Olá, leitores! Chegamos no mês de junho, muito especial para todos nós, brasileiros. Mês no qual temos a comemoração de uma das festas mais populares em diversas localidades do país, a festa junina! Seu significado historiográfico é muito interessante, mas para muitas pessoas não passa de uma oportunidade de ir em uma comemoração folclórica ou experimentar alguns pratos mais que especiais… Então vamos discutir um pouco sobre a festa junina, seus pratos regionais e seu valor simbólico para a nação, além do que podemos esperar da festa em tempos de isolamento social.

A festa junina tem sua origem nos festivos do ciclo junino, em que se comemoram três festas de santos: o Santo Antônio (dia 13), o São João Batista (dia 24) e a festa de São Pedro (dia 27), com destaque para o São João. Porém a sua real origem é pagã, onde partes de povos da Europa, África e Ásia comemoravam os ciclos de fertilidade e a benção da colheita pela ajuda das divindades durante o ciclo de plantações, sendo depois adaptada para os festivos católicos como medida de adequação pela igreja (não pode contra eles, junte-se a eles). Essa comemoração está próxima do início do solstício de verão para o hemisfério norte, entre 22 e 23 de junho [1].

A data de escolha principalmente para o São João marca o início do advento de Cristo no imaginário católico acima dos ritos pagãos [1]. Porém a festa sofreu alterações para cada povo catequizado durante os séculos de expansão colonial, com a ressignificação através dos folclores e habitus locais. No Brasil não podia ser diferente, principalmente com o seu cenário de hibridismo cultural desde o nascimento!

O hibridismo cultural da festa é caracterizado pela mistura das diversas narrativas que existem a respeito da mesma, variando para cada público em interesse ou o seu papel para o rito [2]. Existe a narrativa publicitária (imagens, iconografias e atributos, vinculados aos meios publicitários), a narrativa da mídia (destruição e construção de fatos e de mediação simbólica) e a narrativa iconográfica (ritos, imaginário social e símbolos, que remetem ao passado histórico da população e sua atemporalidade). Com a alimentação apresentada no evento não poderia ser diferente….

No Brasil e principalmente na região nordeste, o milho é a principal figura iconográfica do rito, bem como a figura do sertanejo e o fogo. O São João praticamente significa a alegria pela colheita do milho e a forma como o evento é passado representará o jeito como os santos cuidarão das colheitas e da proteção dos camponeses, então é importante sempre manter alguns simulacros e receitas da forma como foram ensinados (se deu certo no passado, deve dar certo agora!). A memória alimentar é o princípio da ritualização dos hábitos culinários nestas festas.

 

A forma como a alimentação se desenvolve nas festividades pelo Brasil varia em torno dos alimentos produzidos naquela época do ano, geralmente indo de caldos para alimentos secos que podiam ser transportados para longas distâncias, como o charque, o amendoim e a mandioca. O milho foi ensinado a ser preparado pelos indígenas para os portugueses, que só o aceitaram na falta de outros gêneros alimentícios, revela a professora de gastronomia Luiza Buscariolli [3].

Como no hemisfério sul temos o início do solstício de inverno, são esperadas temperaturas mais baixas durante a festividade, com a venda de alimentos quentes para esquentar os participantes tanto de maneira física quanto simbólica (com a presença de ‘cores quentes’ em bandeiras e enfeites, veja só). A comida nestes eventos representa a fartura dos associados, juntamente com os elementos da fogueira e das brincadeiras e danças para aquecer os participantes durante as apresentações [4].

O sabugo do milho é um elemento recorrente na festa em diversas localidades do país, pois ele remete a origem de onde os grãos (a fartura) nascem, ou seja, a base central de toda a alegria e a bonança dos festeiros. Não é à toa que outros elementos remetem ao alimento principal da festa, como o chapéu de palha e até mesmo o balão de São João (mesmo que ultimamente sua utilização deva ser somente decorativa)!

