Em 15 de julho deste ano, a Vigilância Sanitária como instituição teve uma importante vitória na Câmara dos Deputados: o projeto de lei 1126/2021 foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça — CCJ – e agora segue ao Senado Federal. O dia marcou uma conquista para a categoria, que segue tendo pouco reconhecimento como profissão, apesar de sua importância para a saúde pública.
A Vigilância Sanitária é uma classe de serviços públicos de saúde que engloba atividades de natureza profundamente técnicas, como inspeção de estabelecimentos, formação de barreiras sanitárias, interdição de locais e serviços inapropriados, emissão de relatórios e pareceres técnicos de auditoria, além de muitos outros. Essa dinâmica já foi exposta em outro texto (link aqui) no ano passado.
Como foi dito naquele artigo, o projeto de lei citado visa equiparar as funções de agente de vigilância sanitária aos demais profissionais de saúde e atenção primária, como agente de combate às endemias e comunitário de saúde. Apesar de importante, o profissional segue sem a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o que faz com que não tenha funções, direitos ou até nomenclaturas reconhecidas e uniformes por todo o território nacional.
Aqui no município onde atuo, por exemplo, há duas profissões que trabalham em funções análogas: o fiscal de vigilância sanitária e o agente de saúde pública. Em outras cidades, só existe uma profissão para essas funções. Em outras, apenas um único responsável técnico, mesmo para uma ampla gama de serviços. Esse quadro revela erros e inconsistências de um país que cada vez mais irá precisar do agente sanitarista. Ainda assim, os profissionais de municípios seguem sem reconhecimento salarial digno, definição clara de funções e atribuições, excesso de burocracias e falta de flexibilidade em situações de risco. A mistura desses fatores gera um resultado insosso e alarmante.

Imagem um. Anvisa determina apreensão de lote falsificado de botox. Pela natureza técnico-científica do trabalho, os profissionais de Vigilância Sanitária são os únicos com instrumentos legais para retirada de mercadorias dos serviços [1]. Apesar disso, os mesmos seguem sem capacitação contínua, plano de cargos íntegros ou até nomenclatura única. Na figura, observamos uma senhora recebendo uma aplicação de injeção na testa.
Foi justamente nesse cenário que surgiu o PL 1126/2021, de autoria de Wilson Santiago (PT). E, nos círculos do legislativo, um grupo se destacou na atuação a favor desse projeto: a UNAVISA. Neste texto, iremos conversar com os profissionais dessa instituição, esclarecendo questões pertinentes como quem são eles, qual o atual estado do projeto e suas barreiras para efetivação. Vamos começar aqui uma entrevista Deviante!
Começando a entrevista…
Primeiramente, acho bom entendermos o que é o UNAVISA e como ela representa os agentes em vigilância sanitária como categoria. É uma associação? É um sindicato? Qual a relação dos membros com o trabalho em saúde pública?
A UNAVISA é a Associação Nacional dos Profissionais da Vigilância Sanitária nos Municípios Brasileiros, criada em 2022 para representar os profissionais em Brasília. Atualmente, está passando por um procedimento de mudança de associação para sindicato. Sua atual diretoria são todos profissionais da vigilância sanitária com vínculos municipais no quadro de funcionários estatutários nas secretarias municipais de saúde.
A UNAVISA tem se destacado na representação da Vigilância Sanitária nos círculos do legislativo. Como começou essa ideia?
Após a criação do PL 1126/21. No ano correspondente, os profissionais criaram uma comissão de representantes para interagir com o autor do projeto, o deputado federal Wilson Santiago (PB) e com o primeiro relator na Comissão de Saúde, deputado federal Mark Beltrão (AL). A comissão foi enviada até Maceió/AL e tratou pessoalmente com o relator, que demonstrou profundo interesse e recomendou a presença dos profissionais em Brasília. A partir daí, a primeira comitiva enviada a Brasília, em novembro de 2022, iniciou as tratativas para a criação de uma pessoa jurídica para representar a categoria.
Acredito que existe alguma distorção entre o trabalho da Vigilância Sanitária real e aquele que os parlamentares acreditam que realizamos. Qual é a principal diferença entre essa visão e a realidade?
Afirmação assertiva. De fato, há uma interpretação errônea por parte de assessores e parlamentares no tocante a identidade profissional da nossa categoria. Há em diversos momentos uma interpretação de que somos agentes de saúde (diretamente iguais ao ACE e/ou ACS) misturando nossas atribuições, o que foi combatido e demonstrado ao longo dos últimos quatro anos na Câmara dos Deputados. Agora, encontramo-nos devidamente identificados nas nossas atribuições e identidade profissional.
