No texto anterior, “Comportamento Agressivo: Gênero, Cultura e Violência”, discutimos alguns conceitos centrais sobre a agressividade humana, destacando o papel do gênero, das experiências pessoais e da cultura para as manifestações de violência. Certamente, as nossas experiências de vida são decisivas para as nossas inclinações de sermos, ou não, mais agressivos. No entanto, os efeitos das variáveis ambientais, como a cultura, não ocorrem no vácuo, mas sim em um organismo, em um frágil serzinho biológico dotado de um cérebro grande e de secreções de muitos hormônios. Agora, vamos explorar os bastidores dessa história: é no nosso cérebro, e através dos nossos hormônios e neurotransmissores, que a cultura e as nossas experiências se traduzem em atitudes e ações.

Os costumes e as experiências individuais têm, inegavelmente, impactos implícitos e cognitivos sobre os nossos atos, selecionando comportamentos “desejáveis”. Isto se dá através da aplicação de consequências (recompensas ou punições) para quem se encaixa ou não nas normas veladas, sociais e culturais. Chamamos isto de condicionamento. Porém, outros elementos também devem ser considerados nessa equação.

Os Esteroides e a Natureza Humana

De primatas pelados a consumidores de violência na mídia: “Negar nossos impulsos é negar aquilo que nos faz humanos”

Somos mais ou menos suscetíveis a determinadas punições e recompensas (mais conhecidas como reforços), e isto se deve, em certa medida, à nossa história evolutiva e à nossa biologia. Não negar-vos-eis, por mais que usemos roupas, perfumes, mesóclises e monóculos: ainda somos – apenas – primatas “pelados”! E como tais, somos vulneráveis à influência da agressão na nossa ecologia e sobrevivência como espécie. Não é à toa que a mídia e a indústria do entretenimento usam a violência para prender a atenção da audiência. A agressão vende porque ela é extremamente reforçadora (ou punitiva, se você estiver do outro lado), justamente por ter um altíssimo valor adaptativo (assim como o amor/sexo).

Da adaptação à falácia do apelo à natureza: O apelo à natureza é um erro comum quando falamos sobre “adaptação”. Não é porque algo foi adaptativo para a nossa espécie que seja, hoje, desejável para a nossa sociedade.

A agressividade é uma extraordinária adaptação para sobrevivência de diversas espécies de animais, não só de humanos. Entretanto, não me entenda mal, a violência é um grave problema social; muito ligada ao sexo masculino (conforme abordei no texto anterior). Exatamente por isto que devemos compreender as bases neurobiológicas, hormonais e evolutivas dos diferentes tipos de agressão. Assim podemos entender um pouco melhor os comos e porquês da violência humana.

E um dos porquês está correndo nas suas veias agora.

Os Hormônios Esteroides e o Cérebro

Vários hormônios possuem um efeito direto sobre a agressividade. Em muitos casos, os efeitos mais robustos dependem tanto das interações entre hormônios, quanto das interações entre hormônios e neurotransmissores. Mas, o que nos interessa agora são os esteroides. Experimentos bem controlados têm apontado o papel de distintos hormônios esteroides, incluindo o cortisol, a testosterona, a progesterona, o estradiol e o DHEA (dehidroepiandrosterona), na manifestação de diferentes tipos de agressões.

Os tipos de comportamentos agressivos podem ser classificados de muitas maneiras, sendo que uma das principais categorizações se dá pela sua funcionalidade: a agressão pode ser impulsiva (também chamada de reativa), comumente atrelada a uma reatividade e sensibilidade emocional; ou instrumental (ou proativa), que como o nome sugere, é uma ação deliberada e planejada para atingir uma meta, cujas etapas tendem a ser meticulosamente premeditadas e com alto controle emocional. Os hormônios esteroides agem sobre as duas formas de agressão; mas, especialmente sobre a agressão impulsiva.

