Leave the gun, take the cannoli

A territorialidade é uma sensação relacionada a identificação do homem com o território. É uma noção que é encontrada, normalmente, nas pessoas que nascem em um lugar. Mas para o migrante a construção da sua nova territorialidade é conturbada. Afinal de contas, ainda mantém os laços de territorialidade com sua terra natal e como lidamos com isso, no território de origem do outro é diferente.

A conceituação de território e territorialidade é muito ampla, mas por enquanto vamos seguir com Raffestin que destaca principalmente que território é onde há a ocorrência de qualquer relação de poder promovida no espaço. A territorialidade é o conjunto de influências que é exercido sobre o território.

Considerando tudo isso, quando o migrante tenta construir uma territorialidade encontra a barreira da territorialidade que já existia ali, a nativa. Os nativos têm em si, a concepção que apenas eles podem, por direito, exercer poder e influência nesse território.

Essa é uma reflexão interessante que pode nos levar a caminhos de entender sobre xenofobia e coisas do tipo, mas não vamos tomar essa via por agora.

Voltando ao migrante. Quando este migra, leva consigo valores relacionados ao seu local de criação, costumes, tradições familiares e em uma larga escala as características da sua população de origem. Reproduzir essas características em seu novo meio é o normal e esperado. Essa reprodução molda a territorialidade do migrante em sua nova morada.

A migração italiana para os Estados Unidos da América:

Na segunda metade do século XIX, sobretudo em meados de 1870, a migração italiana nos Estados Unidos aumentou significativamente após o processo de unificação do estado daquele país.  A partir do momento em que os italianos fixavam-se em números cada vez maiores no estado Americano, mais migrantes passaram a compartilhar da cultura da região na qual viviam criando em seus redutos sociedades – Little Italy.

Esses migrantes italianos, de certa forma, não eram bem vistos pela sociedade estadunidense. Muitos desses migrantes eram de classes mais baixas, educação mínima ou nenhuma, acostumados a lidar com trabalhos manuais e manejo da terra. Ao chegarem aos Estados Unidos da América eram estereotipados pejorativamente sendo constantemente relacionados à marginalidade, ao mundo do crime, a falta de higiene e de educação.

Muitos desses imigrantes italianos conseguiam chegar aos EUA pelo chamado “Padrone system”.

Seguimos. Esse sistema era assim, um empresário ou agente buscava na Itália pessoas interessadas em atur no mercado de trabalho, facilitando quem tinha o desejo de realizar essa migração.

Normalmente um homem retornava à terra natal com um objetivo especial. Chamado como Padrone (chefe), ele recrutava outros italianos para emigrar para os Estados Unidos. O Padrone prometia emprego aos trabalhadores e os ajudava a ajustar a vida num país estrangeiro¹. (IORIZZO, CADARSCO, 1977, apud PUMPRLA, 2010)[1]

No início do século XX, os italianos migrantes fixaram residência em cidades dos Estados Unidos com mais de 50 mil habitantes, no bairro do Brooklyn, em Nova Iorque, e conseguiam aumentar sua influência pelo local política e culturalmente. Até o final da segunda década do século passado mais de 25% da população italiana havia emigrado para os Estados Unidos. Nesse período, a cidade de Nova Iorque passou a ter mais habitantes ítalo-americanos do que a população das cidades italianas de Florença, Veneza e Genova juntas.

A máfia na Sicília, Território e Poder:

O surgimento do crime organizado na Itália, principalmente na Sicília, tem uma explicação histórico-geográfica. A Sicília é uma ilha em local estratégico, devido sua saída para o Mar Mediterrâneo. Esse fator propiciou ao longo da história invasões de exércitos inimigos, gerando um abandono por parte do governo central.

Sem as mãos do Estado, desacreditado pela população, surgiram líderes locais que controlavam a região com regras além das leis e atividades criminosas. A família substituiu o Estado como centro da vida siciliana e as disputas passaram a ser resolvidas por meio de um sistema em que as punições eram aplicadas além dos limites da lei.

