Texto de Gustavo Henrique Baraviera

O leitor que já me perdoe pela provocação do título, “só assiste futebol” é um exagero, apenas uma brincadeira para chamar a atenção de pessoas como eu, que na maioria dos dias se interessa mais pela escalação do seu time do coração do que para os problemas reais do mundo.

Mas esse é o desafio da educação, levar conteúdo denso e complexo com a leveza de uma partida de futebol com os amigos. Tornar a discussão acerca do nosso mundo tão falada quanto um gol do Arrascaeta.

Não quero ser presunçoso de acreditar que todos os assuntos complicados podem ser colocados dentro das quatro linhas, mas farei o meu melhor para que você não xingue o árbitro deste jogo aqui. Afinal, muitas vezes o nosso time do coração nos dá mais dor de cabeça que física quântica e biologia molecular.

Para começar nossa brincadeira, precisamos entender o nosso tamanho no universo, e para isso vou te fazer uma pergunta: se toda a história do universo acontecesse durante uma partida de futebol, em qual minuto a humanidade nasceria? Ou seja, se o apito inicial do jogo representasse o Big Bang e o apito final, depois de 90 minutos, representasse o minuto exato em que você lê este texto, em que minuto a humanidade se originaria? Aos 15 do primeiro tempo? No intervalo? Aos 30 do segundo tempo?

Cada minuto de jogo representaria cerca de 150 milhões de anos do universo. O Planeta Terra só se originaria aos 16 minutos do segundo tempo, e a espécie humana surgiria quando o árbitro já estivesse com o apito na boca para encerrar a partida. Somos recentes e pequenos demais, mesmo em relação à origem da Terra.

Somos também os principais causadores do aumento da temperatura média global, da acidificação dos oceanos, das extinções atuais e da mudança climática como um todo. Nosso modo de vida gerou tantos gases de efeito estufa na atmosfera que agora estamos correndo contra o relógio.

Mas se somos pequenos demais, como podemos fazer tanta diferença no mundo? Como podemos estar mudando o nosso ambiente e causando tantos efeitos no clima? Parece contraditório.

Você provavelmente se lembra de um jogo sendo decidido na última bola, ou de um campeonato decidido no último lance, ou de uma cera fundamental nos últimos segundos do jogo. O “pode até empatar” de Adriano Imperador contra a Argentina, o “Agueroooooo” do título inglês do Manchester City, o “minha nossa senhora, o impossível aconteceu, meu Deus do céu” de Sergi Roberto.

Esses lances, com decisões feitas nos últimos milésimos de segundo do jogo, mudaram a partida toda. Nosso impacto e nossas decisões como espécie, são capazes de mudar a história do planeta assim como um artilheiro decisivo pode definir uma partida em um lance no último giro do cronômetro, só que atualmente nós estamos mais para o jogador bagre do seu time, que falha no último lance, que entrega o campeonato e que não aguenta a pressão.

Beleza, agora sabemos o tamanho da humanidade e nossa importância dentro do campo. A humanidade é o último e crucial lance, mas o que representa a mudança climática dentro do nosso campo de futebol?

A mudança climática é muito bem representada pela torcida. Não à toa ouvimos narradores e comentaristas falando da “atmosfera” do estádio. Cirúrgico, não? A torcida reflete o resultado do campo, é capaz de apoiar e aplaudir o esforço do time e a vitória irretocável, mas é capaz de vaiar a goleada sofrida, se revoltar, e se envergonhar da atuação de seu time.

Estamos mais nessa última situação. Estamos sendo rebaixados para a segunda divisão do campeonato estadual, em crise no vestiário, com o 5º treinador na temporada. Estamos mais para o Palmeiras de 2002 e 2012 do que para o time multicampeão de Abel Ferreira. A atmosfera do estádio não está das melhores, e os torcedores já entraram em confronto com a polícia. E assim como a equipe afeta a torcida, a torcida afeta a equipe.

