É sabido que diversas infecções podem causar doenças no futuro, em especial os vírus da família herpes (HHV). Temos os casos de reativação do próprio vírus, como nos casos de herpes simples ou herpes-zoster, mas também associações com neoplasias – caso do Sarcoma de Kaposi e o HHV-8 ou linfomas e o Epstein-Barr.

Apenas para contextualizar, temos vários vírus nessa família: os conhecidos Herpes Simples 1 e 2 (HSV) que causam a gengivoestomatite e herpes genital, o citomegalovírus (CMV) que causa uma doença parecida com a mononucleose, esta causada por outro vírus da mesma família, o Epstein-Barr (EBV). Temos o Herpes Vírus – 8 (HHV-8), que está relacionado aos casos de Sarcoma de Kaposi, especialmente em pessoas com aids. Além do Varicela Zoster, causador da varicela ou catapora e que depois, quando reativado, causa o herpes zoster, também conhecido como cobreiro.

Todos os vírus dessa família têm uma característica em comum. Uma vez que a pessoa se infecta, ele fica latente no organismo. O local de latência varia. Parte deles nunca virá a se manifestar novamente, como geralmente ocorre com o citomegalovírus em imunocompetentes, mas outros encontram uma oportunidade para voltar a causar doença, como já falado acima.

Mesmo quando usamos remédios voltados para esses vírus, o objetivo deles é diminuir a duração da doença, mas nunca conseguem erradicar o vírus por completo do organismo. Por isso, ele pode voltar a causar sintomas.

 

Doença de Alzheimer é a principal causa de demência no mundo

O assunto envolvendo esses vírus agora tem sido a associação com a Doença de Alzheimer (DA). Sabe-se que esta é a principal causa de demência, que varia de 1 a 10% da população acima de 65 anos até mais de 40% dos nonagenários. É uma doença neurodegenerativa inflamatória de causa ainda desconhecida, mas provavelmente multifatorial.

Acredita-se que haja associação entre DA e HHV, mas não foi possível ainda estabelecer uma causalidade, já que esses vírus são bastante prevalentes na população. Para se ter uma ideia, mais da metade da população global está infectada pelo HSV-1 e estima-se que em certas localidades até 100% das pessoas já tenham tido contato com CMV.

Os primeiros estudos que suspeitaram dessa relação avaliaram tecido cerebral de pessoas com DA e procuraram pelo DNA de HSV. Encontraram em vários. Mas também acharam o material genético viral em vários outros que não tinham demência. A família herpes foi a mais estudada para essa associação, mas da mesma forma os cientistas começaram a se perguntar se isso não aconteceria com outros patógenos. E hoje acredita-se que vários vírus estejam envolvidos, desde o SARS-CoV-2, causador da pandemia de covid, até o vírus da hepatite C.

Outros patógenos passaram a ser avaliados, incluindo bactérias como o Treponema pallidum, causador da sífilis, até Toxoplasma gondii, importante agente causador de mal formações congênitas (para saber mais sobre esse assunto, ouça o SciCast #420, no qual falamos de infecções congênitas causadas por esses dois agentes).

 

Mecanismo é multivariado e ainda desconhecido

O mecanismo mais aceito em todos os casos seria que estes patógenos causariam uma neuroinflamação por diversas vias, que diferem a depender do agente. Mas no geral, o aumento de proteínas pró-inflamatórias provocaria o acúmulo de β amiloide, aumento da fosforilação da proteína tau e morte neuronal. Essas são as alterações encontradas em pessoas com Doença de Alzheimer.

Como eu disse, é muito difícil conseguir estabelecer causalidade entre a infecção e o desenvolvimento de Doença de Alzheimer. Várias dessas infecções são altamente prevalentes e encontrar anticorpos contra esses agentes não significa necessariamente doença em atividade. Mesmo no caso de alguns deles, como a hepatite C, não sabemos até que ponto o tratamento de que dispomos hoje e é curativo, implicaria numa redução desse mecanismo.

Também dispomos de poucas opções de medicamentos que, atualmente, apenas atrasam a progressão da Doença de Alzheimer. E com o envelhecimento da população, torna-se ainda mais urgente o desenvolvimento de pesquisas para elucidar essas questões de forma a manter uma boa qualidade de vida para as pessoas por mais tempo.

 

Referências:

Huang SY, Yang YX, Kuo K, Li HQ, Shen XN, Chen SD, Cui M, Tan L, Dong Q, Yu JT. Herpesvirus infections and Alzheimer’s disease: a Mendelian randomization study. Alzheimers Res Ther. 2021 Sep 24;13(1):158. doi: 10.1186/s13195-021-00905-5. PMID: 34560893; PMCID: PMC8464096.

Piekut T, Hurła M, Banaszek N, Szejn P, Dorszewska J, Kozubski W, Prendecki M. Infectious agents and Alzheimer’s disease. J Integr Neurosci. 2022 Mar 28;21(2):73. doi: 10.31083/j.jin2102073. PMID: 35364661.

Mancuso R, Sicurella M, Agostini S, Marconi P, Clerici M. Herpes simplex virus type 1 and Alzheimer’s disease: link and potential impact on treatment. Expert Rev Anti Infect Ther. 2019 Sep;17(9):715-731. doi: 10.1080/14787210.2019.1656064. Epub 2019 Aug 23. PMID: 31414935.