Recentemente, eu e minha família (à qual faço menção nesse artigo com carinho), fomos para Ilhabela. Caso você, meu querido leitor, não conheça esse lugar, eu vou te explicar. Ilhabela é uma ilha (mas não me diga) que fica a 212km da capital paulista, indo no sentido do Litoral Norte, muito conhecida pelos paulistanos pela sua beleza e qualidade das praias. O lugar também é conhecido por ser trajeto de animais marinhos que migram pelo Oceano Atlântico. Se você é morador da cidade de São Paulo, provavelmente conhece alguém que já foi pra lá ou você mesmo já foi. Se você já foi pra lá e contou para alguém, sabe muito bem o que vem depois dessa frase: “aproveite, mas cuidado com os borrachudos”.
Eu já tinha ido a Ilhabela uma vez, entretanto, foi só um bate e volta e não pude aproveitar tanto, nessa ida atual ficamos dois dias e curtimos muito. Antes da parte acadêmica, fica a dica: se você nunca foi, vá e aproveite muito, é um lugar fantástico e um dos meus favoritos do Brasil. Como dessa vez foi um período mais extenso, onde realizamos muitas atividades ao ar livre, pudemos experenciar com muita intensidade esse tal de “borrachudo”, onde até mesmo muitos de nós ficamos com marcas e cicatrizes, minha filha de criação mesmo ficou com o pé absurdamente inchado. Mas quem é esse bicho tão destruidor afinal?
O popularmente conhecido como “borrachudo” pelos sudestinos e “piuns” pelo Norte e Nordeste, não é um inseto somente, mas uma miríade de mosquitos, de uma família chamada de Simuliídeos, que consistem em mosquitinhos pretos de 1 a 5 milímetros, que vivem geralmente em zonas tropicais, mas com distribuição global, com comportamento diurno, necessitando de águas correntes para sua reprodução, pois é onde suas larvas se desenvolvem. Como muitas variações de mosquitos, as fêmeas é que possuem hábitos hematófagos, isto é, se alimentam de sangue. O ciclo de vida do borrachudo dura cerca de 45 dias, desde o momento que a fêmea põe seus ovos em superfícies fixas em locais com água corrente.
A picada desse mosquito tem um efeito parecido com uma tesoura, cortando a pele de quem foi picado e gerando sintomas como inchaço, vermelhidão e coceira intensa. O borrachudo também pode transmitir parasitas como os causadores de oncocercose e mansonelose, podendo causar reações alérgicas em algumas pessoas. Esse inseto é importante para um equilíbrio ambiental, servindo como alimento e filtrador de cadeia trófica, muitas vezes servindo de marcadores de contaminação em água doce, pois as larvas são muito sensíveis à contaminação no leito hidrográfico.
Ok, entendemos que esse bichinho é encapetado. Mas por que existem tantos em Ilhabela?
Bom, enquanto eu estudava para elaboração deste artigo, encontrei um farol que pode nos ajudar a começar a entender o que está havendo. Um estudo denominado “Resistência a inseticidas em populações de Simulium (Diptera, Simuliidae)”, de Campos e Andrade (2002), onde foram estudadas várias populações de vários locais do Brasil. Antes de falar sobre o estudo, preciso elaborar sobre outro estudo.
Existe um produto desenvolvido para combate da fase larval do borrachudo que se chama BTI, que é um bioinseticida formulado a partir de uma bactéria chamada Bacillus thuringiensis subes. Israelensis que foi avaliada (e confirmada) sua ação contra muitas espécies da família Simuliídeos. Voltando ao estudo anterior, foi avaliada a ação do BTI em muitos estados do Brasil como via de combate do inseto, inclusive em Ilhabela. A espécie observada pelo estudo nessa localidade teve uma resistência incerta ou desconhecida, com muitas interferências na coleta de dados. Mas tão relevante quanto o resultado das resistências, reside numa afirmação do autor: “O histórico de muitos anos de pressão de seleção direta nas populações de simulídeos de Ilhabela…” (CAMPOS, J; ANDRADE, CFS, 2002).