A atmosfera do “mundo real” afeta o planeta conforme é afetada, é um efeito cascata, ou utilizando um tempo mais futebolístico, e com o perdão da área médica, uma espécie de rebote.

Um exemplo clássico e sempre citado deste rebote fala sobre o permafrost. Não, não é o nome de nenhum time da MLS, na verdade, tem mais a ver com a Rússia e o Canadá. Permafrost é uma espécie de solo congelado que está presente em parte do hemisfério norte do nosso planeta. Esse solo costumava ficar congelado, mas boa parte dele pode sofrer com as alterações e gerar um rebote maior que o de Oliver Kahn na final da Copa.

À medida que a temperatura sobe, parte deste solo deixa de estar congelado, o problema é que há imensas quantidades de carbono que seriam liberadas conforme a temperatura aumenta. Quanto mais carbono na atmosfera, maior o aumento da temperatura, o que gera mais degelo e libera ainda mais carbono na atmosfera, gerando um ciclo negativo. Oliver Kahn estaria orgulhoso.

Temos outros tantos efeitos cascatas ainda sendo melhor estudados e compreendidos, devido à complexidade deles ser maior do que da temporada do Botafogo. Extinções de espécies podem gerar outras extinções ou tornar outras espécies mais poderosas. O desmatamento de áreas de mata pode gerar mudanças drásticas no clima de outras regiões, muitas vezes distantes da área originalmente desmatada, e por aí vai.

Para dar um exemplo a respeito das extinções, pense nos 3 grandes times da cidade de São Paulo: Corinthians, Palmeiras e São Paulo. Imagine agora que um desses três clubes foi extinto por um motivo qualquer (fico à vontade para imaginar a extinção do seu rival favorito, estamos apenas brincando), qual seria a consequência para o futebol da cidade?

Imagine se o Palmeiras fosse extinto (escolha completamente aleatória e nada relacionada ao meu clubismo), qual seria a reação de seus torcedores? Migrariam seu apoio para outro time local, antigamente um rival? Fundariam um novo clube? Escolheriam um time de outro estado para torcer?

No efeito causado pelas extinções na natureza ocorrem situações parecidas. Animais que se alimentavam da espécie extinta podem voltar suas atenções para outras espécies, ou serem extintos como consequência, ou ainda migrar para outras regiões. O rebote pode ir para vários lugares, incluindo nós humanos. A mudança climática é uma mudança que, acima de tudo, nos afeta, influenciando significativamente na nossa qualidade de vida e em nosso cotidiano.

Por falar em migrar, a migração da espécie humana é outro grande impacto relacionado às mudanças climáticas. Diversos locais podem e devem se tornar inabitáveis, gerando ondas de migração em todo o globo.

Por fim, toda essa brincadeira com analogias ao futebol tem a intenção de despertar-te um interesse. Muitas vezes o assunto “ciência” ou “mudanças climáticas” causa estranheza, falta de interesse, ou até mesmo desdém e chacota, tal qual um jogo da fase de grupos da Copa Sulamericana. Porém, às vezes grandes jogos saem dos mais inesperados lugares.

O entretenimento é fundamental e necessário, e ele pode ser utilizado para aproximar as pessoas dos assuntos mais densos e complexos, como as mudanças climáticas, e não existe lugar melhor que o Deviante para fazer isso.

Espero que assim como eu, você comece a ver o futebol de forma diferente, e utilize-o como desculpa para falar dos mais variados assuntos, achando analogias e comparações das mais malucas para tornar tudo um pouco menos moroso e chato.

Espero que comigo você aprenda um pouco sobre a ciência ambiental, sem deixar de assistir o seu time na próxima rodada do Brasileirão.

 

 


Gustavo Henrique Baraviera

Engenheiro ambiental pela UNESP, doente por futebol e entusiasta da divulgação científica. Nada é tão complexo que não possa ser explicado, apenas não encontramos as palavras corretas para a pessoa correta.