O próprio milho verde é um dos atores principais por si mesmo! Assado ou cozido, como bolo de fubá, canjica, pamonha, mungunzá, canjiquinha, suco de milho e cuscuz, o que não falta é milho para a alegria do pessoal. É um prato típico, o que não significa que seja tradicional, ou seja, que seja consumido normalmente ao longo do ano, como por exemplo o pescado para o litorâneo ou o café para o citadino [5]. Por ser um dos maiores commodities das exportações brasileiras, o milho e a sua produção é vista como uma das mais significantes para o bom andamento econômico e social das comunidades produtoras do alimento. Não é por falta de opção que os migrantes econômicos de regiões agrícolas ainda utilizam o milho como base para grande parte de suas receitas, até mesmo como instrumento de memória alimentar e de seu estilo de vida!

O milho desempenha o papel na saúde de fortalecedor da imunidade no imaginário popular, com a captura e a ressignificação do jargão científico pelos populares para formular as hipóteses de por que o alimento faz bem ou evita o mal [4]. O conceito da engenharia genética e da transgenia ainda aparenta ser um tópico polêmico dentre algumas classes, tendo aqueles que preferem as variedades orgânicas e locais aquelas que seriam do grande mercado, os transgênicos, que representam os interesses estrangeiros acima da saúde e das virtudes locais.

As principais barreiras culturais para a disseminação de cultivares transgênicos vem da maneira como a imagem do agronegócio se disseminou sobre a agricultura familiar, geralmente com o uso de pesticidas agrícolas e do desmatamento como algumas de suas representações na mídia mais controversas. O modelo de produção inclusive ganhou uma das responsabilidades pela disseminação de outras doenças locais, pelo encolhimento de florestas nacionais – barreiras biogeográficas – e pelo aumento de pressões negativas sobre os sistemas de proteção natural, inclusive podendo ser responsável pela disseminação do coronavírus na China? [8] A responsabilidade do agronegócio ou da exploração de ambientes naturais é um tema muito complexo e que necessita de muitas ressalvas para ser destrinchado.

O cancelamento da festa para evitar a contaminação pelo covid-19 foi um evento simbólico por si mesmo, mostrando a presença das crenças, tabus e alegorias pela primeira vez dentro das residências, e garantindo não somente a segurança das colheitas, mas também dos “caipiras”. Fonte de renda e movimento para muitas pessoas, estudos sobre a utilização de ferramentas digitais, como shows em lives e serviços delivery de alimentação são possibilidades para levar a festa para dentro de casa! Ilustração da reportagem [6].

Apesar das tentações culinárias serem praticamente irresistíveis, muitas pessoas buscam alternativas alimentícias durante os festejos para conseguir alinhar o hedonismo da refeição típica com o bem-estar corporal, garantindo a construção de novos valores sobre os tradicionais. Como já dito, muitos alimentos já são vendidos quentes pela estação do ano no Brasil (período da invernada), e de exemplo temos o quintão, o vinho quente, batata doce assada, canjica e mais um bocado de alimentos, o que nos auxilia na hora de comer muitos quitutes normalmente pouco procurados [7]. Os adoradores das boas práticas alimentares investem em algumas estratégias interessantes para aliar a bonança alimentícia com a responsabilidade nutricional, entre as quais comer antes de sair de casa e buscar se manter longe das barracas (só comer quando extremamente necessário) e alimentar-se com moderação, ao mesmo tempo que mantenha certa quantidade de exercícios, como dançando.

Porém os novos hábitos gastro-anômicos, alinhados com a alimentação gourmet, trazem novas perspectivas de refeição no espaço simbólico junino, com a reinterpretação de pratos típicos em suas novas formas diet, light e fitness [9]. A internet é o principal meio de divulgação das receitas reformuladas, agregando novas pessoas aos valores da festa, mas afastando os mesmos de seus sistemas totêmicos originais, teatralizando os ritos da festa e a sua “essência”.

Existe pouco material sobre o que podemos esperar de festejos tradicionais em tempos de pandemia e isolamento social (não é algo que acontece com frequência, devemos admitir), mas o São João não foi a primeira vítima cultural do novo vírus. O primeiro grande festival cancelado pela pandemia foi o Ano Novo Chinês, por determinação do próprio Estado asiático [10]. A medida foi tomada na metade de janeiro, enquanto existiam 25 mortes confirmadas pelo vírus covid-19, mas credita-se a medida como vetada em cima da hora, originando ainda algumas visitas a parentes, aglomerações em mercados locais e programações não-oficiais.

