Está cada vez mais difícil particionar o mundo em dois lados, bem como diferenciar e definir esquerda e direita políticas. Isso ocorre porque, como tudo o que se preserva de ideal, as ideologias políticas que não morrem são mutáveis. Num mundo globalizado e com alcance cada vez mais profundo das ciências, novas verdades são descobertas e novas teorias são criadas. O que não muda se perde. Agora, falando em escala planetária, no campo de vista político, nunca houve realmente uma divisão entre direita e esquerda. A divisão política prática não é essencialmente definida por ideologias, mas sim, por interesses.

É importante para se entender política que percebamos que o mundo não gira em torno de opiniões, mas sim de interesses. Se duas potências ou atores políticos disputam a hegemonia num determinado espaço geográfico, pouco importa no que elas concordem, o importante é encontrar as diferenças e torná-las objeto da disputa. Foi o que ocorreu, por exemplo, antes e durante a Primeira Guerra Mundial. Era uma disputa franca entre diversas potências pela hegemonia no mundo. Não haviam diferenças ideológicas claras, mas a guerra irrompeu invariavelmente.

Na Segunda Guerra Mundial já houve um certo teor ideológico. Mas, independente das diferenças de ideais, por exemplo, a União Soviética esteve dos dois lados da guerra em momentos diferentes. A princípio, havia um pacto de não-agressão com a Alemanha, o famoso Pacto Molotov-Ribbentrop, que tinha como objetivo claro a repartição da Europa Oriental entre as duas potências e garantir uma paz até o fim da guerra na Europa Ocidental. Assim que o pacto foi quebrado, a União Soviética não só se voltou contra a Alemanha, como se aliou aos países ocidentais, capitalistas liberais.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o fim da ameaça nazista, os países capitalistas e socialistas puderam enfim dividir o mundo entre sí, tornando-o bipolar, no que veio a ser conhecido como Guerra Fria. Entretanto, ao contrário do que se pensa, o mundo não era simplesmente bipolar e ponto. Haviam alí mais dois movimentos diferentes.

O primeiro movimento se iniciou com a ruptura de ideologias entre a China e a União Soviética, começando no momento em que Mao Tsé Tung tomou o poder na China, o que não era de vontade dos soviéticos, por não serem exatamente aliados. Posteriormente, após a morte de Stálin, seu sucessor, Kruchov, foi muito crítico a seu antecessor, o que gerou ainda mais divisão entre os vermelhos. Então, a partir da década de 1960, houve um distanciamento entre os dois blocos socialistas, o que gerou uma curiosa situação: na maioria dos países não-comunistas haviam pelo menos dois partidos diferentes de cunho comunista, sendo um apoiado e com ideologias soviéticas e o outro com apoio e ideologias de origem chinesa.

O segundo movimento foi lançado durante a Conferência Ásia-África, em 1955, em Bandung, na Indonésia. A Conferência tinha como participantes 29 países, a maioria dos quais ex-colônias européias, e tinha o objetivo de definir e articular as posições dos membros no cenário pós-guerra. Foi decidido que ficariam contra o colonialismo e neo-colonialismo, isto é, manteriam suas posições de acordo com suas próprias soberanias. Em 1961, em Belgrado, na então Iugoslávia, foi estabelecido de fato o Movimento dos Não-Alinhados, o chamado “Terceiro Mundo”, as nações que não tomariam partido dos soviéticos nem da OTAN.

Se você achava que Terceiro Mundo era uma definição baseada em tamanho ou desenvolvimento da econonomia dos países, estava enganado. A expressão surgiu pois o planeta era dividido em “dois mundos”, sendo o primeiro os alinhados aos Estados Unidos, isto é, a OTAN; e o segundo mundo sendo os países alinhados às duas potências comunistas, a saber, a União Soviética e a China. O Terceiro Mundo, logo, era formado pelos países que não se declaravam nem de um lado nem do outro. Acontece que, coincidentemente ou não, esses tinham em geral economias em desenvolvimento, certamente por a maioria ser composta de nações que foram até poucas décadas antes, dominadas pelas potências dos outros dois blocos, especialmente do Primeiro Mundo.

Enfim, podemos notar que a Guerra Fria não foi um período marcado pela bipolaridade mundial de fato, mas sim que a intolerância entre os dois polos principais, haja visto que eles estavam numa disputa por hegemonia, ofuscava as posições de terceiros, ou pior, os fazia decidir entre estar de um ou do outro lado a contragosto. E o que podemos tirar de lição desse textão é que o mundo é bem mais House of Cards e Game of Thrones do que parece. No fim das contas, ideologias são para os adeptos, os líderes se preocupam mesmo com seus próprios interesses. Meio deprimente, mas é a verdade.

 


Carlos Pinheiro