É bem capaz que você, leitor, tenha ouvido falar nessas últimas semanas algo sobre as possíveis mudanças nos livros didáticos. A repercussão disso foi tão grande que em menos de 24 horas o Ministério da Educação recuou da decisão maluca que eu já explico em mais detalhes. Tudo começa com a suposta doutrinação de esquerda que o atual governo, e parte de seus simpatizantes, afirmam existir nas escolas de ensino básico no Brasil. Ou seja, eles acreditam de verdade que somos todos doutrinados a pensar nos menos afortunados, nos direitos humanos, nas consequências da desigualdade social extrema… Bom, sendo bem sincera, acho que isso não é doutrinação, mas sim bom senso.

Para complementar essa ideia toda, vimos o movimento do projeto “Escola sem partido”, professores e pais pedindo para estudantes filmarem aulas nas quais acham que o professor está praticando a tal doutrinação, bem comuns desde antes das eleições de 2018. O conteúdo de uma das frases ditas pelo presidente e pelo Ministério da Educação logo da posse do novo governo foi tirar o lixo marxista das escolas brasileiras. Acho que, depois de muito ver os representantes do governo falarem em rede nacional, vemos que o propósito deles não é cuidar da população, oferecendo educação, saúde e bem-estar, mas sim empurrar “goela abaixo” a ideologia que eles acham que não têm.

Uma das medidas tomadas pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, foi a publicação de um novo edital para reger a produção de livros escolares, que é um processo longo, complexo, mas que até hoje garantiu a atualização das informações e conceitos que farão parte do currículo das diferentes disciplinas do Ensino Fundamental e Médio. Nesse novo edital, também chamado de PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) , publicado em 02/01/2019, o ministro propôs algumas mudanças para o novo programa em relação ao PNLD 2020 que teve início em 2018. Dentre as mudanças propostas, o governo quer diminuir a atenção ao tema violência contra as mulheres, e também o estudo sobre a cultura quilombola e do campo.

Quando questionados, tanto o time do presidente quanto seus filhos, disseram que estes temas, incluindo o feminismo, eram de esquerda, e por isso não deveriam ser ensinados em idade escolar. Para piorar, o ministro também removeu uma das secretarias do MEC que cuidava das ações por diversidade, direitos humanos e relações étnico-raciais. O uso de imagens que retratam a realidade da população brasileira também foi desincentivado, assim como não foi exigido das editoras o uso de referências bibliográficas como base para o uso de informações e conceitos de cada área.

Mas qual seria o problema de fazer um livro didático sem o uso de referências? Essa última mudança no edital foi uma das que mais chocou a população, e com razão. Fazer um livro sem referências pode ser perigoso, pois os autores poderiam colocar conceitos já ultrapassados, e até mesmo errados, pois não haveria necessidade de comprovar. O exemplo da Terra plana foi muito usado nas redes sociais para explicar este problema, e realmente caber bem.

Imagine que você, leitor, está trabalhando em uma universidade e descobre algo muito importante para o nosso desenvolvimento como sociedade, por exemplo, que a Terra é redonda, e não plana como já disseram por aí. Você publica os seus resultados, e eles viram referência na área, ou seja, quem quiser falar sobre Terra redonda, fala do seu trabalho. Imagine agora que, por algum interesse de alguma empresa, governo, ou instituição grande como a Igreja, o autor coloca no livro didático que a Terra é plana, sem dar nenhuma satisfação sobre os trabalhos que existem dizendo que a Terra é redonda. Essa informação não precisaria ser confirmada, pois não há necessidade de referenciá-la, e o conceito errado é passado para milhares de estudantes no país.

Eu dei um exemplo engraçado até, mas o buraco é mais embaixo. Com a atuação de instituições como a Igreja no governo na intensidade que estão propondo, o controle do conteúdo dos livros didáticos é uma maneira muito eficaz de controle da população. Essa doutrinação da qual eles tanto fogem (mas que nós sabemos que não é fugir) é simplesmente mudar o tom da doutrinação… para o que eles quiserem.

Depois de toda a repercussão sobre essas mudanças, não demorou nem 24 horas para o ministro recuar e anular as mudanças do novo PNLD. Ainda, o ministro culpou a gestão Temer por estas mudanças.

Achei necessário falar com o leitor do Portal Deviante sobre esse assunto de forma muito aberta, pois acredito que, assim como a equipe, você, leitor, está preocupado com a população, com a educação, com o conhecimento científico e como ele é produzido e ensinado. Aqui tem uma thread para entender tudo (com referências). Espero que esse texto escrito em tempos difíceis gere discussões necessárias para o nosso desenvolvimento como cidadãos desse país.