A testosterona, hormônio androgênico mais conhecido (importante para a fisiologia, desenvolvimento e comportamento de homens e de mulheres), apresenta um efeito “dose-dependente” na manifestação da agressão impulsiva. Ou seja, a impulsividade e agressividade crescem com o aumento da concentração de testosterona. De forma semelhante, o DHEA – andrógeno mais abundante no nosso organismo, além de ser um precursor quase direto tanto da testosterona quanto do estradiol – também produz efeitos explícitos sobre a agressão impulsiva; sendo notadamente determinante para agressividade em pré-adolescentes e ocorrência de Transtorno de Conduta. Já a agressão instrumental, muito associada a psicopatia, pode ter, por sua vez, uma relação com disfunções do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (eixo HPA), que em última análise é responsável pela liberação do cortisol (dentre outros hormônios), que é o principal “hormônio do estresse” secretado por humanos. Ainda, a progesterona – hormônio envolvido em diversas funções reprodutivas, mas que também tem um significativo papel neuromodulador – também influencia o comportamento agressivo humano. Diferentemente da testosterona, não são os níveis elevados de progesterona que são associados com a ocorrência de agressão, tampouco os baixos níveis. São os níveis intermediários desse hormônio que aumentam a propensão a uma reação agressiva. Esses padrões em forma de U-invertido e dose-dependente para progesterona e hormônios androgênicos, respectivamente, são claramente vistos nas ativações de estruturas cerebrais ligadas à agressão e impulsividade.

Esses hormônios esteroides (que também são neuromoduladores) podem alterar o funcionamento do córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo controle de impulsos, planejamento e tomada de decisão. O nosso córtex pré-frontal, funcionando bem, pode inibir uma reação exagerada e intempestiva, por exemplo. Os nível elevados de testosterona e intermediários de progesterona podem prejudicar o funcionamento dessa região do cérebro, que tem como uma de suas funções o “controle” das amigdalas. As amigdalas são pequenas regiões cerebrais, localizadas nos nossos lobos temporais, diretamente responsáveis pelos comportamentos de sobrevivência (emergência) e reações emocionais, incluindo a agressividade. Simultaneamente, esses hormônios esteroides também podem aumentar a reatividade das amígdalas. Veja bem, tais concentrações hormonais inibem uma parte do cérebro que pode controlar uma reação exagerada e, ao mesmo tempo, aumentam a atividade de outra área cerebral, conhecida por suscitar… reações exageradas. Como se não bastasse, o estresse e o cortisol, prejudicando ainda mais a conexão entre o córtex pré-frontal e a amigdala, só tornam tudo ainda mais propenso para uma reação explosiva. Em um estado hiper-reativo, a pessoa passa a ter uma impulsividade elevadíssima e um destempero que precede um gosto amargo de arrependimento nos minutos seguintes.

Ou seja, os hormônios esteroides podem influenciar a expressão de agressividade de forma aguda, diminuindo o “autocontrole” e aumentando a reatividade a eventos adversos. Contudo, eles também podem alterar o desenvolvimento cerebral, produzindo um efeito de longo prazo, principalmente quando há uma exposição crônica e/ou precoce (durante a infância) a níveis elevados desses hormônios.

Da ética ao cérebro: O perigo da exposição precoce à violência.

Da ética ao cérebro: O perigo da exposição precoce à violência.

Uma cultura ansiogênica e estressante para um criança, com punições constantes, isolamento social e castigos físicos, por exemplo, influencia o seu desenvolvimento, deixando ela suscetível ao estresse duradouro. Uma cultura violenta, competitiva e hostil pode influenciar o desenvolvimento cerebral e a sensibilidade aos hormônios androgênicos. A cultura que você está inserido, o seu ambiente, não influencia apenas os seus valores, crenças e cognições, ela influencia também o seu organismo, a sua natureza. Pois entenda que o nosso organismo evoluiu para atender a determinadas demandas ambientais. Se o seu meio está exigindo do seu organismo respostas diárias para lidar com estresse intenso e demandando reações incessantes de luta pela sobrevivência, o seu corpo vai “entender” que deve se preparar para lidar com isso em longo-prazo. Como ele faz isso? Com o que chamamos de upregulation e downregulation, produzindo mais receptores, hormônios e novas conexões entre neurônios, o que faz com que a pessoa fique mais ou menos reativa a determinados estímulos (para quem quiser mais detalhes sobre o assunto, veja as Referências e Sugestões de Leitura).

