Em 1987, em Goiânia, uma pequena porção de Césio-137 (137Cs) causou o acidente nuclear de Goiânia, o maior acidente nuclear fora de uma usina que o mundo já viu.

O 137Cs foi encontrado em um ferro velho, em uma máquina de radioterapia que havia sido descartada de maneira incorreta. Ao desmontar a máquina, em busca de peças de chumbo para revender, os trabalhadores se depararam com um pó que parecia muito com sal de cozinha, mas que chamava a atenção por ter um fraco brilho azulado. Esse lindo brilho acabou fazendo com que o pó de césio fosse distribuído para familiares e pessoas próximas, levando a uma tragédia de contaminação pela cidade. Mas a causa desse brilho, que levou a consequências tão dramáticas, é mais surpreendente do que parece, e é isso que vamos investigar hoje (chamada dramática para o texto)!

Coisas radioativas normalmente não brilham!

Provavelmente, quando alguém fala em urânio, plutônio ou “coisas radioativas” no geral (termos que surgem no seu dia a dia o tempo todo, claro), a imagem que vem na sua cabeça é de algo verde e brilhante, provavelmente tirada direto de um filme ou desenho animado.

Descrição da imagem: cena da abertura de Simpsons, com Homer tirando o protetor de radiação da cabeça enquanto segura, com uma pinça, uma barra de plutônio ou urânio verde brilhante.

Mas a parte decepcionante é que materiais radioativos, normalmente, não brilham. Nem são verdes. Desculpa. Isso é coisa de desenho animado e filme ☹.

Bananas, por exemplo, são leeeeevemente radioativas, e você não vai ver elas brilhando no escuro por causa disso. Quando eu digo levemente, é levemente mesmo. Caso você esteja preocupado, a quantidade de banana que você precisa comer para passar mal por causa da radiação é gigante — você iria morrer de indigestão muito antes de a radiação te fazer mal, olha que reconfortante.

Mesmo urânio, famoso por ser radioativo, se parece com um pedaço de metal qualquer:

Descrição da imagem: uma pessoa com equipamento de segurança segurando um pedaço de urânio com o número 2068 grafado. O pedaço de urânio tem cor cinza e não produz brilho, assemelhando-se à imagem comum que temos de metais.

 

Atenção! Blablabla teórico a seguir, mas leia sem medo!

Vou entrar em um parágrafo um pouco mais técnico aqui, você pode pular sem medo, mas acho que não precisa (qualquer coisa avisa nos comentários!).

O que acontece é que materiais radioativos, normalmente, são materiais que têm problemas no núcleo dos seus átomos. O átomo é aquele, feito de prótons, nêutrons e elétrons que o pessoal da química gosta de falar durante muito tempo no colégio e que forma todos os materiais do dia a dia. Quando o núcleo minúsculo desses átomos tem um problema de excesso de energia, ele precisa cuspir alguma coisa pra fora pra se estabilizar. É tipo quando você chega de uma festa depois de ter cometido alguns… er… excessos, e daí precisa colocar alguma coisa pra fora pra se sentir melhor.

O núcleo de um elemento radioativo é assim, ele está com excesso de energia e precisa cuspir pra fora essa energia pra se estabilizar. Ele pode emitir esse excesso de energia na forma de pedaços (“partículas”, as chamadas radiações alfa e beta) ou na forma de energia pura (uma “onda eletromagnética”, a chamada radiação gama, pros íntimos). Normalmente são essas radiações emitidas (alfa, beta e gama) que podem ser nocivas pra saúde e que tornam esses elementos perigosos.

A questão é que essas “emissões” não são luz visível e não são captadas por nossos olhos. Sendo mais direto, a gente simplesmente não consegue ver as emissões radioativas. No máximo, consegue detectar com algum instrumento (o famoso contador Geiger, por exemplo) ou sentir os seus efeitos.

Provavelmente o principal motivo de a gente associar materiais radioativos com brilho é que um dos primeiros e mais estudados destes materiais, o rádio (daí o nome “radioativo”) era usado com uma mistura de outros materiais pra produzir “letreiros” luminosos. Muitos relógios de pulso antigos brilhavam no escuro por causa de elementos radioativos ali dentro, olha que ótimo.

Descrição da imagem: relógio analógico de pulso antigo, no escuro. É possível ver os ponteiros e números brilhando com uma cor verde.

A chave é que apesar dos materiais radioativos em si não brilharem, eles podem ser usados como fontes de energia (quase que uma bateria natural) para fazer outros materiais brilharem. No relógio, as partículas emitidas pelo Rádio podiam excitar elétrons de algum material como sulfato de zinco e fazer ele brilhar, por exemplo. Era a primeira aplicação famosa de um material radioativo, e o que todo mundo via como resultado era um brilho verde. Provavelmente, aí nascia a associação que iria dominar o imaginário popular nos próximos anos.

 

O brilho fantasmagórico do Césio-137

Mas se um material radioativo “puro”, em geral, não tem nenhum brilho verde/azul dramático, a pergunta se torna outra: por que o césio-137, então, tem um brilho azulado característico?

Surpreendentemente, a causa desse brilho não é ainda 100% compreendida, mas a explicação mais provável é que seja um efeito conhecido como Efeito Cerenkov

Resumindo, se você largar um material radioativo na água, a radiação dele pode fazer a água brilhar. Em mais detalhes, o que rola é que as partículas radioativas perdem energia na forma de luz conforme viajam pela água, em um efeito semelhante ao que acontece quando um avião supersônico “quebra a barreira do som” e produz um estouro no ar. Isso acontece em reatores nucleares:

Descrição da imagem: reator nuclear emitindo um brilho azul claro.

Existe a possibilidade de haver também um efeito fluorescente, como numa luz negra, mas a causa mais provável do brilho do césio é que umidade do ar se condensou no sal de CsCl (cloreto de césio, que continha o césio-137), e a radiação do Cs-137 então fez essas gotinhas de água brilharem pelo efeito Cerenkov. A ironia, no fundo, é que como que em um prenúncio do que pode acontecer na falta de cuidado, o brilho foi quase que acidental.