Ao oferecer a proteção – por meio de extorsão, sugerindo que os comerciantes deveriam se proteger de criminosos que seriam os próprios mafiosos – a máfia gera renda e, é nas pequenas atividades ilícitas que está a fonte de renda.  As demais atividades ilicitas em macroescala praticadas pela máfia , tinham como função assegurar a máxima renda.

A família é prezada pelos integrantes da máfia. A mulher deve ser respeitada, jamais traída. A mulher de outro integrante da máfia não pode ser desejada, nem sequer olhada. Os códigos pregam a honra, fidelidade e obediência, qualidades estas que incluem o sentido de poder e de respeito

Vida nova na América e viva Don Corleone!

Como já comentei, sempre que alguém migra esse alguém leva consigo seus costumes e tradições, nesse caso não seria diferente.

A ideia de família centrada na figura do homem sempre foi tradição na Itália, e foi trazida assim para a América, seguiu nos costumes ítalo-americanos, e isto foi de fato um dos maiores diferenciais do estabelecimento italiano na América.

A importância da família se torna visível ao se tentar manter uma relação como a existente na Itália, seria um porto de segurança, onde a confiança era essencial. “Sua família é sua sociedade” (The Last Don – Mario Puzo). É importante comentar que a família era como uma corporação, todos os membros trabalham em união para perseguir e completar seus objetivos.

Contudo, a família existia totalmente dentro dos moldes do patriarcado. O pai é o mentor e responsável pelas principais decisões, nas vidas de suas famílias e principalmente sentido na vida das mulheres. Assim se tornava o responsável do que acontecia em sua casa e com sua família.

Mas nem tudo eram flores na América, o tempo difícil faz surgir o sentimento de procura por novas oportunidades, porém não havia trabalhos, e a pobreza começava a se infiltrar novamente pela vida dos novos mirantes. E assim era marcado o começo da vida ilegal dos migrantes. Ou você transgredia as leis ou sua família passava fome.

Havia entre a grande massa de migrantes advindas da Itália, indivíduos que faziam parte da Máfia, estes com o intuito de reproduzir a organização no novo país como já fazia em suas terras na Europa.

Nas primeiras décadas de existência da Máfia esta tinha a função de proteção e justiça. Fornecendo trabalhos que tomariam o papel do Estado. Era dito que o crime organizado fornecia a proteção que o Estado não. A organização possuía influencia e possivelmente controle sobre a politica, departamento de policia e outro órgãos de manutenção e ordem da cidade.

O sistema siciliano de proteção era estruturado hierarquicamente, em um escala rígida de atitudes e costumes. No topo da organização estava o chefe da Máfia, ou capo famiglia, todas as decisões finais e importantes passavam pelas mãos do chefe. Este era responsável pela manutenção da hierarquia e das relações politicas da organização. O chefe direcionava aos seus soldados os deveres de se regular a proteção da área de influencia da família.

A Máfia por toda sua história possuiu um caráter de tradição, trabalhando sempre com os mesmos costumes e áreas de atuação, estes indo pela ilegalidade como contrabando até os trabalhos legais em hotéis e restaurantes.

É curioso pensar sobre como, nesse caso, a criminalidade foi uma expressão da territorialidade, posto que, se deu nos exatos mesmos moldes da máfia siciliana. Contudo, a territorialidade não se exprime sempre através da criminalidade. Territorialidade é colocar a bandeira do seu time na janela do prédio, celebrar datas importantes para sua cultura, fazer um prato típico…

Territorializar é tornar aquele espaço um pouco seu, um pouco como casa.

 

Esse texto é uma visita que eu fiz à um trabalho que fizemos na graduação em Geografia, para a disciplina de Geografia Política. Eu, David Prado, Matheus Ardmond e Welisson Wendel. Portanto, crédito deles também.