Muito Além dos Hormônios Esteroides

Os hormônios esteroides não são os únicos que influenciam o comportamento agressivo. A vasopressina, hormônio conhecido por sua propriedade vasoconstritora e antidiurética, também tem um efeito significativo para as relações sociais e influencia a agressividade em uma maneira sexo-dependente. Há uma associação entre os níveis de vasopressina e as taxas de agressão e impulsividade, tendo efeitos distintos para homens e mulheres. A oxitocina, hormônio com ação comportamental sobre o estabelecimento de vínculo e de confiança, também possui uma complexa relação com a agressividade humana. Tais hormônios possuem efeitos mais particulares, mais específicos, demandando interações com os outros hormônios esteroides e alguns neurotransmissores.

Os hormônios não são os únicos protagonistas nessa história. Quando falamos em agressividade, os hormônios devem produzir efeitos moduladores influenciando as respostas neuronais em determinadas regiões cerebrais (conforme mencionado anteriormente). Isto ocorre principalmente em vias serotoninérgicas e GABAérgicas. As ações (e interações) dos neurotransmissores serotonina e GABA são determinantes para a manifestação do comportamento agressivo. Entendendo a ação desses neurotransmissores, compreendemos por que algumas substâncias, como o álcool, aumentam rapidamente a nossa agressividade. Infelizmente, não é possível explorar, na profundidade necessária, tal assunto aqui, neste breve texto. Assim, quem tiver interesse nos detalhes neurobiológicos da violência pode achar uma leitura mais aprofundada sobre o tema nas Referências.

Uma cultura estressante, tóxica e hostil age diretamente sobre o nosso organismo, desatando o que há de mais perverso na nossa natureza; sobretudo quando atinge crianças em desenvolvimento. Felizmente, um histórico de agressividade ou uma grande exposição a estresse precoce não são sentenças para se tornar uma pessoa violenta. Há diversos tratamentos para agressividade com níveis consideráveis de eficácia, como psicoterapias, medicamentos e meditações, dentre outros. Todos esses tratamentos também influenciam a sua fisiologia e consequentemente o seu comportamento, minimizando ou revertendo os efeitos sinistros de um histórico infeliz. Não somos maquinas, limitadas à nossa programação prévia ou totalmente suscetíveis ao apertar de um botão, a um agente externo. Sim, dependemos da nossa natureza e do nosso meio para sermos quem somos, mas, também podemos escolher os nossos futuros ambientes e nos adaptarmos. Ainda podemos evoluir!

 

Referências e Sugestões de Leitura

Archer, J. (2009). The nature of human aggression. International Journal of Law and Psychiatry, 32 (4), 202-208.

Blair, R. (2012). Considering anger from a cognitive neuroscience perspective. Cognitive Science, 3 (1), 65-74.

Cabral, J. C., & de Almeida, R. M. (2019). Effects of anger on dominance-seeking and aggressive behaviors. Evolution and Human Behavior, 40(1), 23-33.

Cabral, J. C., Tavares, P.S., & de Almeida, R. M. (2016). Reciprocal effects between dominance and anger: A systematic review. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 71, 761-771.

Campbell, A. (1999). Staying alive: Evolution, culture, and women’s intrasexual aggression. Behavioral and Brain Sciences, 22(2), 203–252.

de Almeida, R. M., Cabral, J. C., & Narvaes, R. (2015). Behavioural, hormonal and neurobiological mechanisms of aggressive behaviour in human and nonhuman primates. Physiology & Behavior, 143, 121–135.

van Honk, J. & D.J.L.G. Schutter. (2007). Testosterone reduces conscious detection of signals serving social correction: Implications for antisocial behavior. Psychological Science, 18 (8), 663-667.