O café é uma das bebidas mais populares em todo o mundo, consumida por bilhões de pessoas diariamente. Seu aroma e sabor são característicos e únicos. A bebida tem uma rica história e uma rica composição gênica e química, ainda não completamente descritas.

 

A planta do café

A planta do café é uma espécie da família Rubiaceae, originária da Etiópia e do Sudão. Existem duas principais variedades do café cultivadas hoje, o Coffea arabica e o Coffea canephora, também conhecido como robusta. A arabica é considerada de melhor qualidade, enquanto a robusta é mais resistente a doenças e tem maior produtividade.

O cultivo do café é uma prática milenar, desde o século IX na sua origem na Etiópia. A bebida se tornou popular na região árabe e só muito depois, a partir do século XVI, passou a ser comercializada em todo o mundo. Atualmente, o Brasil é o maior produtor de café do mundo, seguido por países como Colômbia, Vietnã e Indonésia.

Ao longo do tempo, a planta desenvolveu estratégias para se adaptar a diferentes ambientes. Por exemplo, o Coffea arabica é nativo das montanhas da Etiópia, onde o clima é mais frio e úmido. Por causa dessas condições, a planta desenvolveu uma maior resistência a doenças fúngicas e um aroma mais complexo.

Já o Coffea canephora é originário da África Ocidental, onde o clima é mais quente e seco. Por isso, a planta desenvolveu uma maior resistência a pragas e um sabor mais amargo. Atualmente, a maioria das plantações de café é feita em regiões tropicais, onde a planta cresce bem.

Infelizmente, assim como em outros cultivos, mas especialmente com o café, sua história também tem um lado obscuro. O comércio de café foi um dos motores da escravidão no Brasil e em outros países colonizados.

Hoje, muitos esforços são feitos para promover um cultivo sustentável e ético do café, que respeite tanto os trabalhadores quanto o meio ambiente. Existem também iniciativas para valorizar os cafés produzidos por pequenos agricultores e cooperativas, incentivando o comércio justo e o desenvolvimento local.

Descrição da imagem: Grãos de café em diferentes estágios de secagem. Na imagem é possível ver grãos de café em uma peneira sobre uma bacia. Os grãos variam da cor vermelha clara a marrom.

 

Um pouco da minha experiência cultivando café

Não sou nenhuma produtora, mas tenho um pézinho de café no quintal, e cultivar, colher e fazer todo o processo de beneficiamento do café, e tomar meu cafézinho 100% caseiro e artesanal foi uma experiência muito divertida e gratificante, recomendo.

O cafeeiro é uma cultura bienal, ou seja, a produção intensa de frutos ocorre uma vez a cada 2 anos, em vez do ciclo anual que estamos acostumados. Após apreciar a florada exuberante, observei ao longo de 7 longos meses os galhos se encherem de frutinhos verdes, e gradualmente ganhando coloração alaranjada e até o vermelho forte e escuro.

A cada dia, colhi os frutos totalmente maduros e deixava para secar em uma peneira. Os frutos secaram ao sol por cerca de 30 dias, depois descasquei (pisando neles com um chinelo de madeira, e terminando manualmente), separei os grãos e torrei em uma pipoqueira (graças às dicas do Globo Rural).

Então foi só passar o café.. que foi o melhor que já tomei, claro. Mas não dá para comparar essa colheita manual super lenta a uma em maior escala, em que se costuma colher todos os frutos quando observa-se uma boa porcentagem deles maduros, e também pode acabar indo bastante sujeira — folhas, cascas, terra, pedras — junto dos grãos, dependendo da qualidade do manejo.

O fruto do café pode ser consumido também; apesar de ter muito pouca polpa, ela é bem adocicada, e lembra o sabor de feijão doce.

Descrição da imagem: xícara de café vista de cima.

 

A química por traz da bebida

A composição química do café é complexa, com mais de mil compostos identificados na bebida. A cafeína é um dos principais componentes, responsável pelos efeitos estimulantes da bebida. Além disso, o café também contém ácidos orgânicos, polissacarídeos, lipídios, aminoácidos e antioxidantes, como os ácidos clorogênicos e as melanoidinas. E essa composição pode variar dependendo da espécie da planta, do clima, solo e condições de cultivo.

Os grãos de café passam por um processo de torrefação antes de serem utilizados para fazer a bebida. Durante a torrefação, as proteínas e os açúcares dos grãos reagem, formando compostos responsáveis pelo aroma e sabor característicos da bebida.

Cada um desses componentes pode ter efeitos diferentes no corpo humano, contribuindo para os efeitos benéficos ou prejudiciais à saúde associados ao consumo de café.

A cafeína é uma substância psicoativa que atua no cérebro. Ela tem uma estrutura química semelhante à das purinas, um tipo de molécula que é encontrada em várias partes do corpo. Quando consumimos café, a cafeína é absorvida pelo intestino e transportada pelo sangue até o cérebro.

No cérebro, ela se liga aos receptores de adenosina. Os receptores de adenosina são responsáveis ​​por regular a atividade cerebral, reduzindo a atividade neuronal e diminuindo a liberação de neurotransmissores.

Quando a cafeína se liga a esses receptores, ela impede a adenosina de se ligar, aumentando a atividade neuronal em várias partes do cérebro, e estimulando a liberação de neurotransmissores como a dopamina, que está associada a sensações de prazer e motivação. Isso pode levar a uma sensação de alerta, melhora da concentração, e diminuição da fadiga e sonolência.

