Para quem não sabe, eu sou professor de Física do IFMS, campus de Campo Grande, e dias atrás, quando eu entrei em uma sala de aula, vi a lousa cheia de desenhos de modelos atômicos feitos para uma aula de Química, e me deu vontade de falar sobre isso.

Às vezes, os alunos me perguntam se determinado tema é estudado pela Física ou pela Química. Ocorre que alguns realmente são estudados pelas duas áreas, sendo às vezes bem difícil dizer em qual há maior predominância no estudo. Por exemplo, Ernest Rutherford, que se considerava físico, quando realizou experimentos para estudar a estrutura atômica (explicarei abaixo), acabou recebendo o prêmio Nobel de… Química, e não o de Física (para sua própria tristeza, conforme relatos da época. Desculpem pessoas da Química, hehe). No ensino médio, a área atômica é estudada pela Química, mas num curso de graduação em Física, existe uma disciplina chamada Estrutura da Matéria, em que se estuda o átomo, ou seja, a estrutura da matéria, como bem diz o nome. Esse é um dos assuntos que mais me agradam, eu gosto de estudar e sempre tenho interesse em saber mais dessa área porque é por meio dela que se começa a estudar a grandiosa mecânica quântica.

Há uma importante equação da mecânica quântica, a Equação de Schrödinger, e sua solução nada mais é que a própria tabela periódica. Daí nasce uma brincadeira, certa provocação entre físicos e químicos, já que resolver uma equação da Física lhe entrega metade da Química (tabela periódica)… brincadeirinha, químicos, hahaha.

Átomo é uma palavra que tem origem grega, que significa indivisível, qualquer coisa que não pode ser cortada, quebrada. É um conceito que nasceu com os filósofos gregos da escola final dos pré-socráticos, os chamados os atomistas. Nessa época ainda não existia o termo “Física” e os estudiosos da área eram chamados de filósofos naturais. Um dos primeiros foi Tales de Mileto, ele  buscava analogias e levantava hipóteses sobre um fenômeno a fim de entendê-lo. Apesar de hoje em dia sabermos que o átomo não é mais indivisível, o nome continua sendo utilizado, por razões históricas.

Os gregos tiveram grande importância nesse campo por terem dado o primeiro passo na tentativa de entender de que era constituída a matéria. É claro que hoje algumas explicações da época  podem parecer sem importância, mas fica evidente a grande importância da atuação desses filósofos em tentar explicar o mundo no passado, dentro do devido contexto histórico.

Modelo de Thomson (pudim de passas?)

O primeiro cientista a criar um modelo atômico mais bem estruturado foi Joseph John Thomson (J. J. Thomson). Ele fazia experimentos com raios catódicos, realizados em tubos de Crookes, a fim de medir a razão entre a carga e a massa do elétron, que na época ainda não era conhecida, e, utilizando os mesmos tubos, ele descobriu o elétron, em 1897. Em termos gerais, um tubo de raios catódicos é uma ampola que possui vácuo em seu interior, além de um ânodo e um cátodo. Esse dispositivo elétrico gera os feixes de partículas, chamados de raios catódicos.

Figura 1: imagem de um tubo de raios catódicos

Thomson percebeu que esses raios eram influenciados por campos elétricos e magnéticos, devendo ser, portanto, partículas carregadas eletricamente, e, devido às deflexões que eram acarretadas, eram carregadas negativamente. Daí nasceram os elétrons.

Dois anos após a descoberta do elétron, em 1899, ele começa a elaborar um modelo para o átomo, considerando os corpúsculos de carga negativa e alguma coisa com carga positiva para equilibrar. Então, ele supôs uma carga positiva distribuída uniformemente por seu volume e cargas negativas distribuídas em anéis concêntricos para que fossem satisfeitas as condições de estabilidade mecânica (as leis de Newton) e assim assegurassem o equilíbrio. Sim, isso não era um pudim de passas! Polêmica!?

Neste modelo, os elétrons executariam movimentos periódicos acelerados e, segundo o eletromagnetismo clássico, isso explicaria a emissão de radiação por certos elementos, pois carga elétrica acelerada emite radiação. A carga positiva não teria massa, assim, toda a massa do átomo seria a soma das massas das partículas de cargas negativas.

Com um pouco de matemática, é possível calcular a frequência de emissão de radiação neste modelo, que é diretamente proporcional à carga elétrica, carga essa que ainda não tinha sido medida à época, o que seria realizado poucos anos depois por Robert Millikan.

O problema neste modelo é que todos os átomos perdem energia por radiação, o que faz com que seus átomos sejam instáveis energeticamente, chegando ao colapso. Dessa forma, de acordo com cálculos da época, o átomo teria apenas uma vida média de 10^(-8) segundos. Estava aí um problema grave do modelo de Thomson, falta de estabilidade do átomo.

Joseph Larmor tentou contornar este problema argumentando que não se deveria olhar para cada partícula acelerada, mas sim para cada órbita. Dessa maneira, poderia ter, para cada órbita, pouca energia sendo irradiada (com as partículas vibrando em direções opostas e resultando numa energia menor sendo irradiada), o que elevaria bastante o tempo de vida do átomo. No entanto, isso iria contra os resultados experimentais das linhas espectrais. Havia então um paradoxo!

Apesar do modelo de Thomson ter sido deveras importante por ser o primeiro modelo melhor estruturado e com um pouco mais de cuidado matemático, havia problemas graves de previsões que se colidiam frontalmente com os resultados experimentais da época (é como o RG do elemento químico, cada elemento possui um ou mais valores de frequências bem estabelecidas, sendo possível medir essas frequências e através disso identificar o elemento que as emitiu).