Vamos aos fatores que podem responder nosso questionamento. O primeiro fator seria entender a rede hidrográfica da ilha. Ilhabela é predominante quente, com clima médio de 22~23ºC, com mais de 250 cachoeiras em todo seu entorno. Como descrito anteriormente, o borrachudo precisa de água corrente e limpa para completar seu ciclo. O que é mais gostoso para ele do que um concentrado de várias e várias correntes de água numa ilha de 347,5 km²? Querendo ou não, a presença dos borrachudos é um preço a se pagar por ter um arquipélago com uma das melhores qualidades de água do estado.
Outro fator é a densidade de vegetação. A Ilhabela é tão biodiversa e se tornou um oásis tão singular, por ser um dos minúsculos remanescentes do que foi um dia a gloriosa Mata Atlântica, que nesse mesmo local foi criado um Parque Estadual como unidade de conservação, o Parque Estadual de Ilhabela, abarcando cerca de 85% do município. Assim sendo, o inseto tem tanto recurso de sangue nos seres humanos, com densidade população restrita em 15% de área urbana, quanto na fauna local, tendo um ciclo de reprodução praticamente garantido.
Pode parecer que eu estou querendo te manter longe desse lugar tocado pelo divino, mas não! Eu amo Ilhabela, na verdade, resolvi escrever sobre este lugar porque sou apaixonado por ele e quis entender, junto com você, o porquê dessa característica tão marcante desse lugar. Para combater esse tipo de inseto, quando você for pra lá, deve-se usar repelente com base em icaridina, ou melhor ainda, usar o repelente vendido na própria ilha, que são a base de citronela e funcionam bem, necessitando uma reaplicação sempre que se molhar ou a cada 4 horas. Além disso, não basta ações individuais para manter esse paraíso como está. Segundo o EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), medidas como preservação da mata ciliar (a mata que fica nas margens de rios e córregos), ter cuidados com os resíduos (principalmente os orgânicos) domésticos, pois as larvas se alimentam desse tipo de rejeito, além de ações do poder público, como aplicação de BTI em pontos estratégicos e manutenção dos rios para fomentar os predadores naturais.
Assim, fica a dica para que você visite este pedaço celeste na terra, conheça de perto os borrachudos e tenha experiências incríveis como eu e minha família tivemos. Nos vemos em breve, bichinhos do cão.
Uma homenagem às minhas estrelas que sempre embarcam nas minhas doideras.
Referências:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/ilhabela/panorama
https://www.epagri.sc.gov.br/como-controlar-o-borrachudo-confira-as-dicas-da-epagri/
Livro: Blackflies (Simuliidae)- Fauna of the USSR: Diptera
Grigoleto, Oberdan, et al. “CONTROL OF BLACK-FLY (DIPTERA: SIMULIIDAE) IN THE MUNICIPALITY OF VACARIA–RS.” Revista de Gestão Social e Ambiental 19.3 (2025): 1-15.
http://www1.saude.rs.gov.br/dados/12893267837301182344062348Guia%2002.pdf
Campos, Jairo, and Carlos Fernando S. Andrade. “Resistência a inseticidas em populações de Simulium (Diptera, Simuliidae).” Cadernos de Saúde Pública 18 (2002): 661-671.
Lis, Paula Costa. Suscetibilidade de larvas de Simuliidae (Diptera) a um novo formulado à base de Bacillus thuringiensis subesp. israelensis, e aspectos bioecológico de criadouros em riachos de Cascavel, PR. 2023. 72 f. Dissertação( Mestrado em Conservação e Manejo de Recursos Naturais) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel.
https://www.ilhabela.com.br/dados-gerais-de-ilhabela/
https://guiadeareasprotegidas.sp.gov.br/ap/parque-estadual-ilhabela/
https://www.ilhabela.com.br/parque-estadual-de-ilhabela/
FREITAS, Sarah Couto de. Ilhabela : um olhar geográfico para seus rios [doi:10.11606/D.8.2023.tde-20022024-213531]. São Paulo : Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2023. Dissertação de Mestrado em Geografia Física. [acesso 2025-08-29].

