O Nobel de Economia foi o último a ser entregue neste ano, mas não decepcionou. Coroou Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer por seus trabalhos que desenvolvem pesquisas sobre como reduzir a pobreza através de uma abordagem experimental da economia. O anúncio feito no dia 14 de outubro enalteceu o trabalho dos três cientistas que mostraram que lutar contra a pobreza em um mundo com mais de 3 bilhões de pessoas nesta situação requer que os problemas sejam divididos em frentes menores para serem atacados de forma mais efetiva.

Parte do brilhantismo do prêmio deste ano tem a ver com o perfil cultural e acadêmico dos agraciados.

Michael Kremer é americano, tem 54 anos e é professor de economia em Harvard. Seus estudos foram pioneiros na área da educação em países em desenvolvimento, com um projeto inovador no Quênia. Na década de 1990, a pesquisa de Kremer analisou a qualidade dos livros, da alimentação, o número de horas em sala de aula, incentivos financeiros aos professores dentre outras medidas e mostrou que o aumento de recursos financeiros aplicados nas escolas não tem correlação direta com a melhora no desempenho acadêmico dos alunos. Outro estudo do mesmo economista mostrou que as pessoas mais pobres são ultrassensíveis ao preço de medicamentos preventivos, o que não é completamente previsto pela teoria econômica clássica. Segundo essa, as pessoas são igualmente sensíveis a mudanças de mesma dimensão no preço, isto é, uma redução no preço de um produto de $3 para $1,5 ou de $1,5 para $0 teria o mesmo efeito na sensibilidade dos consumidores, mas os estudos comportamentais mostram que isso não é verdade – e Kramer provou que os mais pobres são especialmente mais sensíveis. (Isso também ter a ver com a nossa sensibilidade ao zero, como já falei nesse texto aqui)

Outro vencedor, Abhijit Banarjee nasceu na Índia, mas é naturalizado americano, atualmente é professor do MIT e estuda “Poor Economics” (Economia da Pobreza, em tradução livre). Ele é casado com a outra vencedora, Esther Duflo, francesa de nascimento, apenas a segunda mulher a ganhar o Nobel de Economia, mas a mais nova dentre todos os vencedores – com apenas 47 anos. Os dois trabalham juntos em projetos que analisam as causas da pobreza ao analisar como determinadas variáveis (por exemplo: alimentação, educação, medidas de saúde) influenciam os resultados de pobreza e de aprendizado em países em desenvolvimento. As pesquisas de Duflo e Banarjee são, de certa forma, uma continuidade das pesquisas que Kremer desenvolveu nos anos 1990.

Além de compartilharem o prêmio, os três economistas compartilham o tema e o método de suas pesquisas: testes de controle randomizados para descobrir a efetividade real de cada variável no combate à pobreza. A ideia é que ao descobrir quais pequenos passos funcionam – e não funcionam – as políticas públicas podem ser aplicadas com maior efetividade e menores custos.
As reações da academia foram bastante positivas, com diversos economistas elogiando não só o assunto reconhecido pela Academia Sueca, mas os próprios vencedores. Os elogios vêm principalmente pela relevância que o tema e seus pesquisadores têm na área acadêmica – só para se ter uma ideia, um índice que mede a relevância de trabalhos acadêmicos através de citações indicou os trabalhos de Esther Duflo como os 3a mais influentes na área.
Os trabalhos de Duflo, Kremer e Banarjee são muito representativos de uma nova onda na área da economia em que cada vez mais pesquisadores buscam respostas para questões do mundo real, que afetam grande populações e políticas públicas, saindo do foco único em mercados, ativos e empresas. Outra característica marcante dos trabalhos agraciados – e que vai de encontro à chamada economia clássica – é a redução do uso de métricas quantitativas e teóricas em favor de variáveis qualitativas e experimentais. Essas duas questões, para mim, são extremamente representativas das escolhas que o comitê do prêmio Nobel vem fazendo nos últimos anos. Enquanto na década de 90, muitos matemáticos e economistas quantitativos receberam o prêmio por estudos sobre o mercado de capitais, os últimos vencedores têm suas pesquisa focadas em melhorias que afetam a vida diária de bilhões de pessoas em todo o mundo e chegaram a seus resultados não através de cálculos, mas de experimentos práticos.

Além disso, como eu falei na chamada de abertura, este é um grupo bem heterogêneo culturalmente e que pouco se encaixa no padrão dos vencedores de Nobel de economia: 75% dos agraciados até 2018 eram homens, brancos, americanos acima de 55 anos. Neste ano temos um indiano educado em seu país natal, uma francesa de 47 anos (vale lembrar, a mais nova de todos os vencedores) e um americano branco (e que curiosamente completou 55 anos um mês após receber o prêmio).

Em sua entrevista pelo telefone durante a coletiva de imprensa, Duflo disse que sua premiação era representativa do crescimento no número de mulheres nas ciências econômicas e esperava que também servisse de inspiração para que mais e mais mulheres se juntassem à área. E eu diria mais que isso: o Nobel de economia de 2019 representa e inspira uma nova onda nas teorias econômicas, que sai dos escritórios confortáveis em Chicago para mudar a vida de pessoas em comunidades pobres em todo o mundo. Afinal de contas, a ciência está aí para melhorar a vida de todos e deixar o mundo um lugar melhor.