Se hoje Assassin’s Creed é um dos carros chefes da Ubisoft, isso se deve à série Prince of Persia. A série começou em 1989, criada por Jordan Mechner.

O primeiro jogo, Prince of Persia, foi revolucionário para a época, principalmente por sua animação realista, baseada em rotoscopia (captura de movimentos reais), mas foi com a trilogia Sands of Time que a série ganhou o coração de muitos fãs. Depois disso, tivemos mais dois novos jogos e um terceiro que inicialmente foi pensando como Prince of Persia, mas virou o primeiro Assassin’s Creed. Foi somente depois de um hiato de mais de uma década que tivemos o retorno da série.

Prince of Persia: The Lost Crown, lançado em 2024, marcou o retorno da querida franquia com uma abordagem renovada, tanto em jogabilidade quanto em estilo visual, além de ser um metroidvania agora.

Diferente dos títulos anteriores, The Lost Crown não segue o Príncipe clássico, mas apresenta um novo protagonista: Sargon, um jovem guerreiro integrante dos “Imortais”, um grupo de elite encarregado de proteger o Império Persa. O jogo também se destacou por se basear na história e mitologia persa, diferente dos anteriores que tinham uma pegada árabe (vale lembrar que árabe e persa não são a mesma coisa). Então peça sua benção a Ahura Mazda e vamos juntos conhecer mais sobre a história da Pérsia e como ela se transformou no que hoje é o Irã.

Na trama de The Lost Crown, após mais de 30 anos assolado por secas severas, fome e sucessivas ameaças externas, o Império Persa encontra-se à beira do colapso. A mais recente invasão do Império Kushan é contida graças à intervenção dos Imortais, com destaque para Sargon, que derrota e mata pessoalmente o general inimigo Uvishka.

Como reconhecimento por sua bravura, Sargon e seus companheiros são homenageados pela Rainha Thomyris e pelo Príncipe Ghassan durante as celebrações da vitória. No entanto, o clima de comemoração é abruptamente interrompido quando o príncipe é sequestrado — um ato inesperado cometido por Anahita, mentora de Sargon e respeitada general persa, é aí que aventura começa mesmo e devemos ir até o Monte Qaf, um local sagrado e lendário, para resgatar o príncipe e desvendar toda a trama.

Mas vamos com calma, porque já temos muita informação aqui e o jogo mistura diversos momentos da história persa para criar sua trama. Primeiro, o que foi o Império Persa?

O Império Persa teve origem na região onde hoje fica o Irã e foi um dos maiores e mais influentes impérios da Antiguidade. Seu primeiro e mais famoso período foi o Império Aquemênida, fundado por Ciro, o Grande, por volta de 550 a.C.. Ele unificou os povos persas e medos e iniciou uma grande expansão territorial, conquistando a Mesopotâmia, a Lídia, o Egito e parte da Ásia Central, sendo seu principal centro a cidade de Persépolis.

Sob o reinado de Dario I (522–486 a.C.), o império atingiu seu auge, com uma administração organizada em províncias chamadas satrapias e uma política de tolerância religiosa e cultural. Dario também mandou construir a Estrada Real e fortaleceu a economia com um sistema tributário eficiente.

O Império Aquemênida entrou em declínio após derrotas militares, como nas Guerras Greco-Persas. Em 330 a.C., o império foi conquistado por Alexandre, o Grande, marcando seu fim.

Após a queda dos aquemênidas, o domínio persa foi restaurado com o Império Parta (247 a.C.–224 d.C.) e, depois, com o poderoso Império Sassânida (224–651 d.C.), que rivalizou com o Império Romano.

Imagem 01: O Império Persa em toda sua extensão. A imagem mostra um mapa da Europa, Ásia e África, onde podemos ver que o Império Persa se estendia da Índia ao Mediterrâneo.

No jogo, vemos que o Império Persa está sendo atacado pelo Império Kushan, porém isso só aconteceu durante o período Sassânida (224–651 d.C.), o que acaba entrando em contradição com a trama, que tem o reinado de Dario I como um dos seus pilares.

