O ambiente de trabalho pode ser um grande estressor. Relações conturbadas com colegas e superiores, carga excessiva de trabalho, desvio de função, remuneração não condizente com a função, sensação de desvalorização, entre outras inúmeras variáveis afetam o trabalhador tanto em sua eficácia quanto seu emocional e psicológico. Essas questões podem levar ao que chamamos de síndrome de burnout. Será que, com as adaptações e o aumento considerável nas demandas devido ao contexto pandêmico, a prevalência pode aumentar? E o que se pode ser feito?

Caracterizada por cansaço emocional, despersonalização e baixa realização pessoal, a síndrome de burnout, ou síndrome de esgotamento profissional, resulta de um grande desequilíbrio entre demandas de trabalho e recursos físicos e psicológicos, desencadeando uma resposta a um intenso estresse crônico que prejudica a performance profissional e a vida pessoal do trabalhador.

Os sintomas incluem fadiga, tensão, exaustão emocional, tendência ao isolamento e despersonalização – caracterizada pela insensibilidade -, cinismo e falta de empatia com as pessoas ao redor, além da perda de interesse no trabalho e em atividades de lazer e a baixa percepção de realização pessoal.

Apesar da síndrome ter sido descrita inicialmente visando a profissionais da área a saúde, ela está presente em inúmeras profissões e ambientes de trabalho. Dentre as populações estudadas entre os anos de 2006 e 2015, as amostras são majoritariamente compostas pela população docente (22%), profissionais de enfermagem (20,6%) e médicos (12,1%).

Considerando que a síndrome ocorre comumente em profissionais que atendem pessoas de forma direta, constante e emocional, é interessante pensarmos em como as taxas de prevalência da síndrome podem ser afetadas por alterações ambientais e políticas, como, por exemplo, o contexto pandêmico atual.

 

ESTRESSE E ESTRESSORES

 

Podemos caracterizar o estresse como alterações fisiológicas e psicológicas em resposta a estímulos que interferem na homeostase do organismo, liberando cortisol e outros hormônios na corrente sanguínea e gerando um estado de alerta – um mecanismo adaptativo de sobrevivência que leva canalização de energia para uma resposta de luta ou fuga diante de uma ameaça.

Entretanto, diante de uma exposição prolongada a um estressor, combinada com a incapacidade de lidar de forma correta com este, pode-se gerar uma resposta inadequada no indivíduo, tanto biológica quanto psicológica – e, entre estas respostas, está o burnout.

No ambiente de trabalho, esses estressores podem ser categorizados como:

  • Fatores ambientais:  mudanças no ciclo de negócios, recessão econômica, ameaças políticas, mudanças e incertezas tecnológicas;
  • Fatores organizacionais: interrupções, autonomia, ruído, salas lotadas, temperatura, conflitos, expectativas, pressões, regras e regulamentações excessivas, falta de participação em decisões;
  • Fatores individuais: família, fatores de personalidade, problemas econômicos pessoais.

Quando observamos essa divisão, podemos reconhecer muitos destes estressores no cotidiano pandêmico. Mas não só isso – o contexto atual traz, além destes estressores, fatores como a preocupação quanto a saúde, o aumento absurdo na demanda, entre outros. Fatores que, sem dúvidas, influenciam na saúde mental do trabalhador e podem contribuir com o surgimento de sintomas da síndrome.

Profissionais da educação enfrentam a implementação de um novo sistema de ensino emergencial, que acaba por tornar sua casa o seu ambiente de trabalho. Muitos com falta de estrutura correta para praticar sua profissão com excelência e, portanto, manifestando a maioria dos estressores organizacionais exemplificados acima. Sem falar no fator individual familiar – mulheres educadoras, mães solteiras, têm uma carga de trabalho consideravelmente maior. Além de lidar com a docência, têm de contemplar as demandas do filho, que agora estuda em casa.

Já os profissionais de saúde encaram o preconceito por ser vistos como vetores de contaminação do vírus, e as demandas exacerbadas pelo auto índice de pacientes positivados e a baixa disponibilidade de membros da equipe e recursos materiais para lidar com a urgência.

 

A IMPORTÂNCIA DA INTERVENÇÃO

 

Estabelecer um plano de ação e políticas públicas voltadas para a população afetada pela síndrome de burnout é imprescindível. É difícil mensurar o número de trabalhadores acometidos, pois os afastamentos muitas vezes se dão por estresse, já que a síndrome passará a estar disponível na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11) apenas em 2022.

A subnotificação impede o estabelecimento de taxas que correspondam a realidade brasileira, e nos é permitido apenas mensurar baseado em estudos mais localizados. Entretanto, através destes estudos e pesquisas, é possível observar uma taxa considerável de afetados. É de suma importância que a saúde mental de nossos trabalhadores seja levada em conta dentro de cada decisão quanto a seus futuros. E, mais do que nunca, o olhar de equipes multidisciplinares para estes profissionais, em especial a tríade que corresponde a maior porcentagem de acometidos (docentes, enfermeiros e médicos). Intervenções grupais, disponibilização de serviços gratuitos de escuta, parcerias sindicais em prol de resolução de conflitos e disponibilização de serviços, para que estes profissionais tenham seu sofrimento acolhido e mitigado dentro das possibilidades do momento.

 

REFERÊNCIAS

 

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