[Lênin] ACE diz respeito aos Agentes de Combate às Endemias, que tem como atribuição o desempenho de atividades de prevenção e controle de doenças infectocontagiosas nas comunidades, através de atividades de vigilância provocada por evento epidemiológico, de forma integrada, regionalizada e hierarquizada, conforme os princípios do SUS [2]. Já o Agente Comunitário de Saúde – ACS – visa identificar situações de risco sanitário nas comunidades, realizando cadastros, promovendo consultas, orientando e, conforme necessário, integrando ações de vigilância e promoção à saúde [3]. Ambos se estabelecem como estratégia de Vigilância em Saúde.
A Vigilância Sanitária exerce as mesmas atividades, porém em situações diversas, como indústrias de cosméticos, alimentícia, química, clínicas, laboratórios e consultórios, hotéis, motéis, presídios e escolas. Também é responsável por fazer o licenciamento sanitário desses locais, através da emissão do alvará sanitário. Assim, promove a vigilância em saúde em serviços de risco, concatenando com a arrecadação municipal através do pagamento de taxas do seu poder de polícia.
Apesar de atividades análogas, os ambientes são diferentes, bem como os objetivos, no caso do licenciamento. É importante frisarmos isso para entendermos a identidade profissional desses trabalhadores.
A UNAVISA muito se explica por sua atuação em prol do Projeto de Lei 1126/2021, que é bastante importante aos agentes de vigilância sanitária como já escrevi no Portal. Como a entidade enxerga o PL?
A proposta da UNAVISA é a de representar todos os profissionais da vigilância sanitária na esfera federal em Brasília.
No momento, só existe em tramitação no Congresso Nacional o PL 1126/21 que atinge diretamente e exclusivamente os Agentes (e suas ramificações de nomenclatura) de Vigilância Sanitária nos municípios brasileiros. Porém, estamos à disposição para atender aos interesses de todos os profissionais dos diversos níveis de formação e com interesse em defender a todas as pautas ligadas à categoria de profissionais, independentemente do nível escolar e do vínculo empregatício.

Imagem dois. Profissionais da UNAVISA em contato com senadores. Fonte: acervo, com autorização de uso. Da esquerda à direita, Deoclésio (fiscal), Senador Luis Carlos Heinze (PP/RS), Odilon, João e Júnior (fiscais de vigilância sanitária).
Em 2024, tivemos uma importante vitória na Comissão de Finanças da Câmara, mas muitos agentes acharam errado ter tirado qualquer menção a um piso salarial à categoria. O que vocês acharam dessa mudança?
De fato, a proposta de retirada do piso salarial da categoria na CFT (comissão de finanças e tributação) foi um duro golpe na nossa categoria. Todas as atividades da diretoria da UNAVISA, em concomitância com seus representantes em Brasília, sempre trilharam o caminho técnico, apontado e direcionado pela assessoria legislativa, jurídica e parlamentar dos profissionais de gabinetes no Congresso. Naquele momento, foi informado para a categoria que apenas dois caminhos poderiam ser trilhados com o projeto:
1. Encerrar o projeto e voltar à origem para tratar da regulamentação profissional, uma vez que, em matéria financeira, apenas o executivo poderia sugerir ao legislativo (Nesse instante, a equipe técnica do Congresso emitiu a nota técnica em consultoria ao projeto afirmando a inconstitucionalidade do projeto após a manifestação do STF pós piso da enfermagem) ou;
2. Emendar o projeto com a supressão do piso salarial e continuar a tramitação. Vale ressaltar que a CFT tem natureza terminativa, ou seja, tinha o poder de encerrar o projeto e arquivá-lo; e isso seria uma derrota, como já aconteceu no passado com um projeto que regulamentaria a categoria.
Sendo assim, em decisão amplamente debatida em assembleias nacionais com os filiados da UNAVISA, foi pela emenda modificativa e o avanço do projeto.
Ressalvamos que o PL 1126/21 propõe alterar a Lei Federal 11.350/06. Amplamente sugerimos ao longo da trajetória a leitura criteriosa por parte da categoria das respectivas leis. Não há nenhuma possibilidade de promover juridicamente e tecnicamente comparativos com diversos projetos de piso de outras categorias, ou seja, cada tema tem especificidades distintas. Só um estudo técnico aprofundado poderia referendar a decisão tomada pelos filiados da UNAVISA à época.
Existe algum entrave esperado ao projeto, agora que ele foi aprovado na Câmara e segue ao Senado?