Apesar do Brasil ter serviços digitais um pouco mais emergentes que os chineses em algumas áreas, o brasileiro se adequou bem a nova realidade e de seus festejos [11]. A festa de São Jorge (23 de abril), padroeiro extraoficial do Rio de Janeiro, foi realizada praticamente ao badalar de sinos de igrejas, lives religiosas, queima de fogos, doações não presenciais e serviços de pronta entrega de feijoada (alimento que marca a imagem do feriado carioca, juntamente com o samba). Toda a tecnologia propicia mecanismos para que o fogo da festividade possa ser realizado e compartilhado ao maior número de pessoas e sem nenhum perigo!

O fortalecimento da indústria cultural, onde espetáculos cada vez mais pirotécnicos, serviços de entrega de comida típica (como o disk-pamonha) e danças e espetáculos coreografados têm contribuído para o engajamento das pessoas no rito e na disseminação de crenças e tabus alimentares [1]. Seria a economia sob demanda capaz de propiciar o engajamento comum das festas populares? Poderão os novos eventos online promover maneiras de criação de habitus alimentares ou mesmo manter os antigos costumes? Escreva o que acha e se divirta bastante este ano, mas em casa!

 

Referências

[1]: TRIGUEIRO, Osvaldo Meira. Festejos juninos e os ritos de origem agrária. Comissão Estadual de Folclore, INTERCOM.  Rev. Bras. Com. São Paulo, V. XVIII, nº 2 p. 153-156, jul/dez. 1995;

[2]: MORIGI, Valdir. Festa junina: hibridismo cultural. Cadernos de estudos sociais, v. 18. n. 2, 2002. Disponível aqui. Acesso em 26 mar. 2020;

[3]: COSTA, Gilberto. Festa junina é aula de gastronomia e história. Portal Agência Beasil. 2019. Publicado em 26/06/2019 – 07:00 Por Gilberto Costa – Repórter da Agência Brasil – Brasília. Disponível aqui. Acesso em 25 abr. 2020;

[4]: CARVALHO, Gabriela Maciel Machado de. Comidas de festa junina. 2018. 28 f. TCC (Graduação) – Curso de Design, Departamento de Design, Universidade de Brasília, Distrito Federal, 2018. Cap. 1. Disponível aqui. Acesso em: 26 mar. 2020;

[5]: RODRIGUES, Jéssyca BS et al. O milho das comidas típicas juninas: uma sequência didática para a contextualização sociocultural no ensino de Química. Química Nova na Escola, v. 39, n. 2, p. 179-185, 2017. Disponível aqui. Acesso em 26 mar. 2020;

[6]: PAN, Jovem. Cancelamento do São João preocupa cidades do nordeste. Por Jovem Pan, 22/04/2020 06h28. Disponível aqui. Acesso em 7 mai. 2020;

[7]: DINO. A tentação das comidas típicas da festa junina e o controle de peso. Portal Terra, 22 jun. 2019. Disponível aqui. Acesso em 26 mar. 2020;

[8]: OLIVEIRA, Cida de. O que o agronegócio e a produção de alimentos têm a ver com a Covid-19? RBA, Rede Brasil Atual, ambiente. Publicado 06/04/2020 – 09h17. Disponível aqui. Acesso em 25 abr. 2020;

[9]: SEMANA, Guia da. 15 receitas light de comidas típicas da festa junina para fazer em casa. Delícias típicas, por redação Guia da Semana. Disponível aqui. Acesso em 7 mai. 2020;

[10]: AFP. Pequim cancela festividades do ano novo chinês por causa do coronavírus. Correio do Povo, 23 jan. 2020, 9h21. Disponível aqui. Acesso em 14 mai. 2020;

[11]: Blois, Caio. Sem feijoada e samba: São Jorge tem festa diferente em crise da covid no RJ. Grupo UOL, Rio de Janeiro, 23 abr. 2020, 4h00. Disponível aqui. Acesso em 14 mai. 2020.