No outro texto falei sobre a teoria do flow, do psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, e sobre como podemos entrar em um estado de concentração máxima. Mas existe uma confusão muito comum entre este estado de foco profundo numa tarefa e aquela forma zumbi que a gente assume quando está rolando a timeline do instagram.

Nos dois casos a gente não percebe o tempo passar, porém a diferença fundamental é que em um a gente tem um desafio e é motivado por ele. Saímos melhores do que entramos deste estado.

Quando estamos deslizando a tela pra cima nas redes sociais (ou vendo uma novela, ou curtindo o parque de diversões) até conseguimos algum nível de concentração que suspende a nossa percepção de tempo/espaço. Nada de errado, precisamos às vezes mesmo.

Mas neste estado mental não existe uma meta clara, não há o objetivo de desenvolver uma habilidade ou de superar um desafio. E nem uma resposta do ambiente se estamos no caminho certo.

O Iberê lá do Manual do Mundo trouxe uma história muito bacana do Gustavo Machado, um jovem de 18 anos que está construindo sua própria montanha russa no quintal de casa.

Quando ele tinha 16 anos, simplesmente resolveu que queria fazer isso e se colocou neste desafio. A partir daí foi que o Gustavo começou a desenvolver suas habilidades de matemática e engenharia.

No decorrer dos meses ele foi literalmente enxergando o progresso: a montanha russa estava crescendo ali no quintal! E isso vira combustível para avançar para o próximo passo. E o próximo, e o próximo… provavelmente ele aprendeu mais sobre cálculo e resistência de materiais em dois anos do que eu nos meus quarenta e muitos. Flow puro.

É que não saber não é um obstáculo. Não saber aprender – ou não querer – é.

Nestes tempos de pandemia meus filhos estão estudando em casa e inevitavelmente eu escuto alguns diálogos da turma.

Em uma aula de ciências estavam conversando sobre o ciclo da água e surgiu uma dúvida:

– Prôfi, a água mineral é melhor que a filtrada?

– A gente só pode tomar água filtrada.

Assim mesmo. Sem margem para interpretar.

Eu entendo completamente a situação. Aulas online, tecnologia nova, conteúdo pra passar e criançada distraída… mas vi voando pela janela uma oportunidade de desafiar a turma:

– Não sei. Como a gente pode descobrir? – é o que eu responderia na lata.

O modelo de ensino tradicional surgiu ali no século 18 e faz o professor ficar no papel de enciclopédia de todo o conhecimento, de oráculo a ser consultado. De lá pra cá, o volume de conhecimento cacetuplicou (é o termo técnico) e hoje é o Google quem faz isso.

Corro o risco de generalizar agora, mas tenho a impressão de que boa parte dos professores – e pais principalmente – tem medo de dizer “não sei”. O que essa molecada vai pensar? Que eu não estudei?

A vontade de aprender só aparece quando existe um desafio e qualquer desafio normalmente vem acompanhado com a dúvida “será que eu consigo?”. É nesta dúvida que o professor ajuda, mostrando os caminhos e incentivando a ultrapassar os obstáculos.

Precisamos desligar o modo zumbi da molecada em sala de aula e tentar ativar o flow nelas.

Ou vamos continuar respondendo que a gente só anda de montanha russa no parque de diversões?


Marcel Leal é designer, criativo, pai do Rafael e da Luiza. Não existem coisas chatas, a gente só não descobriu o que elas tem de legal ainda.