Estamos sempre com boas expectativas para o futuro da categoria, de maneira que não foi a mesma que criou o problema a que estamos enfrentando. Na verdade, a ausência da participação legislativa e executiva para com a categoria nos levou, até esse momento, ao questionamento essencial: como pode uma categoria não ter regulamentação profissional, e responder diretamente a legislações extensas e complexas de todo o serviço regulado pelo setor de vigilância sanitária? Isso traz à tona a provocação ao diálogo e as atitudes que deverão ser tomadas através de legislação. E o PL 1126/21 é a primeira delas, provocando categoricamente diversas ações a fim de garantir direitos e deveres da categoria e do patronal (executivo).
[Lênin] A Vigilância Sanitária responde pelo uso de diversos instrumentos legislativos, todos com altos níveis de complexidade. Alguns exemplos são a Resolução de Boas Práticas de Manipulação de Alimentos (RDC 216/2004), Resolução de Procedimentos Operacionais em Indústrias Alimentícias (RDC 275/2002), Regulamento Técnico para Elaboração de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (RDC 50/2002), Resolução para Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados (RDC 429/2020) e até mesmo o Regulamento para Boas Práticas de Fabricação de Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes (RDC 48/2013). Bem variados entre si, mas que contam com o mesmo profissional aplicando por vezes. Algumas vezes, de nível superior; outras, só com o ensino médio.
O cenário do Brasil parece bastante desafiador à atuação efetiva do profissional sanitarista. Corte de gastos por todos os cantos, instrumentos defasados, capacitação deficitária do corpo técnico e, para piorar, uma população cada vez mais aberta à desinformação. Como a UNAVISA enxerga o futuro do vigilante sanitário nesse ambiente?
Um ambiente desafiador, porém, nada de novo; pois há uma resistência histórica e cultural na nossa sociedade de que tudo deve ser facilitado, feito de qualquer forma. A Vigilância Sanitária Municipal é a única categoria na estrutura do Ministério da Saúde e SUS que promove arrecadação financeira, nenhuma outra tem essa prerrogativa constitucional. É a única categoria com centenas de dispositivos regulatórios, como RDCs da ANVISA, decretos e legislação do Ministério da Saúde, estados e municípios, compondo o leque legal que legitima o trabalho. Reafirmar o poder de polícia administrativa, balizado pela CF, e legitimar a função típica de estado dada aos profissionais de vigilância sanitária é o que garantirá o futuro. Educação continuada e canais eficientes de informação também são lutas nossas.
E a UNAVISA estará preparada para este futuro? Como nós, profissionais em Vigilância Sanitária, devemos estar atuando?
A UNAVISA ainda é nova e com muito o que aprender. Aguardamos a adesão e maior participação da categoria. Levar a proposta de representação a todos os municípios brasileiros ainda continua sendo um sonho, embora já esteja chegando a quase 50% de visibilidade nacional. Estamos constantemente estudando, aprendendo e nos preparando para os desafios do futuro. Esperamos a aproximação dos profissionais em conhecer e participar nos debates; e de forma muito enfática, adotada pela atual diretoria, que é a empatia que cada um de nós devemos ter para com os demais profissionais da vigilância sanitária.
Por quais meios podemos entrar em contato com vocês?
A UNAVISA possui os seguintes canais de comunicação:
E-MAIL: [email protected]
FONE/ZAP: 61 9 9882-3234
INSTAGRAM: @unavisa.brasil
Finalizando a entrevista…
O futuro é aterrador e desesperançoso para muitos profissionais da área da saúde. O desinvestimento já impacta a vida, o trabalho e o psicológico de milhares de trabalhadores sanitaristas. Porém, a união de um grupo como a UNAVISA, que luta incisiva e continuamente a favor de uma categoria profissional invisibilizada, nos mostra que ainda temos muita energia para mudar esse cenário. São agentes que, pelos mais variados mecanismos técnicos e legais, informam que é possível, sim, termos um futuro esperançoso pela frente.
O Brasil pode parecer um pouco desestimulante às vezes, mas grupos assim refletem o nosso desejo de olhar para frente e enxergar possibilidades melhores, condizentes com o que nosso povo merece. E esse “olhar para frente” talvez seja a característica mais definidora de quem são os brasileiros, na minha humilde opinião.
Não somente olhando por cozinhas, restaurantes, bares, clínicas ou escolas, mas também nos ajudando a enxergar esse futuro que merecemos. Obrigado ao pessoal da UNAVISA pela entrevista! E vamos à luta, agora no Senado!
Pessoal, não deixem de conferir o meu mais novo livro na Loja da Uiclap! O preço está especial nesses dias. Para quem não sabe do que estou falando, deixo aqui o texto de divulgação aqui no Portal Deviante. Até a próxima leitura!


