Texto de Yasmim Pussente

Imagine você, um morador ou moradora de Recife no ano de 1685. Neste ano a população era assolada pela febre amarela, doença ainda sem nome que se acreditava ter sido trazida do continente africano e, assim como todas as doenças da época, era considerada pestilenta.

Você está sentindo dor de cabeça intensa, febre forte, dores musculares, vomitando e tendo palpitações. A primeira coisa que vai acontecer é algum ancião da sua família mandar você ir mais à missa, pois provavelmente algum demônio pode estar se aproximando para causar males ao seu corpo. Daí você se lembra que, realmente, não vai à missa faz duas semanas e se compromete a ir no próximo domingo sem falta.

Mesmo assim, as dores estão muito fortes e você acaba indo buscar ajuda com o boticário da região. Não, não é a loja que vende cosméticos, é o médico da época, aquele que tinha licença para produzir medicamentos para as enfermidades locais. Você chega esperançoso na botica e descobre que ainda não existe um medicamento para a sua enfermidade, somente alguns bálsamos à base de vegetação nativa para aliviar as dores sentidas pelo corpo.

O botica reforça a necessidade de orar mais e pedir ajuda à Deus, pois ele opera milagres e poderia salvá-lo. Você volta desolado para sua casa e cumpre sua promessa indo à igreja no domingo que se aproxima. Para fechar a história redondinha, do jeito que eu gosto nos filmes românticos, você se salva depois de alguns dias usando os bálsamos vendidos pelo botica, agradece à Deus pelo livramento e continua indo às missas como um bom cristão.

Hoje sabemos que a febre amarela é transmitida pela picada de mosquitos, mas na época não se tinha a mínima ideia de sua forma de transmissão, o que dificultava em muito sua prevenção. Não se sabia, também, seu mecanismo de ação no corpo, o que dificultava a produção de um remédio para tal.

Quando você se sente mal e vai ao posto de saúde do seu bairro e é atendido por um médico que passou por 6 anos de formação e mais 2 anos de residência em algum hospital aprendendo mais sobre o corpo humano e as doenças. Às vezes nem vai ao posto, sentiu uma dor de cabeça você vai à farmácia e pede uma dipirona ou paracetamol. Antes de continuarmos, vale reforçar que automedicação é perigoso em qualquer caso e ao persistirem os sintomas um médico deverá ser consultado.

Agora, pegue um analgésico desse e uma vacina contra a febre amarela e entre em uma máquina do tempo para ajudar alguém em 1685 no Recife. Primeiro, explique ao sujeito que veio do futuro e depois explique que o remédio em suas mãos alivia a dor de cabeça dele e que a vacina pode ser aplicada em alguma pessoa sadia, de livre escolha, para que não sofra com a doença mesmo sendo contaminada por ela posteriormente. Sem sombra de dúvidas, é mais provável ele acreditar que você viajou no tempo do que aceitar tomar a tal pastilha branca ou injetar a vacina em alguém.

Todo medicamento, vacina, protocolo de tratamento ou método de prevenção que conhecemos atualmente precisou passar por um longo, minucioso e indispensável processo de pesquisa científica. Existe um filme maravilhoso, mas muito difícil de assistir sem um lenço a tiracolo, que explica muito bem todo esse processo metódico para encontrar uma cura ou tratamento.

O filme se chama Óleo de Lorenzo (disponível na plataforma de filmes PrimeVideo) e é baseado em uma história real de um menino de 5 anos que foi acometido por uma doença rara chamada adrenoleucodistrofia (ALD). Na época em que ele foi diagnosticado, pouco se sabia sobre a doença e ainda não havia uma forma de tratamento eficaz. O médico foi sincero e direto com a família, dizendo que as observações, até o momento, o levavam a crer que a morte era certa após 2 anos. Explica, também, que a doença é causada por um defeito genético que impossibilita o Lorenzo de metabolizar gorduras de cadeias longas e o acúmulo dessa gordura no sangue acaba degradando um constituinte importante das células nervosas do cérebro. Os sintomas começam com irritabilidade, atraso no crescimento, cansaço, dificuldade para se locomover, cegueira, surdez, outras mazelas e, por fim, a morte. O cérebro é o grande controlador do nosso corpo, é ele que faz você respirar e seu coração bater enquanto dorme tranquilamente. É ele que analisa e ordena reações para as ações sentidas. A degeneração de suas células acaba por desequilibrar todo o corpo até a morte.

Diante desta notícia, os pais começam uma busca desenfreada por um tratamento ou cura para seu filho e acabam encontrando um doutor que está iniciando uma pesquisa científica com base nutricional para o tratamento da ALD com algumas crianças diagnosticadas. Os pais de Lorenzo aceitam colocar o filho na dieta que será testada por longos 6 meses, mas a dieta não surte o efeito esperado, aumentando ainda mais os níveis de gorduras de cadeias longas no sangue dos pacientes envolvidos na pesquisa.

Os pais ligam para o doutor, que explica que mesmo com resultados negativos, o processo precisa ser completado em seus 6 meses de aplicação, seguindo o rigor da pesquisa médica. É triste, mas resultados ruins em pesquisas também são resultados e trazem mais aporte de conhecimento sobre a doença, ajudando no processo para a cura ou tratamento mais eficaz. Esse rigor nos estudos realizados com animais e seres humanos, com o máximo de controle, é o que nos levou a ter tantos avanços na área da medicina.

Outro exemplo, divertido até, é o caso do remédio citrato de sildenafila. Inicialmente desenvolvido para angina, uma dor no peito causada pela isquemia cardíaca. E você deve estar se perguntando o que seria isquemia, e tudo bem, não somos obrigados a saber de tudo. O que importa é que ele começou a ser desenvolvido e testado para problemas relacionados ao coração. Mas, durante as pesquisas, um dos efeitos colaterais observados em todos os homens participantes foi a ereção significativa do pênis.

Sim, isto mesmo que você leu. Acabou que o medicamento foi mais vendido para tratar disfunção erétil do que propriamente o problema de angina. Descobertas podem ser feitas ao acaso, mas sempre baseadas em processos seguidos à risca e comprometimento total com o método científico. Para finalizar, assistam o filme e leiam mais sobre o citrato de sildenafila. Pode render boas conversas e ainda incentivar novas ligações neurais no seu cérebro. E eu sei disso baseado em muita pesquisa científica, pode acreditar.

 


Yasmim Pussente

Professora de mentes brilhantes, viciada em panquecas e formada em química graças ao acaso.