Dario I reinou entre 522–486 a.C., bem antes do período Sassânida. Além disso, uma das moedas usadas no jogo para compra de melhorias para Sargon é a moeda de Xerxes (aquele mesmo, do 300). Xerxes sucedeu o reinado de Dario I, seu pai, e continuou os ataques ao território Grego iniciados por ele, culminando na famosa batalha da Termópilas. Porém, Xerxes não possuía uma moeda só sua, na verdade por muito tempo, a moeda usada no Império foi o dárico, criado por Dario.

Imagem 02: À esquerda a moeda de Xerxes no jogo e à direita o dárico. Na imagem podemos ver duas moedas douradas, uma com a face de um rei e a outra com o perfil de um rei

Apesar disso, o jogo acerta em mostrar a Rainha Thomyris fazendo parte de um jogo de intrigas e traições para garantir a sucessão do reino ao seu filho, o Príncipe Ghassan.

Durante o Império Persa, apesar de as mulheres não terem espaço direto para comandar, sua influência era muito grande. Muitas vezes, o objetivo era gerar um menino e garantir sua sucessão ao trono (e nesse caso tanto faz se fosse de uma das muitas mulheres ou concubinas do rei), nem que para isso fosse necessário acabar com possíveis concorrentes ao trono. Inclusive, a mãe do rei exercia influência tão grande no seu filho que não foram poucas as vezes que aliados do Império foram condenados a morte por sua ordem.

Outro grande acerto do jogo, são as tabuletas encontradas durante a jogatina, que trazem mais informações sobre o reinado de Dario e vislumbres do dia a dia da população da Pérsia. Tabuletas são placas planas feitas de materiais como argila, madeira, cera, pedra ou metal, usadas na Antiguidade para escrever, registrar informações ou ensinar. Elas foram os primeiros “cadernos” da história e desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento da escrita e da administração.

Imagem 03: Uma tabuleta de argila com escrita cuneiforme. A imagem mostra um bloco de argila, com uma escrita antiga

Durante o Império Persa, as tabuletas foram amplamente utilizadas para registrar informações administrativas, econômicas e políticas. Elas eram parte fundamental do sistema de governo altamente organizado dos persas.

Graças a isso e a descobertas arqueológicas, temos diversas informações de como o Império era administrado, mostrando com números quantos impostos eram recolhidos, quem pagava e quem recebia, quem eram as pessoas responsáveis por essas informações e muitas outras coisas, como casos de julgamentos e até mesmo de intrigas palacianas. Muitas tabuletas também foram escritas para reafirmar o que era dito pelos reis do Império, que eles eram a representação terrena do grande deus supremo, Ahura Mazda. Esse deus é o centro das orações no Zoroastrismo.

Uma das religiões mais antigas do mundo ainda em prática, o Zoroastrismo, surgiu na Pérsia por volta do século VI a.C., sendo fundada pelo profeta Zaratustra (ou Zoroastro, como ficou conhecido na tradição grega). O mundo, segundo essa crença, está em constante luta entre as forças do bem (representadas por Ahura Mazda) e do mal (representadas por Angra Mainyu, ou Ahriman, espírito do caos e da destruição). O ser humano tem livre-arbítrio e deve escolher entre o bem e o mal. Temos diversos vislumbres dessa religião durante o jogo, porém no remake, lançado em 2008, ela é parte central da trama.

Imagem 04: Ahriman em sua forma no jogo de 2008. Na imagem podemos ver uma grande sombra com um rosto perverso

Quase todo o jogo se passa no Monte Qaf. Esse monte tem grande importância na tradição iraniana. Poetas e místicos persas, como Attar de Nishapur (autor de A Conferência dos Pássaros), mencionam o Monte Qaf como o destino da jornada espiritual. Em A Conferência dos Pássaros, por exemplo, as aves do mundo viajam para encontrar seu rei, o mítico Simurgh, que vive no Monte Qaf. Simurgh também está presente no jogo e é peça importante na jornada de Sargon.

E por falar em Sargon, como tido anteriormente, ele faz parte dos “Imortais”, um grupo de elite Persa e que realmente existiu, apesar de provavelmente não ser chamado assim (esse nome só era usado pelos gregos).

