por alguém fora do equipamento girante (Figura à esquerda) quanto por alguém que gira junto com o equipamento (Figura à direita). Cada símbolo representa a bola para um mesmo instante. Observe que na Figura da esquerda, o equipamento (representado pelo círculo e pela seta vermelha) gira um pouco no sentido anti-horário, e este movimento é representado pela “curva” da bola quando nos situamos junto com o equipamento.

Na Figura podemos observar como se dá o movimento da bola, tanto vista por alguém fora do equipamento girante (Figura à esquerda) quanto por alguém que gira junto com o equipamento (Figura à direita). Cada símbolo representa a bola para um mesmo instante. Ver vídeo em: https://youtu.be/dt_XJp77-mk

Ou seja, a Força de Coriolis é um efeito que vem do fato do equipamento, ou do disco estarem acelerados, em rotação. Ela se assemelha a uma Força que faz com que o corpo tende para a esquerda ou para a direita, dependendo da rotação do disco e da velocidade do corpo com relação ao disco.

Figura mostrando uma pessoa que se move sobre um disco em rotação. A seta roxa mostra o sentido da Força de Coriolis que age sobre a pessoa, para este caso.

E aqui entra a coisa que (eu pelo menos) acho mais legal sobre a Força de Coriolis, e que gera efeitos muito maneiros na Terra. Para um objeto que se move na superfície da Terra, a Força de Coriolis faz com que esse objeto tenha a tendência de curvar para a direita quando se move no hemisfério norte, e tenha a tendência de curvar para a esquerda quando se move no hemisfério sul (e daí vem o título click bait do texto!!!). Para quem for mais inclinado(a) à matemática, na Figura abaixo dá pra visualizarmos a direção e sentido da Força de Coriolis nestas duas situações. A seta preta em cada situação mostra a direção e sentido da Força de Coriolis, para um corpo com a mesma velocidade com relação à superfície da Terra. Não sei de vocês, mas eu acho isso demais! Mas lembrem-se: A Força de Coriolis não é devida a nenhuma interação Física, e ela surge única e exclusivamente pela análise das Leis de Newton em um referencial acelerado. É uma Força Fictícia, uma Pseudo-Força, uma Força de Inércia.

Na Figura dá pra visualizarmos a direção e sentido da Força de Coriolis nestas duas situações. A seta preta em cada situação mostra a direção e sentido da Força de Coriolis, para um corpo com a mesma velocidade com relação à superfície da Terra.

Alguns efeitos da Força de Coriolis para objetos que se movem na superfície da Terra:

  • Um objeto que cai verticalmente na Terra sofre um desvio para Leste devido a Força de Coriolis!!! Por exemplo, numa queda de 100m o objeto sofre um desvio de aproximadamente 2,1cm para Leste devido à Força de Coriolis.
  • Para corpos que se movem “horizontalmente” na superfície da Terra: o desvio devido à Força de Coriolis é para a direita no hemisfério Norte, e para a esquerda no hemisfério Sul.
  • Lei de Baer: um rio tende a erodir mais a margem direita no hemisfério Norte, e mais a margem esquerda no hemisfério Sul.
  • Ciclones (ar que se move para região de baixa pressão): O ar tende a se deslocar de regiões de alta pressão para baixa pressão. No hemisfério Norte, quando se forma uma zona de baixa pressão o ar tende a circulá-lo no sentido anti-horário devido à Força de Coriolis. No hemisfério Sul, há uma tendência de circulação no sentido horário.

  • Projéteis: artefatos balísticos de longo alcance também estão sujeitos à Força de Coriolis, e portanto os equipamentos que os lançam também deve utilizar de certa correção de mira, devido à esta Força de Inércia. Um exemplo interessante***: durante a 1ª Guerra Mundial, numa batalha perto das ilhas Falkland, que fica aos 50º latitude SUL aproximadamente, os tiros da artilharia britânica passavam por cerca de 100 metros à esquerda dos navios inimigos. Isto acontecia porque a mira dos lançadores dos projéteis estavam ajustados para corrigir os efeitos de Coriolis do NORTE (na Inglaterra).
  • Por fim, cito o Pêndulo de Foucalt, que mostra o efeito de Coriolis quando a cada hora o pêndulo gira de aproximadamente 11º (na Latitude de Paris, onde foi inicialmente demonstrado… para outras latitudes o desvio devido à Força de Coriolis também muda). Mais que isso, o Pêndulo de Foucalt é uma demonstração da não planicidade do planeta Terra, fato inclusive observado de fora da Terra mas que hoje em dia deve ser ressaltado dia após dia. Time Lapse – Pêndulo de Foucalt

Sendo assim, concluo este texto (ok, muito acadêmico, mas eu curti! Hahaha) com o seguinte recado: as Forças Fictícias possuem este nome por um motivo simples → elas não existem no sentido de não haver nenhuma interação Física que seja responsável por elas. Mesmo assim, vários efeitos destas Forças podem ser observados, tanto se estivermos em um ambiente controlado (como num experimento, ou num parquinho de diversão), ou mesmo na superfície de nosso planeta Terra.

Ainda, os efeitos das Forças de Inércia são, em geral, “pequenos” em comparação com outros efeitos, e por isso sempre coloquei no texto que há uma TENDÊNCIA de movimento devido às Forças Fictícias, mas outros agentes Físicos podem atuar, compensando estes efeitos inerciais.

Desculpem pelo texto grande, e muito técnico/acadêmico.

Até a próxima.

Forte abraço,

Leo.

* “O nome do jogo é o jogo.” Peter Main, executivo da Nintendo entre os anos (aproximadamente) de 87 a 2002.
**Gaspar Gustave-Coriolis. Que se pronuncia da seguinte forma: https://www.youtube.com/watch?v=64fXhK88Hl4. Nas que eu só pronuncio como Coriolís. :-)
***Batalha das ilhas Falkland:
http://dreadnoughtproject.org/tfs/index.php/Battle_of_the_Falkland_Islands

Referências (ver também as referências nas descrições dos vídeos):

Vídeos
https://youtu.be/JIyrMG53JLU
https://youtu.be/J1-k_ePq0zk
https://youtu.be/D7ZqsUW8xYs
https://youtu.be/0HW415rPSz8
https://youtu.be/42dJdCSEyAM

Libretexts: https://phys.libretexts.org/Bookshelves/Classical_Mechanics

Notas de aula de Alessandro Villar: http://fep.if.usp.br/~villar/2015mecanica1/mecclassica.pdf

MARION, Jerry B. Classical dynamics of particles and systems. Academic Press, 2013.

GOLDSTEIN, Herbert; POOLE, Charles; SAFKO, John. Classical mechanics. 2002.

LEMOS, Nivaldo A. Mecânica analítica. Editora Livraria da Física, 2007.