Com aquela carinha de amiga do meio ambiente a compostagem caseira vem ganhando mais e mais adeptos nos últimos tempos. Nada mais justo, a prática é simples, auxilia na destinação de alguns dos resíduos que geramos e seu excelente produto pode ser utilizado na hortinha de casa. Que maravilha, não é mesmo?

Mas essa prática simples deve ser seguida à risca. Quem faz em casa ou pelo menos já procurou na internet o passo-a-passo sabe que algumas instruções devem ser obedecidas para que não haja a formação de produtos indesejáveis, como o mau cheiro, por exemplo. E você sabe qual a finalidade de cada uma dessas instruções? Por que devemos remexer de tempos em tempos? E por que ficar de olho na temperatura? E como é que aquele monte de casca de frutas e resto de comida fica parecendo uma terrinha preta ao final do processo?

Bom, vamos começar ajudando aqueles que não sabem o que é ou como se faz uma compostagem. Trata-se de uma espécie de reciclagem dos resíduos orgânicos que é feita naturalmente por microrganismos que degradam esses resíduos e os transformam em um composto com excelentes propriedades físicas e químicas. Esse processo deve ser controlado de forma a se promover as melhores condições para os microrganismos envolvidos. Quem quiser aprender como fazer em casa tem uma explicação bem legalzinha nesse vídeo aqui.

E agora, vamos decompor as instruções:

  • Passo 1: Preparar dois baldes e colocá-los um sobre o outro, sendo o de baixo para guardar o chorume, e o de cima para o preparo da compostagem em si;

Neste passo, o mais importante são os furos no fundo do balde superior para o escoamento do resíduo líquido (chorume) e nas laterais do balde para permitir a aeração.

A compostagem deve ser um processo aeróbio, ou seja, precisa ocorrer na presença de oxigênio. Desta forma não se geram odores, pois os produtos da decomposição serão gás carbônico e vapor d’água, que não possuem mau cheiro. Além disso, a evaporação de água contribui para o controle da umidade. Quando ocorre a decomposição anaeróbia (sem oxigênio) da matéria orgânica, há a produção de gases mal cheirosos, como o gás sulfídrico (gás do cheiro de ovo podre) que atraem organismos indesejáveis, tais como moscas.

  • Passo 2: Forrar o fundo do balde onde será realizada a compostagem com um pouco de terra ou composto já pronto;

Ao fazer o passo 2 estamos simplesmente adicionando microrganismos à nossa pilha de compostagem (vou chamar o conteúdo sendo decomposto dentro do balde de pilha para facilitar a escrita, ok?).

Os microrganismos são os protagonistas do nosso processo e durante o todo o procedimento ocorre uma mudança contínua de espécies envolvidas enquanto a temperatura, disponibilidade de oxigênio e a composição química da pilha se modificam pela decomposição da matéria orgânica. E é por esse motivo que se diz que a compostagem possui fases. O que vai determinar a fase de uma compostagem são os microrganismos atuantes nela e do que eles estão se alimentando.

A fase inicial da decomposição dos resíduos orgânicos dura poucos dias e é chamada de fase mesófila por conta dos microrganismos que estão ativos, os mesófilos, que se desenvolvem em temperaturas medianas, até por volta de 40°C. Nesta fase a matéria orgânica ainda está intacta e existem muitos compostos que podem ser consumidos facilmente, tais como açúcares e, por isso, predominam os microrganismos que fazem menos esforço degradando esses compostos simples. Ocorre também o aumento da temperatura pela liberação de calor devido a atividade microbiana.

Com o aumento da temperatura, ocorre a morte dos microrganismos mesófilos e a multiplicação de microrganismos termófilos, mais adaptados a temperaturas elevadas. Dá-se início, então, a fase termófila, em que substâncias mais complexas como proteínas e a celulose são degradadas e ocorre a produção de mais calor. Esse aumento da temperatura é muito importante, pois é quando temos a morte de microrganismos patogênicos (aqueles que podem causar doenças em animais ou plantas) e sementes de ervas daninhas. A fase termófila dura por volta de um a dois meses.

Na fase mesófila predomina a boa e velha “lei do menor esforço” (para que degradar a lignina e a celulose se eu tenho glicose e frutose aqui do lado?), sobrando o que for mais complexo para os microrganismos termófilos.

A última fase é a de maturação, quando a degradação do substrato acarreta a diminuição da quantidade de matéria orgânica disponível e o material se estabiliza. A temperatura, então, decresce gradualmente até a temperatura ambiente.