Só para encerrar, ainda sobre o suposto “pudim de passas”, eis uma fala de Thomson à época:

“Temos uma esfera de eletricidade positiva uniforme, dentro dela corpúsculos dispostos em uma séria de anéis paralelos, com o número de corpúsculos variando de anel para anel. Cada corpúsculo se move a altas velocidades sobre a circunferência do anel a qual está situado, e os anéis com mais corpúsculos estão próximos a superfície, e os anéis com menos estão mais ao interior.” J. J. Thomson.

Modelo de Nagaoka

Em 1904, o físico japonês Hantaro Nagaoka queria propor um modelo para explicar as linhas espectrais e a emissão radioativa do tipo beta por elementos pesados. Em seu modelo, os elétrons estavam distribuídos regularmente num anel circular repelindo-se pela lei de Coulomb (lei que descreve as forças elétricas entre cargas). No centro do anel existia uma partícula com massa e com carga positiva. Os elétrons executariam pequenas oscilações ao plano da órbita provocando alteração em suas posições, isto é, existiriam regiões com diferentes densidades eletrônicas o que explicaria as linhas espectrais. Elementos com mais de uma linha espectral teria maior número de anéis que linhas, e esses anéis poderiam chocar-se emitindo partículas beta.

Mas este modelo também tinha problemas, ele não dizia o número de elétrons em cada anel, a radiação beta era emitida por amostras com muitos átomos e não por átomos isolados e havia instabilidade devido a radiação emitida.

Modelo de Rutherford

Prêmio Nobel de Química em 1908, Ernest Rutherford deu um grande salto na explicação de como um átomo era constituído. Trabalhando como chefe de uma equipe em uma dos mais importantes laboratórios de Física da época, na Universidade de Manchester, Reino Unido, Rutherford propôs um experimento a fim de entender melhor a estrutura do átomo. Utilizou uma fonte radioativa para emitir partículas alfa, uma fina lâmina de ouro (fina ao ponto de talvez existir somente uma camada de átomos), e uma tela fluorescente para captar as partículas alfa após o choque (ver figura 2). Ele então atacou a lâmina de ouro com as partículas alfa e mediu o espalhamento das partículas devido a lâmina. Embora ele tenha percebido que a grande maioria das partículas atravessassem a lâmina, algumas poucas sofriam pequenas deflexões, ou seja, desvios em sua trajetória, sendo algumas totalmente refletidas pela lâmina, elas batiam e voltavam. Com base no experimento, ele montou sua hipótese a fim de explicar as evidências e gerar novas previsões. Na época, ele ficou tão chocado com as partículas que eram totalmente refletidas que disse o seguinte:

“Foi a coisa mais incrível que jamais me aconteceu em toda a minha vida. Era quase tão incrível como se se disparasse um projétil de 15 polegadas contra um lenço de papel e ele fosse defletido para trás, atingindo você.” E. Rutherford.

Foi assim que apresentou-se o “modelo planetário” de átomo (em alusão em modelo solar, em que o núcleo do átomo faria o papel do Sol, e os elétrons fariam o papel dos planetas, orbitando ao redor do núcleo), no qual o átomo era constituído por uma esfera maciça de carga elétrica positiva, chamada de núcleo. Esse núcleo, apesar de muito pequeno em relação ao átomo como um todo, conteria quase toda a sua massa e estaria rodeado por elétrons de carga elétrica negativa descrevendo órbitas com altas velocidades.

Figura 2: experimento de Rutherford.

Seu modelo foi uma grande ruptura em relação aos anteriores: descrevem-se posições diferentes para a matéria carregada positivamente e a matéria carregada negativamente, diferentemente dos casos anteriores. Também, diz que grande parte do átomo é espaço vazio. Para se ter uma ideia das distâncias entre núcleo e eletrosfera (nome dado ao espaço ocupado pelos elétrons), caso o átomo seja aumentado ao tamanho de um campo de futebol, o núcleo é uma bola de gude localizada no círculo central do campo e os elétrons ocupam os últimos lugares na parte mais longínqua da arquibancada.

Tal modelo conseguia explicar o espalhamento das partículas alfa. A maioria delas passava direto devido ao enorme espaço vazio do átomo, algumas poucas eram defletidas devido à força de repulsão entre as partículas alta (carregadas positivamente, pois são núcleos de átomos de hélio, com dois prótons e dois nêutrons) e os núcleos, e aquelas poucas eram refletidas pois iam direto em direção ao núcleo, e como o núcleo era minúsculo, poucas partículas eram refletidas.

Porém, este modelo também tem problemas. O átomo continuava sendo instável. Como os elétrons estavam girando ao redor do núcleo, eles estavam acelerados (aceleração centrípeta) e como partículas carregadas aceleradas emitem radiação, os elétrons emitiriam radiação e perderiam energia com o passar do tempo, diminuindo o raio de sua circunferência até chocar-se com o núcleo, resultando no próprio colapso da matéria. Assim, os átomos de Rutherford (também) são instáveis.

Apesar de dar um ótimo salto em relação aos modelos anteriores, ainda não tínhamos conseguido criar um modelo que descrevesse exatamente como funcionava um átomo. Com a Física Clássica isso não foi possível, foi necessário usar algo mais forte. Quem começou a resolver este problema, colocando alguns elementos de mecânica quântica neste modelo, foi Niels Bohr, físico dinamarquês que na época realizava embates memoráveis com Albert Einstein. Mas isso fica para um próximo texto, em que surgirão os modelos quânticos que conseguirão explicar de uma vez por todas o funcionamento do átomo.

Nos vemos em uma próxima oportunidade!


Fernando Dessoti.  Professor doutor de Física, além de apreciador de livros, podcasts e churrasco