Além disso, a cafeína também pode afetar a produção de neurotransmissores como a serotonina e noradrenalina, que estão relacionados ao controle do humor, prazer e ansiedade.

Os ácidos clorogênicos, também presentes no café, têm ação antioxidante e anti-inflamatória, o que pode ajudar a prevenir doenças crônicas, como o câncer e a diabetes.

E aquela vontade de ir ao banheiro… Ainda não se sabe exatamente qual ou quais compostos do café têm esse efeito de estimulação gastrointestinal (não é a cafeína, ou pelo menos não apenas ela), mas esse efeito tem sido objeto de estudos, uma vez que pode ser útil, por exemplo, para pacientes que têm dificuldade de evacuação após cirurgias ou em casos de constipação crônica. Além disso, pesquisas também estão sendo conduzidas para avaliar o efeito do café na prevenção de doenças gastrointestinais, como câncer colorretal e doença inflamatória intestinal.

Sobre a genética

A genética do café também tem sido estudada para aprimorar a qualidade e a produtividade das plantas. Com um genoma de aproximadamente 1,5 bilhões de pares de bases, cerca de metade do tamanho do genoma humano, e cerca de 25.000 a 30.000 genes codificantes de proteína na planta, um pouco acima dos 20.000 a 25.000 do genoma humano.

Interessante observar que com a metade do tamanho do genoma, um pé de café tem mais genes que um humano. Porém é um pouco sem sentido comparar genomas de espécies tão distantes, nesses parâmetros.

O genoma humano possui, além dos genes codificantes de proteína, mais cerca de 40.000 genes não codificantes, que servem como reguladores da expressão gênica e se envolvem em diversos processos moleculares na célula. O cafeeiro, assim como a maioria das plantas dessa complexidade, possui em seu genoma também diversos genes reguladores, além de elementos como os elementos de transição que podem moldar o genoma e oferecer maior complexidade. Assim é pouco prático comparar genomas distantes nestes termos.

Durante séculos, o café foi cultivado sem muitas mudanças genéticas significativas, o que resultou em variedades locais adaptadas às condições específicas de cada região.

No entanto, a partir do século XIX, a demanda global por café cresceu rapidamente, e novas variedades de café começaram a ser desenvolvidas por meio de cruzamentos seletivos e técnicas de melhoramento genético. Essas variedades apresentavam características como maior produtividade, resistência a doenças e pragas, e adaptação a diferentes condições climáticas. Assim surgiram as primeiras variedades de café selecionadas geneticamente, como o Bourbon e o Typica, que são ainda hoje cultivados em várias partes do mundo.

Descrição da imagem: ilustração da árvore genealógica de variedades de café

O Caturra, por exemplo, é uma variedade de café que foi descoberta no Brasil por volta de 1915, em Minas Gerais, a partir de uma mutação espontânea do Bourbon Vermelho.

Essa variedade é conhecida por sua alta produtividade e qualidade de bebida. A Coffea caturra tem uma mutação de um único gene que faz com que a planta cresça menor (nanismo). Seu nome deriva da palavra guarani que significa “pequeno”, e também é chamada de “Nanico”.

Após a descoberta da variedade, seleções foram feitas pelo Instituto Agronômico (IAC) do Estado de São Paulo em Campinas, Brasil, a partir de 1937. Os criadores estavam interessados no tamanho pequeno do Caturra, que permite que as plantas sejam colocadas mais próximas umas das outras, e seus ramos secundários com espaçamento próximo, que permitem produzir mais frutos no mesmo espaço.

O processo de seleção para o Caturra é chamado de seleção em massa, o que significa que um grupo de indivíduos com a característica desejada é selecionado. A semente dessas plantas é agrupada para formar uma nova geração e, em seguida, o processo é repetido. A variedade nunca foi oficialmente lançada no Brasil, mas se tornou comum na América Central.

Hoje, existem diversas outras variedades de café disponíveis no mercado, cada uma com suas características únicas de sabor, aroma e qualidade. A evolução genética do café continua a ser estudada e aprimorada, com o objetivo de garantir a sustentabilidade do cultivo e a produção de cafés de alta qualidade em todo o mundo.

Os avanços na tecnologia de edição genética também permitiram a criação de variedades de café com características específicas. Por exemplo, cientistas conseguiram produzir variedades de café resistentes a doenças, como a ferrugem (doença causada pelo fungo Hemileia vastatrix que afeta as plantas de café, caracterizada por manchas amarelas nas folhas, que posteriormente ficam marrom-avermelhadas, causando a morte das folhas e redução da produtividade da planta), através da introdução de genes de resistência em sua genética.

Outras variedades de café geneticamente modificadas têm um teor reduzido de cafeína, o que pode ser interessante para pessoas sensíveis à substância ou para aqueles que desejam desfrutar do sabor do café sem os efeitos estimulantes (como assim alguém toma café exclusivamente pelo seu sabor?).

E sempre bom lembrar que a modificação genética do café, e outras culturas, ainda é um assunto complexo, com preocupações sobre os efeitos a longo prazo na saúde e no meio ambiente. Por isso, é necessário continuar pesquisando e avaliando os possíveis riscos e benefícios das variedades geneticamente modificadas.