Imagem 05: Os 7 Imortais no jogo. A imagem mostra 7 guerreiros encarando um inimigo

O nome “Imortais” vem da política de manter o número de 10.000 soldados fixo (diferente do game, em que são 7). Sempre que um soldado morria, adoecia ou era ferido, ele era imediatamente substituído — dando a impressão de que o grupo era “imortal”. Sua função era proteger o Grande Rei (como Ciro, Dario e Xerxes), servir como guarda pessoal da realeza, ser uma tropa de choque em campanhas militares importantes e manter a ordem nas províncias do império.

Usavam armas leves, como lanças, espadas curtas, arcos e flecha e vestiam trajes ricamente decorados com mantos coloridos e tiaras. Também levavam escudos feitos de vime cobertos com couro.

Imagem 06: Uma representação de como seriam os verdadeiros Imortais no nosso mundo. Na imagem vemos uma gravura em um muro de 4 guerreiros armados

Os “Imortais” lutaram em diversas campanhas militares importantes, como

  • As guerras de expansão de Ciro, o Grande
  • A invasão do Egito por Cambises II
  • As Guerras Greco-Persas, incluindo a famosa Batalha das Termópilas (480 a.C.), onde enfrentaram os 300 espartanos liderados por Leônidas

Voltando ao jogo, podemos citar um ótimo ponto positivo que os desenvolvedores de The Last Crown implementaram no jogo para ajudar na imersão histórica. Além do inglês, francês e alemão como opções de áudio, o farsi também está disponível.

Farsi é o nome dado ao persa moderno no Irã e pertence à família das línguas indo-iranianas, um ramo das línguas indo-europeias. É falado por mais de 100 milhões de pessoas, principalmente no Irã, Afeganistão (onde é chamado de dari) e Tajiquistão (onde é conhecido como tajique). Apesar de não ser exatamente a língua falada no antigo Império, existem várias semelhanças entre as duas.

E já que falamos diretamente do Irã, quando a Pérsia se tornou o Irã? Na verdade, pode se dizer que o Irã nunca deixou de ser a Pérsia, mas pelo menos no nome, isso aconteceu em 1935, quando Reza Pahlavi solicitou que os países estrangeiros passassem a usar Irã“, em vez de “Pérsia”, em documentos e relações diplomáticas, como forma de reforçar a identidade nacional moderna e se afastar da imagem imperial antiga.

Ainda sobre o Irã, não podemos deixar de comentar que, desde a Revolução Islâmica de 1979, o país é uma república islâmica, onde o poder político combina governo civil com autoridade religiosa. O líder supremo (aiatolá) tem grande influência sobre o parlamento, as forças armadas e a justiça.

Imagem 07: O atual líder supremo do Irã, Ali Khamenei. Na imagem vemos um senhor ao lado da bandeira do Irã

O país frequentemente enfrenta tensões com potências ocidentais, principalmente os Estados Unidos, por questões nucleares, direitos humanos e influência regional. Mesmo assim, mantém papel central na geopolítica do Oriente Médio. Sua identidade mistura, com orgulho, o legado da antiga Pérsia com os valores islâmicos contemporâneos. É um povo resiliente, com uma rica herança cultural que continua a influenciar o mundo nas artes, na filosofia, na ciência, na literatura e, claro, nos games.

Prince of Persia: The Lost Crown foi bem recebido pela crítica, elogiado por sua jogabilidade refinada, design de níveis inteligente e uma abordagem corajosa de revitalizar a franquia com um protagonista e narrativa novos, porém devido às baixas vendas, infelizmente a equipe de desenvolvimento do jogo foi dissolvida pela Ubisoft, com seus membros sendo realocados para outros projetos. Pelo menos a franquia permanece viva, com a promessa de novos lançamentos

Imagem 08: Em 2024 a série completou 35 anos. A imagem mostra uma arte comemorativa de 35 anos da série com todos os protagonistas dos jogos

E chegamos ao fim de mais um texto. Espero que tenham gostado. Deixem aí nos comentários se já jogou algum game da franquia e o que achou de The Lost Crown. Até a próxima.

Fontes: Wikipédia, Adrenaline, Uol Educação, Mundo Estranho, Toda Matéria, Ensinar História, National Geographic Portugal e LLEWELLYN-JONES, Lloyd. Os Persas: A era dos grandes reis. Campinas: Crítica, 2023.