Me lembro do dia em que cai – fui empurrado – na água com meu celular (NOKIA 6110) no bolso. Eram outros tempos – início do milênio -, apenas fui até uma loja (de bicicleta, vai entender) para trocar a bateria dele e ficou – quase – novo em folha.

Hoje, contudo, não podemos mais retirar a bateria sem danificar e perder a garantia de todo o aparelho, mas, podemos adaptar itens a estes aparelhos. Um exemplo desse mecanismo é o novo modelo da Motorola (Moto Z play), o qual é adaptável e podemos até adicionar uma câmera melhor, um projetor ou até um extensor da bateria. Sem dúvida, essa capacidade maximizou seu uso e pode ser ampliada para outros aparelhos e até pode estender sua vida útil.

Agora, por qual motivo esse pequeno tópico foi aberto? Essa pequena introdução é para falar sobre transplante de órgãos, e a facilidade que temos de “trocar”, por exemplo, uma bateria – coração – ou uma câmera – córnea.

O quão próximos estamos de podermos entrar em uma loja (talvez não de bicicleta) e comprar um pedaço de pele, par de córneas, ou até o modelo mais atual de um rim.

O filme “A Ilha”, de 2005 tentou fazer algo semelhante com o modelo do Moto Z, que é a substituição de órgãos defeituosos por novos. Se seguirmos a premissa do filme “A Ilha” – o qual se passa no ano de 2019 –, em breve vamos rumar para esse caminho – contra factual -.

A proposta aqui não é acoplar novos itens e sim substituir itens (órgãos) que estão perdendo sua função biológica. Pois, se fosse para adicionarmos melhorias, como um braço biônico ou até saídas USB saindo pelo umbigo, também entraríamos em outra realidade alternativa, como mostra o jogo que apareceu na E3 de 2018: Cyberpunk 2077.

Voltando para o filme. Basicamente, ele conta com uma ilha (dãã), gerenciada por um centro de pesquisa nada ético. Com o fim de “produzir” clones de pessoas que pagaram pelo serviço – que sabem como funcionam -, esses clones ficam confinados em um local, e, quando necessário, há um sorteio para que um deles possa sair. Contudo, o escolhido (de forma não aleatória) não vai para sua liberdade e sim para a faca, com o objetivo de retirar o órgão que for necessário para o excêntrico milionário que pagou por este serviço.

Tirando toda a loucura do parágrafo anterior e o filme clichê, há uma real possibilidade desse tipo de produção em massa de órgãos ocorrer? Qual o fator limitante para que ocorra um transplante de órgãos com a menor quantidade de efeitos colaterais possível?

Primeiro, o fator limitante de alguns órgãos serem sequer doados é que precisam estar em condições de “uso” – íntegros -. Também, em muitos casos, o doador não pode estar vivo. Depois, é necessária a análise da compatibilidade, e o tipo sanguíneo, o qual é o menor dos problemas. De fato, é feita a análise de uma parte no DNA, tanto do doador quanto do receptor, essa parte é chamada de Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC). Como o nome já diz, é um conjunto de genes para verificação se o tecido é compatível, infelizmente é algo muito raro de ser encontrado. Ou seja, é necessário que o enxerto esteja em boas condições, as pessoas sejam as mais compatíveis entre si, e, mesmo nesse caso, ainda há necessidade de usar medicamentos imunossupressores, fazendo com que o sistema imune regrida ao máximo.

Felizmente, a tecnologia está a nosso favor. Quais as reais possibilidades para que você possa ir ao shopping e adquirir um novo rim da Apple – superfaturado, pois ele avisa a necessidade de beber água diretamente para seu celular -. Uma das possibilidades, que é muito promissora, é a literal impressão dos órgãos na impressora 3D. Como aponta o artigo de revisão “Progress in organ 3D Bioprinting”, há muito o que se fazer, mas as possibilidades são gigantes, principalmente se evitarmos uma “Ilha” – se já não existir-.

Ainda é possível uma combinação entre a impressora 3D e o uso de células tronco. Estas, vão envolver o órgão recém impresso para evitar, desse modo, as rejeições do enxerto, afim de inibir os efeitos colaterais. Estudos já estão sendo feitos utilizando células tronco, como aponta o artigo de revisão “3D bioprinting using stem cells”.

Voltando à Ilha – não a de LOST -, a inviabilidade de clones já foi, em partes, abordada no artigo da Biomédica Crhis Vasconcelos sobre “Imortalidade”, no portal Deviante, que descreve o funcionamento dos telômeros e da telomerase. Basicamente, nesse caso, o clone nasceria “velho”, ou seja, poderia morrer muito antes do que sua parte “original”, inviabilizando todo o processo.

Em síntese, ilhas com clones não são legais – e nem éticas -. Humanos (celulares) capazes de trocar órgãos (peças) que estão falhando pode ser algo já palpável e imaginável. A pergunta é a seguinte, crianças que nasceram nesse milênio, através da tecnologia, podem ultrapassar a barreira dos 200 anos utilizando a ideia apresentada acima?

 

Referências

Liu, et al. “Progress in organ 3D Bioprinting”. International Journal of Bioprinting. (2018): 128.

Ong, et al. “3D bioprinting using stem cells”. Pediadric Research. (2018): 83.


Juliano Froder é em primeiro lugar, Nerd. Depois, professor e por fim biomédico. Procuro conhecer sobre todas as ciências, sem divisão entre Humanas, Biológicas e exatas.