  • Passo 3: Acrescentar resíduos “úmidos”, como restos de comida, folhas verdes e esterco

Começamos, então, a adição de fontes de carbono (C) e nitrogênio (N) para os nossos microrganismos (o C é usado para a produção de energia e o N de proteínas). É preciso haver um balanço na proporção de carbono e nitrogênio que se adiciona para que não haja falta de um e excesso do outro nutriente. Esse balanço é comumente expresso pela relação C/N (que é quanto de carbono há em relação a quanto de nitrogênio) e o valor indicado para o início da compostagem é de 30:1, ou seja, 30 partes de C para 1 de N. Uma relação C/N baixa indica excesso de nitrogênio e pode ocasionar um mau cheiro característico: o cheiro de amônia. Isso ocorre porque o nitrogênio que os microrganismos não dão conta de assimilar pode ser perdido para o ambiente na forma de amônia com o aumento da temperatura da pilha. Já a C/N muito alta (excesso de C) pode tornar mais lento o processo de compostagem, pois os microrganismos não tem nitrogênio suficiente para sintetizar suas enzimas degradadoras da matéria orgânica. A queda do metabolismo microbiano pode ser observada pela diminuição da liberação de calor e consequente queda na temperatura da massa compostada.

Embora também possuam carbono, os resíduos úmidos são uma excelente fonte de nitrogênio e devem ser adicionados à pilha caso se perceba a falta desse elemento.

  • Passo 4: Acrescentar resíduos “secos”, como folhas secas, palha, serragem e cascas de árvore

Acima dos resíduos úmidos, acrescentamos os resíduos secos, ricos em carbono, que também servem para o controle da relação C/N. Além disso, os passos 3 e 4 permitem o controle de outros dois parâmetros importantes e que influenciam a atividade microbiana e a qualidade do composto final: a umidade e o tamanho das partículas.

A umidade ideal para a manutenção da atividade metabólica dos microrganismos varia entre 50 e 60%. Quando mais baixa, ela inibe a atividade microbiana e quando elevada afeta diretamente a aeração devido ao preenchimento dos poros da pilha com água, diminuindo a disponibilidade de oxigênio e proporcionando uma decomposição mais lenta e com liberação de mau cheiro.

Para saber se a quantidade de água está dentro da faixa ideal, pode-se pegar uma porção do composto e apertar. A mão deve ficar úmida, mas não deve escorrer água. Se a umidade estiver alta, é preciso acrescentar materiais secos e revolver bem a pilha para aumentar a aeração. Se estiver baixa, basta que se acrescente água ou materiais úmidos. Ao longo do processo o teor de umidade tende a diminuir pela liberação de vapor d’água, que acontece quando a temperatura do material em decomposição sobe.

Quanto ao tamanho da partícula, quanto menor ela for, maior será a área disponível para os microrganismos atacarem e realizarem sua digestão, acelerando o processo de compostagem. Porém, quando a granulação é muito fina, sobram poucos espaços entre as partículas, o que dificulta a aeração da pilha e o fornecimento de oxigênio para os microrganismos. Pode-se dizer, então, que o composto está compactado, dificultando até mesmo a distribuição dos microrganismos e suas enzimas pelo composto. O ideal é adicionar material de tamanhos diversos e misturar todos eles de tempos em tempos para promover a aeração e aumentar a eficiência do processo.

  • Passo 5: Repetir passos 3 e 4 até encher o balde e tampá-lo

Não é citado no vídeo, mas você pode intercalar camadas de resíduos úmidos e secos, dependendo do tamanho do balde e da quantidade de resíduos a serem compostados. A formação dessas camadas facilita a homogeneização da pilha e o controle da aeração e umidade. A tampa impede que seja perdida muita água por evaporação, bem como a entrada de insetos.

 

Após a montagem da composteira é só ficar de olho em todos os parâmetros citados (temperatura, teor de carbono e nitrogênio, aeração e umidade) para que o processo ocorra sem imprevistos. Lembrando que, por todos os parâmetros estarem interligados, ao não se atender um deles há o comprometimento da compostagem como um todo.

Quer um exemplo? Quando o composto estiver em maturação a temperatura irá cair devido a diminuição da atividade microbiana. Esta diminui porque ocorre: a) queda da relação C/N pela degradação de grande parte dos compostos; b) diminuição da umidade pela perda de água na forma de vapor; e c) diminuição da aeração pelo consumo de oxigênio e pela diminuição do tamanho das partículas, que resultam em diminuição da porosidade do composto (viu como tudo está interligado mesmo?).

O composto pronto parece uma terrinha escura e com cheiro de terra molhada (isso aí é obra de uns microrganismos chamados actinomicetos). Boa parte dele são nutrientes que estão disponíveis de forma que as plantas consigam absorver facilmente e o restante são substâncias bem complexas chamadas substâncias húmicas. Não vou me estender muito falando sobre elas aqui, o que importa é a capacidade que essas substâncias tem de reter água e nutrientes no solo. Por isso, o produto final de uma compostagem não só tem a função de adubo, mas também de condicionador do solo ao contribuir para a melhora de suas características químicas e físicas (mas isso é história para outro dia, né?).


Bruna Santos Biotecnologista que tem vontade de ser agrônoma. Apreciadora de cultura inútil, amante de filmes musicais e grande observadora do comportamento de seus dois cãezinhos. Não consegue fazer faxina sem ouvir um podcast.